A comparação do preço da gasolina no Brasil com o valor pago no Reino Unido, feita pelo presidente Jair Bolsonaro no domingo, foi considerada simplista e não totalmente apropriada por especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. Para eles, embora a comparação do valor nominal não esteja errada, ela não leva em consideração fatores como o custo de vida em cada um dos países, a renda média e o impacto do produto no orçamento das famílias inglesas e brasileiras.
A discussão veio com uma publicação do presidente em uma rede social em frente a um posto de combustível em Londres, na Inglaterra, para onde viajou para o funeral da rainha Elizabett II. “Estou aqui em Londres, Inglaterra. O preço da gasolina: 1,61 libras (esterlinas). Isso dá aproximadamente R$ 9,70 o litro. Ou seja, praticamente o dobro da média de muitos estados no Brasil. Então, a gasolina é uma realidade, uma das mais baratas do mundo. Um abraço a todos do Brasil. É o governo brasileiro trabalhando por você”, disse.
O economista da Valor Investimentos, Paulo Duarte, explica que existe um ajuste que é feito quando comparamos preços entre os países, chamado Paridade de Poder de Compra. “O trabalhador inglês que compra gasolina em libras recebe o salário também nessa moeda. Quando analisamos o peso desse custo nas famílias inglesas, temos que comparar a renda média, per capita, ou o salário mínimo médio dessa família com uma brasileira, para fazer essa comparação. Assim, conseguimos entender se esse produto é mais ou menos relevante de uma família para outra.”
Para fazer a comparação corretamente, segundo o economista, usando a Paridade de Poder de Compra, deve-se observar o salário mínimo no Reino Unido e o preço do litro da gasolina lá. “E ver se a gasolina ocupa, percentualmente, um volume maior ou menor na cesta de consumo médio das famílias.” O professor e colaborador do Denarius da área de Projetos da Fipecafi, Fabio Sobreira, afirma que o normal é fazer a comparação dos preços em dólar. “Mas é preciso comparar o custo de vida de cada país. Comparar o preço de combustível de um dólar aqui no Brasil é diferente do mesmo preço nos Estados Unidos ou na Europa porque o custo de vida é diferente.”
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Ele diz que fazer a comparação dos preços na bomba de combustíveis de dois países, assim como a feita pelo presidente não é um erro. Porém, o professor alerta que é preciso levar alguns fatores em consideração. “Existe o índice Big Mac, que compara o preço do hambúrguer no mundo inteiro. Por ele, é possível saber por quanto é vendido um Big Mac, de uma forma geral. Se em determinado país ele é mais caro, provavelmente o custo de vida desse país é maior.”
Duarte também cita o índice, que segundo ele, é usado para tentar comparar itens comuns e o preço deles, em dólar, em cada país. “Mas quando você analisa esse índice, não leva em consideração a renda per capita no país ou o salário mínimo.” Sobreira concorda e ressalta que para comparar o custo de qualquer produto na economia, o ideal é ter como base, por exemplo, o salário mínimo local, o custo de vida local e qual o impacto dele na renda das famílias.
“Por isso, é uma comparação simplória dizer, por exemplo, que o custo da gasolina aqui no Brasil está abaixo de um dólar o litro, enquanto na Europa está acima. Comparativamente falando, com o que temos de dados empíricos e de fácil acesso, está mais barato aqui. Mas, se for comparar o quanto a gasolina representa no custo de vida do cidadão daquele país, é preciso levar em conta outros fatores que são mais difíceis de calcular, como salário mínimo e o custo de vida no país.”
O economista lembra ainda que quando fazemos esse tipo de análise, precisamos pensar em outras nuances. “Quanto o combustível está inserido na cesta de consumo de uma família tipicamente britânica? Isso leva em consideração também muito os hábitos de cada país. Será que eles usam o carro tanto quanto aqui no Brasil? Será que eles têm um transporte público mais eficiente?”, questiona.
Medidas Para Sobreira, levando em consideração o custo de vida no Brasil e na Inglaterra, a gasolina pesaria menos no orçamento de uma família inglesa. “Porém, se formos comparar só preço, em dólar, os europeus estão pagando mais pelo petróleo e pela energia por conta da crise. Aqui estamos pagando menos por incentivo do governo e desoneração temporária de impostos. Temos uma gasolina mais barata em comparação com outros países. Alguns países, principalmente na Europa estão com uma gasolina muito cara, comparativamente em dólar, do que a gasolina brasileira.”
Paulo Duarte também afirma que o preço dos combustíveis praticado no Brasil, atualmente, é influenciado por medidas tomadas pelo governo. “Sem entrar em detalhes sobre os motivos, mas o governo cortou impostos e esse corte vai ser temporário. Até porque isso tem um peso grande no orçamento do governo e ele não consegue manter um corte dessa magnitude para sempre.”
“É óbvio que o presidente usa isso a favor dele porque é um número que favorece a economia brasileira”, diz Sobreira. Além dos incentivos fiscais, principalmente o ICMS, ele cita também o repasse por parte da Petrobras. “Tem também uma pressão que o próprio governo vem fazendo na Petrobras e nas distribuidoras de repassarem rapidamente as reduções do preço do petróleo para refinarias, postos e para o consumo interno.” “A guerra entre Rússia e Ucrânia também tem atrapalhado a União Europeia e acaba encarecendo todo tipo de energia no continente”, ressalta.
Vantagem relativa
Embora o valor nominal da gasolina em dólar esteja hoje mais baixo no Brasil em relação ao Reino Unido, a relativa vantagem desaparece quando se consideram os salários e os consumidores brasileiros têm que gastar um percentual maior da renda para abastecer os veículos. Levantamento da empresa GlobalPetrolPrices.com, em 12 de setembro, com 170 países, mostra o Brasil em 34º lugar no ranking de nações com o menor valor do litro de gasolina, enquanto o Reino Unido está em 156º. Em valores nominais, a gasolina no Brasil custava R$ 0,99, enquanto os ingleses desembolsavam R$ 1,959, mas quando se considera a capacidade de compra, as posições se invertem.
Considerando as cotações do real e da libra esterlina na data do levantamento, o menor salário pago no Brasil é de US$ 237,64 e no Reino Unido de US$ 1.778,40. Com isso, ao abastecer o veículo com 50 litros, o motorista brasileiro desembolsa US$ 49,50 e o inglês, US$ 97,95, mas no fim do mês, o gasto desse volume de combustível vai representar 5,5% do salário mínimo inglês, enquanto o brasileiro terá desembolsado 20,8% do menor valor pago no país. Ou seja, embora a gasolina seja mais barata no Brasil, o comprometimento da renda com o combustível é 3,7 vezes maior do que o inglês.
De acordo com o ranking da GlobalPetrolPrices.com, na média, o litro de gasolina é vendido a US$ 1,33, enquanto a gasolina mais barata é comercializada na Venezuela, com o litro do combustível valendo US$ 0,022 e a mais cara é encontrada em Hong Kong, onde o motorista gasta US$ 2,967. No ranking, a GlobalPetrolPrices.com observa que o levantamento considera dados oficiais e atualizados a partir de valores atualizados. Além disso, destaca que a grande diferença de preços entre os países se deve a diferentes impostos e subsídios impostos aos combustíveis. “Os países mais ricos têm preços mais altos, enquanto países pobres e produtores e exportadores têm preços consideravelmente mais baixos. Os Estados Unidos representam uma exceção”, diz texto que explica o ranking de valores da gasolina.
Petrobras reduz diesel em 5,8%
A Petrobras anunciou ontem a redução de 5,8% ou R$ 0,30 no preço do diesel vendido às distribuidoras. O valor cobrado passará de R$ 5,19 para R$ 4,89 por litro. A estatal também informou que os novos valores serão válidos a partir de hoje. Os preços dos demais combustíveis não sofrem alterações. A última alteração no preço do diesel ocorreu em 12 de agosto, quando caiu de R$ 5,41 para R$ 5,19 nas refinarias. O valor mais alto do combustível foi registrado em junho, a R$ 5,61.
De acordo com a estatal, a parcela da Petrobras no preço ao consumidor passará de R$ 4,67, em média, para R$ 4,40 a cada litro vendido na bomba. Esse cálculo leva em conta a mistura obrigatória de 90% do diesel A e 10% do biodiesel para a composição do diesel que chega aos postos de combustíveis.
Embora ainda registre acumulação de 146% de alta nos preços desde 2020, o preço do diesel começou a baixar na bomba. Pesquisa divulgada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na última semana mostra o valor médio do litro do diesel em R$ 6,84 — uma redução de 0,58% sobre a semana anterior.
Análise da notícia
Efeito limitado
Marcílio de Moraes
Ao fazer a comparação dos preços nominais da gasolina no Reino Unido e no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro não tem o compromisso com os critérios necessários para que a afirmação fosse feita da forma mais correta, considerando padrões de renda e custo de vida. O presidente tenta chamar para ele a redução dos preços dos combustíveis, mas a queda do valor nos postos foi feita por uma PEC aprovada no Congresso, às custas do cofre dos estados e beneficiando apenas os brasileiros que têm carros. Tem efeito limitado no índice de aprovação do governo. Para a população como um todo, chama mais a atenção as reduções do valor do óleo diesel, que impactam preços de tudo que é transportado em rodovias no Brasil.
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