Eleições 2022

Candidaturas negras "não estão refletidas nos principais debates", diz Vera

Em entrevista ao Correio, a candidata avaliou que o maior número de candidatos negros é fruto da luta do movimento negro, mas criticou falta de visibilidade na corrida presidencial

Victor Correia
postado em 14/09/2022 06:00
 Na foto Vera Lucia, Candidata a Presidência da Republica pelo (PSTU) -  (crédito:  Ed Alves/CB)
Na foto Vera Lucia, Candidata a Presidência da Republica pelo (PSTU) - (crédito: Ed Alves/CB)

Em entrevista ao Correio, a candidata à Presidência da República Vera Lúcia (PSTU) criticou a ausência nos debates de medidas voltadas à população negra. Vera avalia que o aumento de candidaturas negras neste ano é fruto da luta do movimento negro, mas ressalta que "mesmo isso não está refletido nos principais debates do país", citando que não foi convidada para os debates presidenciais.

O Correio Braziliense ouviu outros candidatos à presidência. Leia mais neste link.

A candidata é a única mulher negra que disputa o Planalto e compõe chapa com a indígena Kunã Yporã (PSTU), também conhecida como Raquel Tremembé. A presidenciável ressalta que os problemas que assolam a população negra são "principalmente das condições de vida" e defende medidas como garantir um salário mínimo para todos os desempregados, dobrar o salário mínimo e combater a fome. 

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Quais propostas a sua candidatura traz em relação à população negra do Brasil?

A minha chapa é negra e indígena, porque a minha vice é indígena e também é da classe trabalhadora, ela é pedagoga. A pauta central de uma candidatura como a nossa, que expressa os setores mais oprimidos e explorados da sociedade, a carência é principalmente das condições de vida. Então, para resolver o problema da fome, que assola centralmente as mulheres negras, os negros e, em conjunto, os indígenas, isso tem a ver com o desemprego que é galopante no país. Então a primeira coisa é garantir um salário mínimo para todos os desempregados, todos, e dobrar também o salário mínimo. De onde viria esse dinheiro? A gente vai utilizar o dinheiro que hoje o governo sempre destina para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, que vai para cinco bancos, e dar para ele um novo destino.

Junto com isso, para resolver o problema da fome de forma permanente, é preciso a estatização das 100 maiores empresas do país. Dentro delas estão os bancos e também o agronegócio. Com essas empresas estatizadas, desde as terras, as indústrias de alimentos, e setores de distribuição de alimentos, cuja maioria está nas mãos de multinacionais, serão estatizados sob o comando dos trabalhadores que já trabalham nesses setores. E, juntamente com a população, planejar desde o cultivo à distribuição de alimentos no país inteiro. Toda a produção vai ser voltada a atender todas as necessidades de alimentação do povo brasileiro. E só se exporta daqui o excedente quando não faltar nada, absolutamente nada, na mesa de ninguém. E priorizando os países da América Latina e do Caribe.

Os bancos terão suas operações controladas, porque nós queremos estatizar e colocar sob o comando dos bancários. De posse dessas operações, pegar os recursos que forem necessários para um plano de obras públicas que, ao mesmo tempo que atenda as necessidades da classe trabalhadora, desde as mais sentidas, também gera emprego. Nós temos um problema grave de habitação no país, e saneamento básico para todos que precisam. O déficit é mais de 6 milhões de habitações. [Criaremos] Creches, lavanderias públicas para tirar as mulheres das tarefas domésticas, restaurantes públicos também. Daí você liberta as mulheres dessa tarefa contínua de cuidar da casa para ter mais tempo. Além disso, mais hospitais, escolas, laboratórios, indústria farmacêutica, todo o parque industrial que nós precisamos para o desenvolvimento de tecnologia, para estudo, pesquisa.

Ou seja, é um plano arrojado que, ao mesmo tempo que supre as necessidades humanas de quem vive aqui nesse país, resolve o desemprego. A nossa meta é chegar ao pleno emprego. Além disso, reduzir a jornada de trabalho para seis horas diárias. Com isso você abre muito mais vagas no mercado. É um plano que atende as necessidades principalmente da população negra e das mulheres negras que são as mais afetadas com o desemprego, com o arrocho dos salários, os achatamentos salariais, e também as piores condições de vida que é a fome e os problemas de moradia. Então essas coisas básicas serão solucionadas e também investiremos em educação e saúde pública. Junto com isso, uma campanha permanente de reeducação da sociedade, a luta contra o machismo, incentivar a reação contra o machismo, a luta implacável contra o machismo, contra o racismo, contra a LGBTfobia e contra a xenofobia. Estabelecer que as diferenças existentes na sociedade, entre seres humanos, sejam tratadas apenas como diferenças e não como desigualdades como é hoje no sistema capitalista e, no governo Bolsonaro, amplamente impulsionada. Além disso, assegurar que toda decisão seja tomada coletivamente através dos conselhos populares. Inclusive as relações também devem ser estabelecidas entre as pessoas através da discussão nesses conselhos populares.

O debate sobre a população negra está presente nas eleições presidenciais deste ano?

Primeiro que os dois negros candidatos disputando as eleições estão ausentes dos debates. A nossa candidatura é de duas mulheres que vêm dos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora brasileira, que expressam uma realidade que é comum à imensa população brasileira mas está ausente, por exemplo, de toda a grade da programação eleitoral. Está ausente dos debates. Está ausente das sabatinas. E isso impede que esse debate seja colocado na ordem do dia. E mesmo a questão da mulher está sendo colocada sob a ótica de duas mulheres brancas, burguesas, porque são duas mulheres ricas, que vieram dos setores mais conservadores do ponto de vista das relações humanas mas também representam setores muito mais reacionários como o próprio agronegócio. Nos debates não está colocada, por exemplo, a questão da mulher pobre, da classe trabalhadora, onde o machismo e o racismo se apresentam de uma forma distinta da forma como se apresenta para mulheres brancas e ricas. Pelo fato de sermos negros, de sermos pobres nesse país, nós amargamos os piores índices sociais. A mulher negra é maioria em todos os índices de desgraça neste país. É a maioria que passa fome, é a maioria desempregada, que recebe os piores salários, que mora nos piores lugares, das vítimas de feminicídio.

Por outro lado, o debate do racismo não entra porque são todos brancos. No debate que teve, os problemas que mais assolam a sociedade brasileira que são os negros e os indígenas ficaram ausentes do debate. Porque esses setores não refletem a realidade que é a nossa. Consequentemente, os programas desses candidatos não respondem às necessidades dos negros e negras, e nem das mulheres da classe trabalhadora. Por conta disso nós precisamos, para além de agora nas eleições, denunciar a falta de democracia nas eleições. Tanto por parte da legislação eleitoral, que tira daí os partidos dos setores mais empobrecidos - que não por acaso são os partidos que não têm representação no Congresso Nacional - e a outra é que os meios de comunicação fazem coro com essa legislação. Nenhum veículo de comunicação está proibido de chamar todos os candidatos para fazer os debates políticos, fazer as sabatinas. Mas eles optam por isso. E os veículos de comunicação, que deveriam ser o impulsionador para que toda a sociedade conheça todos os candidatos termina sendo antidemocráticos também quando impedem que a classe trabalhadora, todo tenham conhecimento de todos os programas de todos os candidatos, e daqueles trabalhadores que são negros, que são mulheres, da classe trabalhadora, e que são oprimidos e explorados por essa mesma sociedade. Ao escolher, estão condicionando a sociedade a votar nos candidatos que eles já escolheram, que são aqueles candidatos das grandes máquinas eleitorais, que são ligados aos grandes capitalistas nacionais e internacionais. Que estão envolvidos e têm relações diretamente com os bancos, com o agronegócio, com as grandes indústrias, com as grandes mineradoras, com os grandes meios comerciais.

Temos, pela primeira vez, um número de candidaturas negras maior do que o de brancos nas eleições, chegando a 50% dos candidatos. Como você avalia esse aumento?

Esse aumento eu diria que é resultado de uma luta que tem sido travada pelos próprios movimentos negros, assim como pelos movimentos de mulheres, da luta contra o racismo, assim como é a luta contra o machismo e contra a LGBTfobia. Tanto é que, mesmo que muito pequenos, já se encontram candidaturas de trans e pessoas homoafetivas. Mas olhe, qual é a questão? Mesmo isso não está refletido nos principais debates do país. Porque nós somos candidatos a presidente desse país, porque só tem 12 candidatos [são 10 já aprovados pelo TSE, um ainda em julgamento. Eram 12, dois foram cancelados] , e não aparecemos. As pessoas não veem, e isso dificulta muito, por exemplo, que as pessoas conheçam a gente, mas mais do que isso, conheçam o programa que a gente tem para solucionar problemas que são nossos.

Consequentemente, a gente se enfrenta com esses setores, de maioria branca, de homens e de mulheres, que são quem se beneficia, inclusive, da forma como o sistema capitalista se organiza, produz e distribui a riqueza, e que está refletida nas principais candidaturas desse país. Ou seja, os problemas que nós vivenciamos não vão ser resolvidos caso eles sejam eleitos. Nosso programa é completamente distinto, e nós dizemos de onde vamos tirar o dinheiro. Vamos tirar dos 315 bilionários desse país, dos mais ricos, para garantir o atendimento das necessidades da ampla maioria da população e, fora das 100 maiores empresas têm outras empresas grandes que continuam privadas que vão ter que pagar muito imposto nesse país e que não pagam. É completamente oposto a essas candidaturas que estão sendo apresentadas que são de brancos, que são de ricos, e de mulheres brancas e muito ricas também.

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