A controversa participação de militares no processo eleitoral foi motivo de instabilidade entre o Executivo e o Judiciário. As Forças Armadas foram inseridas na fiscalização em setembro do ano passado, a convite do ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A presença já causou desavença entre os Poderes, mas, com a gestão do atual presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, as partes passaram a distensionar o ambiente.
Desde que assumiu o comando do TSE, Moraes tem feito reuniões institucionais, dialogando com os militares. O encontro com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, foi um dos primeiros da agenda como novo presidente do tribunal. A reunião simbolizou uma tentativa de reaproximação entre os Poderes.
Na semana passada, a Justiça Eleitoral acatou uma sugestão das Forças Armadas ao processo eleitoral para as urnas eletrônicas. A Corte incluiu a biometria e a presença de eleitores voluntários para o chamado teste de integridades das urnas eletrônicas. A medida vai ser implementada no pleito deste ano, sem prejuízo para o calendário eleitoral, segundo o TSE.
No evento de apresentação, Alexandre de Moraes afirmou que o projeto será implementado em 18 estados e no Distrito Federal, com 56 máquinas. Conforme o tribunal, essa amostragem representa 8,74% do total das 640 urnas que já tinham sido destinadas para os testes.
"Vamos verificar para ver se vale a pena instituir, ampliar isso para todas as sessões, ou se não há necessidade e se podemos manter o teste de integridade como ele já existe", disse o ministro, na cerimônia de apresentação.
A implementação foi acatada em votação relâmpago no plenário do TSE. Segundo as Forças Armadas, o objetivo é verificar se o voto depositado é o mesmo que a urna eletrônica registra. O tom é alinhado com o presidente Jair Bolsonaro (PL) — o principal patrocinador da presença dos militares no processo eleitoral.
Na avaliação do cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, a habilidade conciliadora de Moraes é positiva para o momento de polarização do país.
"Ele sabe negociar, foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, ministro da Justiça. Eu acho que ele entendeu que esse confronto não leva ninguém a lugar algum. Essa flexibilidade é inteligente, sem comprometer o modelo que está em curso e o que vai ser aplicado nas eleições e no pós-eleitoral. Nesse sentido, é mostrar capacidade de diálogo e não fechar portas", destacou.
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Por outro lado, toda cautela é necessária no momento de tensão política. No mesmo dia em que foi ventilada a possibilidade de as Forças Armadas fazerem uma espécie de checagem paralela da apuração dos votos no pleito, foi cancelada uma reunião que estava prevista entre Moraes e Paulo Sérgio Nogueira. O encontro não tem mais data definida para acontecer e, nos bastidores do tribunal, esse tema é tratado como "assunto encerrado".
Passado de mágoas
Tradicionalmente, os militares atuam nas eleições no apoio logístico e no transporte de urnas eletrônicas, pessoas e materiais para locais de difícil acesso. No entanto, desde que foram inseridos na Comissão de Transparência das Eleições (CTE), passaram a enviar sugestões para o pleito e questionar o sistema de votação.
O grupo é formado por diversas entidades com representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Congresso Nacional, Polícia Federal, universidades, entre outros. No entanto, o próprio Luís Roberto Barroso, que convidou as Forças Armadas, já criticou a interferência. Em abril, em evento virtual, promovido pela universidade alemã Hertie School, de Berlim, ele disse que os militares estão sendo orientados a desacreditar o processo eleitoral do Brasil.
Além do mal-estar com Barroso, Paulo Sérgio Nogueira chegou a solicitar reuniões durante a gestão do ministro Edson Fachin, mas não obteve resposta positiva do magistrado que, à época, alegou que o encontro poderia significar privilégio para os militares diante de outros integrantes da comissão fiscalizadora das eleições.
Para o analista político Melillo Dinis, a relação mudou após a chegada de Alexandre de Moraes e parte da cúpula das Forças Armadas. "Há duas possibilidades: a primeira, uma tática de vigilância mútua. A segunda, a validação pelo grupo de militares dos procedimentos de segurança da urna e de sua integridade, para evitar que as críticas não tenham o respaldo deles. Além disso, a sociedade civil estará de olho nos atores desse ambiente", observou o especialista.
Dinis destacou que é necessário respeitar os limites constitucionais. "No dia das eleições, o papel dos militares será o mesmo do passado: apoio logístico em regiões de maior dificuldade; atendimento aos pedidos de proteção feitos pela Justiça Eleitoral; e aceitar o resultado do sistema eleitoral com urna eletrônica, dentro do Marco Constitucional que todos devem obedecer, pois, no Brasil, o poder militar está submetido ao poder civil", disse.
Outro momento de tensão aconteceu quando o presidente Bolsonaro chegou a defender uma apuração paralela de votos pelos militares. O advogado constitucionalista Guilherme Amorim Campos da Silva destacou que a responsabilidade pelo processo eleitoral compete apenas à Justiça Eleitoral.
"Os anteriores convites para seus representantes apresentarem sugestões não os legitimam, em hipótese nenhuma, a questionarem abertamente a confiabilidade do processo eleitoral e o sistema das urnas eletrônicas. As Forças Armadas constituem instituição de Estado, e não de governo a serviço do presidente da República para politizar o debate", pontuou.
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