Política

15 momentos em que o STF decidiu a favor de Bolsonaro

Com inúmeros ataques ao STF, Bolsonaro é bem menos vocal sobre momentos em que o STF tomou decisões a seu favor, detalhados nesta reportagem a partir de um levantamento feito pela BBC News Brasil

BBC
Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 27/09/2022 21:01 / atualizado em 27/09/2022 21:01
Jair Bolsonaro discursa
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Os ataques do presidente Bolsonaro ao STF são parte de sua estratégia política, avaliam analistas

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez ao longo dos últimos quatro anos vários ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente acusou a Corte de "interferir" em seu governo, xingou ministros, defendeu que precisam ser "enquadrados" e ameaçou descumprir suas decisões.

Bolsonaro falou ainda que sofre uma "perseguição" com o intuito de desgastar o seu governo e prejudicá-lo por conta de uma "obsessão" por tirá-lo da Presidência e impedir sua reeleição.

O presidente é, no entanto, bem menos vocal sobre momentos em que o STF tomou decisões a seu favor, detalhados nesta reportagem a partir de um levantamento feito pela BBC News Brasil.

Na verdade, analistas que acompanham o Judiciário afirmam que o Supremo cumpriu durante o governo Bolsonaro o papel esperado de um tribunal constitucional e que o discurso anti-STF do presidente não corresponde aos fatos e é uma estratégia política.

Procurado pela BBC News Brasil, o Planalto não respondeu até a publicação desta reportagem.

Os analistas destacam ainda que o Supremo buscou inclusive uma conciliação com Bolsonaro, teve cautela em ações penais que o afetam diretamente e não barrou políticas importantes para seu governo ou sua campanha pela reeleição.

Todos os ministros do STF proferiram votos ou tomaram decisões em algum momento ou outro que beneficiaram o presidente e seus familiares e aliados.

Esses momentos, listados a seguir, ajudam a compreender melhor não só como o Supremo agiu durante o governo Bolsonaro, mas a própria dinâmica do STF em si.

Janeiro/2019: Luiz Fux suspende investigações contra Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro

Era o primeiro mês do governo, e uma denúncia de corrupção rondava o presidente.

Um promotor havia afirmado que poderia denunciar criminalmente seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e seu ex-assessor Fabrício Queiroz por suspeitas dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato.

Queiroz e Flávio eram investigados pelo Ministério Público (MP) por movimentações financeiras de R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enquanto Queiroz trabalhava para Flávio quando ele era deputado estadual.

Queiroz diz que ganhou o dinheiro vendendo carros, mas o MP afirmou que haveria um esquema de "rachadinhas" no gabinete de Flávio em que os funcionários repassariam parte dos salários para Queiroz.

A investigação encontrou transferências entre o ex-assessor e uma de suas filhas, que trabalhava no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro na Câmara. E, no período investigado, Queiroz fez depósitos na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente disse que Queiroz pagou um empréstimo.

Luiz Fux
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O ministro Luiz Fux concedeu uma liminar que paralisou as investigações sobre Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz

Flávio Bolsonaro também negou qualquer crime e pediu na época que o Supremo considerasse as provas contra ele ilegais porque o Coaf teria repassado ao MP informações sigilosas sobre ele sem autorização do Judiciário.

Também argumentou que ele teria direito a foro privilegiado por ser senador e que seu caso deveria ficar a cargo do Supremo e não da Justiça comum, como vinha ocorrendo.

O Judiciário estava em recesso, e o ministro Luiz Fux, vice-presidente do tribunal na época, estava de plantão e atendeu o pedido. Fux concedeu uma liminar que paralisou as investigações até que o caso fosse analisado pelo relator, o ministro Marco Aurélio Mello.

"Foi uma decisão importante, porque era uma denúncia de um grande esquema de corrupção envolvendo Bolsonaro, e o caso ficou atravancado naquele momento", diz Wallace Corbo, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bolsonaro, Flávio e Queiroz sempre negaram qualquer envolvimento em irregularidades.

O cientista político Pablo Holmes, da Universidade de Brasília (UnB), destaca que o caso tinha o potencial de "arranhar a imagem" de Bolsonaro, eleito com uma campanha fortemente calcada no discurso anticorrupção, logo no começo de seu governo. "Acho que foi crucial", afirma.

Diego Werneck, professor de Direito do Insper, diz que, nesta época, havia dúvidas sobre como seria o comportamento do Supremo no governo Bolsonaro.

"O Toffoli vinha sinalizando uma cooperação entre os poderes, e não se sabia ainda se o tribunal estaria disposto a conter o presidente e se conseguiria fazer isso", afirma.

Corbo avalia ainda que a decisão monocrática de Fux, como é chamada aquela proferida por um único ministro, pode ter sido tomada "para contemporizar com o presidente e gerar estabilidade política".

No entanto, Marco Aurélio rejeitou o pedido assim que o tribunal voltou a funcionar no mês seguinte. Ele explicou que Flávio não tinha direito ao foro e mandou as investigações continuarem.

Julho/2019: Dias Toffoli suspende processos com dados bancários compartilhados sem autorização judicial

Dias Toffoli
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Decisão de Dias Toffoli interrompeu o andamento de centenas de processos, entre eles o de Flávio Bolsonaro

Atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, o ministro Dias Toffoli suspendeu investigações que tivessem como base dados sigilosos compartilhados pelo Coaf, pela Receita Federal e o Banco Central sem autorização judicial.

A decisão veio no recesso do Judiciário de meio de ano, e era o plantão do então presidente do STF.

Toffoli argumentou que as investigações deveriam esperar uma decisão definitiva do Supremo a respeito para que os processos não fossem anulados depois.

Na prática, a decisão paralisou por seis meses centenas de casos, entre eles o do filho do presidente, que começou a ser investigado a partir de informações compartilhadas pelo Coaf depois que a Justiça do Rio autorizou a quebra do seu sigilo bancário.

Holmes destaca que a decisão neste caso foi "controversa". "O Coaf vinha agindo desta forma há anos e estava cumprindo seu papel, e Toffoli barrou isso. Por que não fez antes?", questiona.

Corbo avalia que a decisão ter sido proferida pelo então presidente do STF a torna mais significativa. "A decisão foi monocrática, mas tem um caráter também institucional, como se ele estivesse falando em nome do Supremo. De novo, acho que a lógica da contemporização com o governo prevaleceu."

Werneck concorda. "Quem estava imaginando que o STF tentaria evitar conflitos com Bolsonaro entendeu essa decisão como evidência disso."

Setembro/2019: Gilmar Mendes suspende investigações contra Flávio Bolsonaro

Os advogados de Flávio Bolsonaro alegaram que, mesmo depois da decisão de Toffoli, os processos contra ele continuaram a andar e entraram com um novo pedido no Supremo.

O ministro Gilmar Mendes concordou e determinou a suspensão de todas as ações que envolviam a quebra de sigilo do senador até que o plenário julgasse a questão.

Corbo afirma que a decisão frustrou temporariamente "a expectativa que havia na época de que se confirmasse eventuais esquema de corrupção envolvendo a família Bolsonaro".

Holmes destaca que, em 2019, o governo Bolsonaro ainda não tinha conseguido formar uma coalização política para se fortalecer e estava sob pressão do Congresso.

"Tudo que Bolsonaro mandava para lá não passava, e a decisão barra um escândalo de corrupção em um momento de fraqueza do governo", diz.

Porém, em dezembro, o plenário do STF decidiu, por 10 votos a 1, que as informações podem ser repassadas sem permissão da Justiça e estabeleceu regras para isso. Marco Aurélio foi o único contra.

Gilmar Mendes
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O ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todas as ações que envolviam a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro

Março/2020: Ministros arquivam denúncias contra Bolsonaro na pandemia

A pandemia de covid-19 foi declarada, e não demorou para Jair Bolsonaro ser alvo de várias denúncias por causa de seu comportamento diante da crise.

O presidente foi acusado de cometer crimes ao contrariar as recomendações de isolamento em manifestações e atos públicos e ter criticado essas medidas, supostamente contribuindo para a propagação do vírus.

No entanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR), sob o comando de Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, concluiu que Bolsonaro não havia cometido crimes e disse que as ações deveriam ser arquivadas.

Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio seguiram a recomendação. Marco Aurélio voltaria a arquivar outra denúncia contra Bolsonaro pelo mesmo motivo um ano depois.

Corbo destaca que Marco Aurélio estava prestes a se aposentar e poderia ter decidido de forma contrária sem sofrer grandes consequências por isso.

"Marco Aurélio era conhecido por ter interpretações minoritárias e decidir de forma polêmica. É difícil dizer quais incentivos o levaram a agir assim e se havia algum alinhamento com o bolsonarismo que era desconhecido na época", afirma.

O professor da FGV resume que a manifestação gerou "frustração" na época. "Era um momento pandêmico, e havia uma expectativa de responsabilização do governo."

Mas, conforme destaca Holmes, não havia como o STF processar o presidente por um crime comum sem o apoio da PGR. "Embora houvesse uma comoção social e o presidente tivesse uma baixa popularidade, o que dava espaço para alguma contestação se o Supremo estivesse mesmo perseguindo ele", complementa.

Werneck ressalta que, na época, estavam chegando ao tribunal muitas denúncias contra Bolsonaro porque "a PGR não estava sinalizando uma disposição" em fazer isso.

"Mas é natural que o Supremo tenha cautela diante da inércia da PGR. Isso não quer dizer que tenha sido generoso demais. O tribunal não pode aceitar toda e qualquer queixa-crime contra o presidente."

Ricardo Lewandowski
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Ricardo Lewandowski foi um dos ministros que arquivaram denúncias contra Bolsonaro na pandemia

Maio/2020: Plenário flexibiliza regras fiscais e orçamentárias no combate à pandemia

O plenário do STF decidiu que a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 não poderiam impedir a criação e expansão de programas públicos para combater a pandemia de covid-19.

O pedido de flexibilização partiu da Advocacia-Geral da União (AGU), um órgão do governo.

O julgamento confirmou uma decisão de Alexandre de Moraes, tomada dois meses e meio antes. O ministro argumentou que a pandemia era imprevisível e que não teria sido possível prever ações para enfrentar a crise.

A decisão foi válida para todos os entes da federação que tinham declarado estado de calamidade pública - isso ocorreu no âmbito federal com um decreto legislativo aprovado em março daquele ano.

"O próprio presidente procurou o STF para se ver livre das amarras da lei de responsabilidade fiscal durante a pandemia e teve seu pleito atendido", avalia Eloísa Machado, professora de Direito da FGV.

Holmes diz que a decisão ocorreu em um momento em que havia um consenso social de que não seria possível aplicar essas regras.

"O Supremo poderia ter sido contra, porque, do ponto de vista legal, é um absurdo, ainda mais diante de um governo fraco. O STF deu uma mãozinha para Bolsonaro", diz.

Corbo destaca que o Supremo se colocou neste momento como um viabilizador das políticas públicas contra a pandemia. "O STF tinha como justificar uma decisão que impediria essas ações, mas teria que assumir um ônus elevadíssimo."

Setembro/2020: Marco Aurélio Mello suspende inquérito sobre interferência de Bolsonaro na PF

Marco Aurélio Mello
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O ministro Marco Aurélio Mello suspendeu inquérito sobre suposta interferência do presidente na PF

Uma grande crise se abriu no governo quando Sergio Moro saiu do governo acusando o presidente de tentar interferir na Polícia Federal (PF).

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública afirmou que Bolsonaro quis trocar o comando da polícia para ter acesso a informações sobre investigações sobre sua família. O presidente nega.

A PGR pediu para Bolsonaro ser investigado, e o ministro Celso de Mello, relator do caso, aceitou. Mas a AGU protestou contra a determinação que Bolsonaro depusesse pessoalmente e defendeu que ele poderia fazer isso por escrito.

A PGR disse que Bolsonaro poderia escolher como faria seu depoimento. Celso de Mello discordou e determinou que Bolsonaro fosse pessoalmente.

A AGU recorreu de novo, e a decisão coube a Marco Aurélio Mello, que a jogou para o plenário e suspendeu o processo até lá. Os ministros se reuniram em outubro, mas a sessão foi suspensa após Celso de Mello votar contra o depoimento por escrito.

Holmes avalia que a decisão "não foi usual". "Não se costuma trancar um inquérito. O juiz que faz isso está interferindo na atividade policial."

O inquérito ficou parado por dez meses e só foi retomado quando Alexandre de Moraes assumiu a relatoria, depois que Celso de Mello se aposentou. O ministro argumentou que a PF tinha diligências a cumprir e que poderia fazer isso independentemente do depoimento.

O julgamento recomeçou em outubro de 2021, mas foi de novo suspenso depois que Bolsonaro aceitou depor pessoalmente. Ele fez isso no mês seguinte.

Dezembro/2020: Kassio Nunes Marques suspende lei que proíbe pesca de arrasto no RS

Em novembro de 2020, o primeiro indicado por Jair Bolsonaro para o STF, Kassio Nunes Marques, tomou posse.

No mês seguinte, o ministro concedeu uma liminar que suspendeu uma lei que proíbe a pesca de arrasto na costa do Rio Grande do Sul, criada em 2018 porque a prática foi considerada prejudicial ao meio ambiente.

O pedido foi feito pelo Partido Liberal (PL), que fazia parte da base de apoio de Bolsonaro e ao qual o presidente se filiaria um ano depois. A legenda alegou que a lei é inconstitucional porque caberia exclusivamente à União legislar sobre a área marítima.

O pedido havia sido recusado um ano antes por Celso de Mello, então relator do caso. O ministro concluiu que os Estados podem legislar sobre a pesca em defesa do meio ambiente.

Mas o PL pediu para o Supremo reconsiderar, e Nunes Marques, que assumiu a vaga de Mello depois que ele se aposentou, assumiu o caso.

Nunes Marques concedeu liminar e se justificou acrescentando que a proibição poderia prejudicar o sustento dos pescadores locais.

Na campanha para presidente, Bolsonaro havia prometido que pediria ao governo gaúcho para revogar a lei e parabenizou Nunes Marques publicamente pela liminar.

Kassio Nunes Marques
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O ministro Kassio Nunes Marques derrubou lei criticada por Bolsonaro

Corbo, da FGV, diz que a manifestação do ministro foi "emblemática". "Foi contra até mesmo à lógica do Supremo de defesa do meio ambiente e deu o tom da sua postura nos anos seguintes."

Holmes avalia que a decisão foi controversa juridicamente e que o ministro atuou desde que assumiu de forma "muito dissonante" do restante do tribunal. "Sempre muito alinhado com o presidente", diz.

Um ano depois, Bolsonaro diria, ao se referir ao ministro: "Hoje, eu tenho 10% de mim dentro do Supremo".

"É difícil para o ministro conviver com o fato de que o presidente que o indicou está constantemente dizendo que Nunes Marques joga no time dele", avalia Diego Werneck, do Insper.

"Diante disso e como ele costuma decidir sistematicamente alinhado com o presidente, fica difícil não ler suas decisões sob a chave de que ele atua conforme os interesses de Bolsonaro."

Depois de quase dois anos, Nunes Marques ainda não enviou o caso para ser analisado pelo plenário.

Maio/2021: Marco Aurélio Mello arquiva pedido para investigar Bolsonaro no caso dos depósitos de Queiroz para Michele Bolsonaro

O ministro mandou arquivar um pedido de investigação para investigar o possível envolvimento do presidente no caso dos R$ 89 mil em cheques depositados por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro, entre 2011 e 2016.

O pedido foi feito pelo advogado Ricardo Bretanha Schmidt. A PGR foi contra e disse que não havia encontrado indícios de crimes do presidente.

Marco Aurélio Mello, relator do caso, seguiu a avaliação da PGR. Mas Schmidt recorreu, e o ministro levou o caso ao plenário. Dois meses depois, por 10 votos a 1 (Edson Fachin foi o único contrário), o STF arquivou de vez o pedido.

"De novo, uma decisão do STF tomada a partir da posição da PGR frustrou a expectativa de responsabilização do presidente e seu núcleo político", avalia Corbo.

"Vira uma questão quantitativa, do número de decisões no mesmo sentido que se acumulam."

O professor da FGV diz que, se o STF tivesse uma inclinação contra Bolsonaro, poderia ter autorizado a investigação e ganho poder político contra o presidente. "Mas acabou favorecendo ele ao impedir que o caso prosseguisse."

Werneck afirma que este é mais um caso em que o STF teria dificuldade de agir de outra forma por causa da posição da PGR. "Não dá para ignorar isso, porque é o órgão que tem prerrogativa de oferecer uma ação penal no Supremo por atos cometidos por pessoas com foro privilegiado", diz.

"O problema é que, no fim das contas, nada do que Bolsonaro fez mereceu, na visão da PGR, algum tipo de consideração sob forma de ação penal. Aras não precisaria concordar que é crime, mas outra coisa é dizer que não há uma dúvida razoável. Isso é estranho para um presidente radical que coleciona pedidos de impeachment."

Holmes diz que a decisão amenizou o desgaste que o caso vinha gerando para Bolsonaro. Mas ressalta, no entanto, que abrir investigações contra o presidente a cada denúncia que chega o impediria de governar.

"Vira caça às bruxas. Inclusive, o presidente não pode ser investigado por atos que não envolvam seu mandato enquanto ele estiver no cargo."

Junho/2021: Ministros suspendem quebras de sigilo da CPI da Covid

A Comissão Parlamentar de Inquérito aberta no Senado para apurar as ações e omissões do governo na pandemia de covid-19 gerou um enorme desgaste para Bolsonaro.

Integrantes do governo tiveram seus sigilos quebrados para apurar possíveis irregularidades. No entanto, ministros do STF barraram a devassa em alguns casos.

Kassio Nunes Marques, por exemplo, concluiu que os pedidos de quebra de sigilos telefônico e telemático de Elcio Franco e Hélio Angotti, que trabalharam no Ministério da Saúde sob o comando do general Eduardo Pazuello, foram genéricos e não justificavam o acesso aos dados.

A quebra dos sigilos de comunicações e bancário de outro assessor de Pazuello, Zoser Plata, também foi suspensa por Dias Toffoli, que considerou que o pedido da CPI foi baseado em argumentos genéricos e não tinha uma boa justificativa para isso.

Nunes Marques também também considerou "precipitada e sem base jurídica" a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático da Calia Comunicação, agência que havia sido contratada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República para fazer uma campanha sobre "cuidado precoce".

Em agosto, Luís Roberto Barroso suspendeu a quebra de comunicações de dois servidores da Saúde porque o pedido não estava "adequadamente fundamentado".

Alexandre de Moraes
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O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a quebra de sigilo de Bolsonaro pela CPI da Covid

Quatro meses depois, Alexandre de Moraes suspendeu a quebra de sigilo telemático do presidente Jair Bolsonaro por não considerá-la "razoável". O ministro argumentou que havia outras vias mais adequadas para pedir esses dados caso fosse necessário.

"Essas decisões monocráticas no contexto da CPI reforçam o ponto que o Supremo, ainda mais em decisões individuais, pode agir de uma forma que não vai contra os interesses de Bolsonaro", ressalta Werneck.

Corbo ressalta que, embora a comissão possa quebrar o sigilo de investigados, há limites para isso. "Isso de qualquer forma acabou enviando uma mensagem pública de limitação da capacidade da CPI de investigar o governo", afirma.

"Tem casos que podem ser absurdos, uma CPI não pode sair quebrando o sigilo de todo mundo, e cabe ao STF controlar", concorda Holmes.

"Mas, estando o STF certo ou não juridicamente, do ponto de vista objetivo, isso beneficiou o governo em um momento de extrema fragilidade."

Novembro/2021: STF mantém foro privilegiado de Flávio Bolsonaro

A Segunda Turma do Supremo, por 3 votos a 1, manteve o foro privilegiado do filho do presidente no caso das supostas rachadinhas.

Uma decisão da Justiça do Rio havia reconhecido que Flávio Bolsonaro tinha direito ao foro, e o MP recorreu ao STF porque a decisão contrariava um entendimento da Corte de que isso era restrito a casos que tenham relação com o mandato ou exercício do cargo.

Flávio Bolsonaro havia sido denunciado pelo MP por suspeita de ter se apropriado dos salários de funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual e participado de um suposto desvio de R$ 6 milhões.

Para o MP, Flávio só teria direito ao foro se estivesse sendo investigado por suas ações como senador.

Mas Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques entenderam que a tese não se aplicava aos mandatos cruzados, quando um parlamentar deixa um cargo legislativo para exercer outro. Edson Fachin foi o único contrário.

No mesmo julgamento e pelo mesmo placar, também foram anulados quatro dos cinco relatórios do Coaf de movimentações financeiras do senador que embasaram as investigações por causa de irregularidades detectadas na sua elaboração. Isso esvaziou o inquérito na prática.

"Levou à estaca zero toda a discussão, mesmo diante de um tema controverso no STF, que decidiu em vários sentidos sobre isso ao longo do tempo", reforça Corbo.

"O STF deu um cavalo de pau jurídico, contrariou seu próprio precedente e matou o caso", concorda Holmes.

Werneck considera que o racional que favoreceu o filho do presidente foi "heterodoxo". "O Supremo disse que era um caso novo, que não tinha tido a oportunidade de apreciar, e vá lá, isso é verdade, mas são argumentos ousados", diz.

Novembro/2021: Rosa Weber nega liminar contra PEC dos Precatórios

Rosa Weber
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A ministra Rosa Weber negou liminar contra emenda constitucional importante para o governo Bolsonaro

A ministra negou três pedidos de liminar feitos pela oposição para suspender a tramitação e anular a aprovação em primeiro turno na Câmara da PEC dos Precatórios.

A PEC permitiria o parcelamento a partir de 2022 do pagamento das dívidas do poder público determinadas por ações na Justiça e alterava a regra do teto de gastos do governo para abrir espaço no orçamento para o pagamento do Auxílio Brasíl de R$ 400 na época.

As ações alegavam irregularidades na tramitação que contrariavam a Constituição, porém Weber disse que era uma questão interna do Congresso e que não havia uma urgência que justificasse uma intervenção.

Holmes avalia que, nesta questão da PEC, o STF não enfrentou o governo Bolsonaro, mesmo que a medida seja "uma irresponsabilidade fiscal". "A conta vai ficar para o próximo governo", diz.

Embora a decisão tenha favorecido o governo, Corbo explica que era esperada. "A tramitação de uma PEC só é suspensa se há uma violação muito clara aos parâmetros constitucionais", diz.

"Se Rosa fosse movida por questões políticas, poderia ter agido diferente e gerado problemas de governabilidade para Bolsonaro, mas ela é muito técnica e comprometida com a jurisprudência."

Para Werneck, esse é um exemplo do "Supremo clássico de sempre". "Se for uma questão central para a agenda do governo, o STF vai ter cuidado."

Junho/2022: Cármen Lúcia decreta sigilo em inquérito sobre interferência de Bolsonaro em investigação no MEC

Cármen Lúcia
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A ministra Cármen Lúcia decretou sigilo em investigação sobre o presidente

Em uma conversa por telefone com sua filha, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro afirmou que o presidente havia lhe dito que havia tido um "pressentimento" de que Ribeiro poderia ser alvo de uma operação de busca e apreensão da PF.

A operação ocorreria de fato, e o ex-ministro chegaria a ficar preso brevemente.

A PF afirma que dois pastores criaram um esquema de liberação de verbas para educação em troca de propina com o conhecimento e aval de Ribeiro, que nega qualquer crime.

A ministra Cármen Lúcia, que disse haver uma "gravidade incontestável" no caso, decretou sigilo no inquérito, que continua em andamento.

Werneck avalia que o sigilo em um caso como esse não busca necessariamente proteger o alvo da investigação, no caso, o presidente. "Isso pode acontecer para proteger o próprio inquérito", afirma.

No entanto, Corbo ressalta que, em ano eleitoral, isso beneficiou Bolsonaro. "Independente de ser uma decisão acertada ou não, é bom para ele que não haja acesso às informações de investigações contra ele."

Junho/2022: André Mendonça determina que alíquotas do ICMS dos combustíveis sejam uniformes no país

Jair Bolsonaro cumpriu sua promessa de colocar um ministro "terrivelmente evangélico" no STF com a indicação do advogado e pastor André Mendonça, então chefe da AGU. Ele foi empossado em dezembro de 2021.

O ministro teve um papel importante em uma das políticas mais sensíveis do último ano: a imposição de uma alíquota única para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

A medida levou na prática a uma queda dos preços em um momento em que o país enfrentava uma alta da inflação que desgastava o governo e atrapalhava a campanha pela reeleição.

Depois que o projeto foi aprovado no Congresso, no entanto, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão colegiado formado por secretários estaduais e o ministro da Economia, estabeleceu um convênio a respeito do diesel com um valor mais alto do que o cobrado anteriormente e que, por permitir aos governos estaduais aplicar descontos, poderia levar à cobrança de um ICMS diferente em cada Estado.

A AGU recorreu ao Supremo alegando que a norma permitia a continuidade de um "sistema de tributação disfuncional, federativamente assimétrico e injustamente oneroso para o contribuinte". Mendonça concordou e determinou uma alíquota única, conforme a lei.

Corbo avalia ser natural que o ministro, que trocou o governo pelo Supremo, tenha um alinhamento com Bolsonaro.

"Ainda mais em uma questão que envolve a política econômica e não jurídica e que não gera controvérsias entre ele e o presidente. Assim, ele viabilizou o interesse de Bolsonaro, que era jogar para baixo o preço dos combustíveis", diz.

Julho/2022: André Mendonça nega liminares contra PEC que ampliou benefícios sociais

André Mendonça
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O ministro André Mendonça negou liminares contra proposta de ampliação de benefícios sociais

Coube também a Mendonça analisar dois pedidos de liminar, feitos pelos deputados federais Nereu Crispim (PSD-RS) e Alexis Fonteyne (Novo-SP), contra a tramitação no Congresso da proposta de emenda à Constituição (PEC) que decretou estado de emergência e ampliou benefícios sociais pagos pelo governo às vésperas da eleição.

A medida foi amplamente criticada e considerada ilegal - a legislação proíbe criar benefícios em ano eleitoral - e foi considerada uma forma do governo de contornar as regras para favorecer a tentativa de reeleição.

Mendonça concluiu, no entanto, que não havia "inequívoco e manifesto desrespeito ao processo legislativo e disse que o controle judicial da aprovação de leis e emendas deve ser excepcional, quando há um problema flagrante, e que conceder a liminar poderia colocar em risco a separação dos poderes.

Holmes avalia que, neste caso, havia um consenso político no Parlamento, inclusive com a oposição, a respeito da ampliação dos benefícios.

Corbo afirma que, além disso, o Supremo tem dificuldade em controlar a tramitação de uma PEC, mesmo que fosse controversa.

"O STF é reticente em suspender projeto de lei, porque entende que o processo tem que ocorrer no Legislativo e, se houver inconstitucionalidade, suspende depois. A não ser que a proposta viole uma cláusula pétrea da Constituição, porque aí não pode nem ser deliberada", diz.

Agosto/2022: André Mendonça pede vista em julgamento sobre divulgação de dados sigilosos de inquérito da PF e associação da covid-19 à Aids por Bolsonaro

A dois meses da eleição, o ministro fez pedidos de vista, ou seja, solicitou mais tempo para análise, do julgamento de recursos da PGR e da AGU contra decisões de Alexandre de Moraes em investigações envolvendo o presidente. Os recursos haviam sido enviados ao plenário por Moraes.

Na prática, isso interrompeu os julgamentos por tempo indeterminado, já que não há um prazo para que os pedidos de vista sejam devolvidos.

Em um dos casos, Bolsonaro é investigado pelo suposto vazamento de dados sigilosos de um inquérito da PF sobre um suposto ataque ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2018.

O presidente tratou do inquérito em uma transmissão ao vivo pela internet e depois o publicou na íntegra nas redes sociais.

O outro caso envolve a falsa associação feita por Bolsonaro entre a aplicação da vacina contra covid-19 ao risco de desenvolver a Aids. De acordo com a PF, o presidente cometeu crimes em ambos os casos.

Holmes critica os pedidos de vista. "Isso está sendo usado a torto e a direito no STF para fazer política", diz.

Corbo diz que esse instrumento tem sido usado quando os ministros "entendem que o momento não é favorável para que o assunto seja decidido ou mesmo para impedir uma decisão."

Holmes avalia que Mendonça teve no STF um comportamento mais "estratégico" do que o outro indicado por Bolsonaro, Nunes Marques.

"Nunes Marques acabou se isolando dentro da Corte, enquanto Mendonça tenta chegar a um ponto médio em que ajuda a avançar a agenda do governo sem romper com o funcionamento do tribunal", diz.

Afinal, Bolsonaro tem razão em dizer que é perseguido pelo STF?

Jari Bolsonaro
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Bolsonaro ataca as instituições com o intuito de governar sem ser controlado, dizem analistas

Eloísa Machado, da FGV, não vê fundamento nos ataques reiterados do presidente ao STF e diz que o tribunal apenas cumpriu seu papel ao julgar ações de controle de constitucionalidade.

"Dentre as diversas ações levadas ao tribunal e julgadas, que podem ser classificadas de interesse de Bolsonaro, algumas lhe foram favoráveis e outras contrárias, naturalmente", diz.

Na sua avaliação, o presidente ataca o Supremo porque tem "inclinações autoritárias" e "busca governar sem controle sobre seus atos".

"Bolsonaro não critica o tribunal pelo o que ele julga, critica e ataca pelo que ele é: uma instância de defesa da Constituição que, naturalmente, atrapalha seu projeto de destruição", afirma Machado.

Diego Werneck, do Insper, diz que o STF nunca foi historicamente um tribunal que se posicionou contra decisões do governo, em especial aquelas consideradas centrais para seu programa. "O entendimento é que o governo foi eleito para fazer certas coisas e que não é papel do Supremo substituí-lo."

Werneck aponta que, em outros casos, Bolsonaro avalia que decisões do tribunal foram contra a ele, especialmente em relação a questões de direitos fundamentais, mas avalia que o Supremo manteve-se coerente com decisões que vinham sendo tomadas antes.

"O presidente pode achar que a criminalização da LGBTfobia, por exemplo, foi contrária a ele ou sua agenda, mas foi apenas mais um passo na mesma direção da permissão da união homoafetiva de 2011. Não houve mudança a esse respeito."

Ao mesmo tempo, Werneck credita algumas derrotas de Bolsonaro a falhas do próprio governo na elaboração de medidas legislativas e jurídicas. "O governo fez no começo coisas muito contestáveis juridicamente do ponto de vista formal, foi muito incompetente, e é esperado que o Supremo tenha reações contrárias a isso", diz.

Pablo Holmes, da UnB, afirma ser normal haver conflito entre os poderes em um sistema democrático. "Mas o histórico mostra que o Supremo não enfrentou Bolsonaro de forma clara a não ser na questão da pandemia, quando uma forte reação pública e do Congresso contra o presidente o colocou em uma posição frágil", diz.

Para o cientista político, as manifestações contrárias a Bolsonaro se tornaram mais escassas a partir do momento em que o presidente formou uma coalizão política com partidos do chamado Centrão em 2021. "Bolsonaro ficou mais forte politicamente, e o STF ficou acuado e foi muito mais condescendente com ele", diz.

Wallace Corbo, da FGV, destaca que muitas ações criminais contra Bolsonaro, sua família e aliados não progrediram no STF. "No começo do governo, o Supremo tentou compor com o governo e não enfrentar o presidente. Na esfera criminal, os ministros tiveram oportunidade de deixar a investigações avançarem e não fizeram isso", diz.

Corbo diz que, mesmo antes de Bolsonaro indicar dois nomes para a Corte, ministros já vinham decidindo a favor do presidente e avalia que Bolsonaro tende a escolher alguns temas e ministros que ele considera que precisam ser derrotados publicamente.

"Mas, estatisticamente, apesar do STF ter se colocado muitas vezes contra políticas do bolsonarismo, não se colocou incisivamente contra o Bolsonaro e seu núcleo político", diz.

"Ele se diz perseguido porque é um autocrata e adota esse discurso para tentar concentrar poder na sua figura e, para conseguir isso, ele precisa deslegitimar o Judiciário."

- Este texto foi publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/brasil-62989324


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