Incitação ao crime, golpe de Estado, formação de organização criminosa e risco de atentado à democracia.
Esses foram alguns dos possíveis crimes elencados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na decisão que autorizou uma operação de busca e apreensão em endereços ligados a oito empresários na semana passada. A íntegra da decisão foi divulgada nesta segunda-feira (29/8).
Na terça-feira passada (23/8), empresários que são contrários ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alvo da Polícia Federal depois que reportagens publicadas no portal Metrópoles mostraram que alguns deles afirmavam preferir um golpe de Estado a um terceiro mandato de Lula.
Além de terem seus telefones apreendidos, os empresários tiveram suas redes sociais bloqueadas e foram alvo de quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático (e-mails).
As reportagens tiveram como base mensagens trocadas pelos empresários em um grupo de WhatsApp. O petista lidera as principais pesquisas de intenção de voto, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição.
Os empresários investigados são: Luciano Hang (das lojas Havan), José Koury (do Barra World), Afrânio Bandeira (da rede de restaurantes Coco Bambu), Marco Aurélio Raymundo (da marca de roupas Mormaii), André Tissot (do grupo Sierra Móveis), Meyer Nigri (da construtora Tecnisa), José Isaac Péres (da rede de shoppings Multiplan) e Ivan Wrobel (da construtora W3 Engenharia).
Os empresários vêm negando seus envolvimentos com a organização de "golpe" ou outros atos antidemocráticos.
A decisão de Alexandre de Moraes foi tomada em resposta a um pedido feito pela Polícia Federal, que investiga a conduta dos empresários.
Nos últimos dias, porém, o ministro vinha sendo alvo de críticas por conta da operação. Na semana passada, por exemplo, Bolsonaro classificou a operação como uma "escalada contra a liberdade".
"Espero que o ministro Alexandre de Moraes apresente a fundamentação sobre essa operação [contra os empresários] o mais rápido possível. A escalada contra a liberdade tem se avolumado em cima desses empresários", disse o presidente.
Em sua decisão, o ministro aponta cinco supostos crimes mencionados pela PF e que precisam ser investigados: incitação ao crime, associação criminosa (quando três ou mais pessoas se unem para praticar crimes), golpe de Estado, abolição violenta do estado democrático de direito e organização criminosa (compor, promover ou financiar organizações criminosas).
Os crimes podem levar a penas que podem ir a doze anos de prisão.
Confira as principais razões que levaram Alexandre de Moraes a autorizar a operação:
Saiba Mais
Potencial financiamento de ataques à instituições democráticas
De acordo com a decisão, os fatos noticiados pelo portal Metrópoles teriam relação com fatos investigados em inquéritos em curso no STF como o que apura a organização de atos antidemocráticos.
O inquérito é relatado por Alexandre de Moraes e investiga uma rede formada por empresários, políticos e influenciadores digitais que atuaria de forma a financiar e realizar ataques a autoridades e instituições democráticas.
"As condutas noticiadas nestes autos e identificadas pela Polícia Federal estão abarcadas pelo objeto do referido inquérito, notadamente pela grande capacidade socioeconômica do grupo investigado, a revelar o potencial de financiamento de atividades digitais ilícitas e incitação à prática de atos antidemocráticos", diz um trecho da decisão.
"Não há dúvidas de que as condutas dos investigados indicam possibilidade de atentados contra a Democracia e o Estado de Direito, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia", disse o ministro na decisão.
Suposta tentativa de influenciar votos
Outro ponto destacado na decisão é a suposta tentativa de influenciar o voto de funcionários de empresas de integrantes do grupo. A suspeita parte de uma mensagem enviada pelo empresário José Koury.
"Alguém aqui no grupo deu uma ótima ideia, mas temos que ver se não é proibido. Dar um bônus em dinheiro ou um prêmio legal pra todos os funcionários das nossas empresas", diz a postagem.
"Quanto ao ponto, cumpre ressaltar que a autoridade policial apontou que um dos investigados, José Koury, publicou mensagem em que busca meio de tentar influenciar os votos de seus funcionários", diz outro trecho da decisão.
Risco de continuidade dos supostos crimes investigados
O ministro também citou o risco de continuidade dos supostos crimes investigados ao justificar o bloqueio de contas bancárias e de redes sociais.
Alguns dos empresários investigados têm milhares de seguidores em redes sociais. No Twitter, Luciano Hang tinha mais de 835 mil seguidores até sua conta ser bloqueada.
"Em virtude da presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político [...] com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito", disse o ministro na decisão.
De acordo com Alexandre de Moraes, a PF entendeu que a mensagem indica que o empresário buscava influenciar os votos de seus funcionários.
Empresários negam envolvimento em crimes
Procurados na semana passada, os empresários negaram participar de irregularidades.
José Koury
"Tenho 64 anos, trabalho pelo menos 12 horas por dia, desde os 16 anos de idade, e sempre fui defensor da democracia e da livre liberdade de expressão e de pensamento. No grupo estão reunidos empresários e executivos que geram milhares de empregos, homens de bem, que têm família, pagam impostos e batalham muito para tornar o Brasil cada dia melhor. Aquele que for eleito, seja de que partido for, terá nosso apoio integral", disse o empresário.
Luciano Hang
"Que eu saiba, no Brasil, ainda não existe crime de pensamento e opinião. Em minhas mensagens em um grupo fechado de WhatsApp está claro que eu nunca, em momento algum falei sobre Golpe ou sobre STF", afirmou Hang.
Em nota enviada por sua assessoria após a divulgação da decisão do ministro, Luciano Hang disse que a manifestação de Alexandre de Moraes não aponta quais seriam os atos ilegais supostamente praticados por ele. "Eu e meus advogados tomamos conhecimento da decisão do Ministro Alexandre de Moraes pela imprensa, já que não foi nos dado acesso aos autos do processo. A decisão nada traz de novo e em nada nos surpreende, ela sequer indica quais seriam as minhas mensagens que constituiriam um ato antidemocrático", diz um trecho da nota.
Afrânio Barreira
"Estou absolutamente tranquilo, pois não posso ser acusado por participar de um grupo de Whattsup (sic). Não há uma única frase de minha autoria sobre esse assunto", diz um trecho da nota.
José Isaac Péres
A assessoria de imprensa da Multiplan, da qual é um dos sócios, infirmou que não haveria manifestação sobre o assunto.
Ivan Wrobel
"Descendente de família polonesa judia, o Sr. Ivan sempre soube o perigo que ditaduras podem causar. Cumpre ressaltar em 1968, quando aluno do IME, foi convidado a se retirar da instituição por ter se manifestado contrário ao AI-5. Foi convivendo e defendendo a democracia que o Sr. Ivan traçou toda sua vida, tanto familiar como profissional", disse um trecho de uma nota enviada pela assessoria do empresário.
André Tissot
Sua assessorial de imprensa informou que não haveria manifestação sobre o assunto.
Marco Aurélio Raymundo
A assessoria de imprensa do empresário informou que ele se colocou à disposição das autoridades.
Meyer Nigri
Procurada, a Tecnisa disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que a empresa é "apartidária" e que "defende valores democráticos".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62719415