O comitê de campanha do presidente Jair Bolsonaro vai interferir no discurso que ele fará na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), na próxima terça-feira, dia 20. Às vésperas da eleição, a ideia é que Bolsonaro explore a economia e passe uma mensagem de chefe de Estado na principal arena da diplomacia internacional, sem deixar de acenar ao público interno do País.
O pronunciamento do presidente será revisado pelo marqueteiro Duda Lima e por Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Prepararam contribuições ao texto os ministros Paulo Guedes (Economia), Fábio Faria (Comunicações), Ciro Nogueira (Casa Civil) e Carlos França (Relações Exteriores).
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O foco do pronunciamento será a economia. Para se contrapor à inflação e aos estudos que mostram o avanço da fome no Brasil, Bolsonaro deve repetir números positivos mais recentes, como o crescimento do Produto Interno Bruto, a criação de vagas de emprego, a deflação nos últimos dois meses, com medidas para redução do custo de energia e combustíveis, e o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, que ele promete manter em 2023, se for reeleito.
A versão final do pronunciamento permanece em aberto. Assessores governamentais envolvidos na elaboração do texto dizem que a linha será decidida por Bolsonaro. Mas já esperam que o presidente exalte suas políticas de governo, em viés mais eleitoral do que de Estado.
"A separação é necessária, mas nem sempre é perfeita", ponderou o embaixador Paulino Franco, secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty. "Ele é chefe de Estado e de governo e candidato à reeleição. Ele separará as duas coisas, mas ao mesmo tempo não pode deixar de ser candidato."
Embora a Assembleia-Geral da ONU seja uma agenda de Estado, a coordenação da campanha de Bolsonaro quer que ele faça um aceno ao público interno. O presidente foi aconselhado a não fazer ataques diretos a potências como a China, mas deve se opor a regimes autoritários de esquerda.
Como um dos motes é a campanha é a "liberdade", a tendência é que o presidente se posicione em favor das liberdades individuais, de opinião e de imprensa, em que pesem os retrocessos no País, com o assassinato de jornalistas e perseguição e tentativa de intimidação por parte de seus apoiadores.
No Itamaraty, diplomatas tentam convencer Bolsonaro a seguir uma linha mais centrada do que nas passagens anteriores pela tribuna da ONU e a evitar exageros retóricos e questões ideológicas, algo que fracassou em suas últimas participações. No ano passado, como mostrou o Estadão Verifica, o presidente apresentou dados distorcidos em seu discurso na ONU. Ele mentiu sobre a dimensão dos atos governistas de 7 de setembro daquele ano e sobre atividades do BNDES no exterior. Bolsonaro ainda defendeu o chamado "tratamento precoce", um kit de medicamentos considerados inócuos contra a covid-19 por cientistas e autoridades médicas de diversos países.
Não está decidido se o presidente fará alguma menção ao processo eleitoral interno - depois fracassar na tentativa de aprovar o voto impresso, Bolsonaro envolveu instituições de Estado em campanha para desacreditar as urnas eletrônicas. Ele deixou o assunto de lado após propostas das Forças Armadas serem aceitas pela Justiça Eleitoral. E o tema não entrou no rascunho diplomático de sugestões ao presidente.
Os rascunhos do discurso reeditam o tom já empregado na propaganda eleitoral, que associa os percalços nos primeiros anos de governo à pandemia da covid-19 e à Guerra na Ucrânia.
Sem criticar diretamente a invasão russa, Bolsonaro vai dizer que o Brasil defende sempre a integridade territorial das nações e a busca de uma solução duradoura do conflito por meios diplomáticos. A arena adequada, do ponto de vista do governo brasileiro, seria o Conselho de Segurança da ONU - o País reivindica a reforma do órgão e um assento fixo no colegiado.
Ao citar a guerra, o presidente deve lembrar o acolhimento aos ucranianos refugiados no Brasil. Nesta sexta-feira, dia 16, ele prepara uma agenda com a comunidade ucraniana em radicada em Prudentópolis (PR).
Para responder às cobranças sobre a destruição de biomas como Amazônia e Pantanal, o presidente foi orientado a reforçar os compromissos assumidos na Cúpula do Clima (COP-26): o acordo para cortar as emissões globais de metano em 30% e a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Uma das linhas de argumentação será afirmar que o combate à mudança do clima é um dever coletivo e que há países com responsabilidade bem maior que o Brasil.
Bolsonaro deve reforçar a posição do País como celeiro do mundo, garantindo a segurança alimentar de bilhões de pessoas por meio das exportações do agronegócio e como gerador e fornecedor de energias renováveis. O presidente vai mencionar que os subsídios agrícolas distorcem a produção sustentável e que o País tem uma matriz energética limpa e está disposto a aumentar a oferta de energia ao mundo, no momento em que há aumento do uso de fontes mais poluentes, em decorrência da guerra.
Protestos
Bolsonaro vai abrir a sessão de debates da Assembleia-Geral da ONU, mantendo a tradição do Brasil, que sempre inaugura os trabalhos. Bolsonaro discursará por um período de 10 a 15 minutos. Falará ao mercado financeiro, à imprensa estrangeira e à comunidade internacional. Será o momento de tirar vantagem diante dos concorrentes, como ocorreu no 7 de Setembro, quando o candidato Bolsonaro monopolizou as atenções.
A campanha de Bolsonaro também acionou o alerta para a possibilidade de protestos contra ele em Nova York. O presidente e sua comitiva foram alvo de ativistas na cidade. A ideia é articular um encontro com a comunidade brasileira mais ligada às pautas do presidente para se contrapor a mobilizações de partidários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT. Em 2018, Bolsonaro obteve mais de 70% dos votos no exterior no segundo turno das eleições, inclusive em Nova York.
A agenda construída pelo Palácio do Planalto e pelo Itamaraty não prevê nenhuma agenda com chefes de Estado ou de governo das potências ocidentais. Os diplomatas prepararam quatro encontros bilaterais: com os presidentes da Polônia, Sérvia, Equador e Guatemala, além do secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Segundo o Itamaraty, a razão para não haver mais reuniões bilaterais é a permanência do presidente por pouco tempo nos Estados Unidos e a possibilidade de encontros em Londres, onde ele vai para o funeral da rainha Elizabeth II.
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