As candidaturas coletivas são uma ferramenta que vêm ganhando força nas últimas eleições. Na disputa para o Legislativo deste ano já foram lançados coletivos para disputar vagas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O modelo, porém, não é regulamentado e não existem do ponto de vista legal. Especialistas em direito eleitoral e candidatos defendem sua regulamentação.
Segundo levantamento feito pela Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos, entre 2018 e 2020, foram registradas 28 candidaturas coletivas eleitas em todo o país, sendo duas delas para as assembleias legislativas de Pernambuco e São Paulo, e as outras 26 para câmaras municipais.
No total, nas eleições de 2020, 250 coletivos foram lançados para disputar o cargo de vereador. Os mandatos coletivos em vigor hoje estão distribuídos entre nove partidos: PSol, PT, PCdoB, PV, PSB, Rede, PDT, Cidadania e Avante.
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Estratégia para aumentar representatividade
O mecanismo é visto como uma forma de eleger candidatos que, de outra forma, não conseguiriam chegar ao Legislativo. Um dos principais entraves para as campanhas é o custo. O estudo “Quanto Custa Ganhar uma Eleição?”, divulgado em março deste ano pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), avalia que o valor médio das campanhas vitoriosas ao Senado Federal é de R$ 2,1 milhões, de R$ 1,3 milhão para a Câmara dos Deputados e de R$ 373 mil para as assembleias legislativas estaduais.
A modalidade de candidatura também é vista como uma forma de ampliar a participação de seus membros junto às instituições e ao próprio eleitorado. “Uma candidatura coletiva composta por mais de um membro, além de seu programa, tem a capacidade de ter mais capilaridade para acompanhar e mobilizar a sociedade, trazendo agilidade à gestão”, disse, ao Correio, Marcos Vieira, pré-candidato à Câmara dos Deputados pelo coletivo Bancada Anticapitalista, composta ainda por Karen Rezende, Deborah Lorenzo e Renato Assad.
“Ela permite, por exemplo, que seus membros possam se dividir para acompanhar de perto processos e atuar em frentes específicas, como no caso das pautas de gênero e raciais, por exemplo. Esse formato impede, de certa forma, prestigismo político ao não estarem centradas na figura de um único representante”, conta ainda Marcos.
Outro benefício do modelo é contornar a obrigatoriedade de filiação partidária para ocupar cargos no Legislativo. Embora o registro oficial da candidatura precise estar ligado a um partido, os demais membros do coletivo podem representar movimentos apartidários. Por ser uma alternativa ao modelo político tradicional, a candidatura coletiva é utilizada em sua grande maioria por movimentos de esquerda.
Os dois mandatos coletivos em vigor, atualmente em assembleias legislativas, são o coletivo Juntas Codeputadas, em Pernambuco, e o Mandata Ativista, em São Paulo. Ambos são registrados pelo PSol e foram eleitos em 2018. “(As candidaturas coletivas) São tentativas de viabilizar a participação popular e expandir o conceito de representação política, tudo o que os partidos hegemônicos querem evitar”, avalia Marcos.
Falta regulamentação para o modelo
A grande questão das candidaturas e mandatos coletivos é que, juridicamente, eles não existem. “A falta de regulamentação impõe algumas questões. No material de campanha podem sair todos ou só o candidato registrado? No horário eleitoral gratuito podem sair todos ou só o registrado?”, observa o especialista em Direito Internacional, Constitucional e Eleitoral Acacio Miranda da Silva Filho. “São todos aspectos a serem discutidos, a serem superados, uma vez que as candidaturas coletivas são realidade”.
Neste ano, a novidade é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou, ao atualizar a Resolução nº 23.609 em dezembro do ano passado — que rege a escolha e o registro de candidaturas para as eleições — a menção do nome da candidatura coletiva nas urnas, junto com o do membro oficialmente registrado como candidato.
Durante a sessão que deliberou sobre o tema, o ministro Edson Fachin declarou que "a chamada candidatura coletiva representa apenas um formato da promoção da candidatura que permite à pessoa destacar seu engajamento social e coletivo". Por sua vez, o ministro Carlos Horbach ressaltou que esse modelo de candidatura não existe do ponto de vista jurídico.
Para Acacio, a falta de regulamentação sobre esse modelo é prejudicial não apenas para os candidatos, mas para os próprios eleitores. As candidaturas coletivas geralmente reúnem pessoas que representam pautas diversas. Se uma parte do eleitorado, por exemplo, votou em um dos membros de um coletivo que defende o tema dos direitos da mulher, e esse membro deixa o coletivo após as eleições, isso prejudica aquela parcela dos votantes e a deixa sem representatividade no Legislativo.
“É o grande ponto problemático. Todos os que integram o mandato serão meros funcionários daquele que foi registrado na Justiça Eleitoral. Não há nenhum instrumento jurídico que os vincule no período de quatro anos, como ocorre com as federações agora, que precisam ser mantidas por quatro anos”, conta Acacio Miranda.
“A regulamentação, além de tirar um ‘olhar de marginalidade’ sobre candidaturas coletivas, pode fomentar mais candidaturas”, avalia Marcos Vieira. Ele aponta que há uma tentativa de regulamentação tramitando no Congresso Nacional desde 2017: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 379/2017, de autoria da deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP).
O texto altera o artigo 14 da Constituição para que os mandatos do Legislativo possam ser “individuais ou coletivos, na forma da lei”. A proposta, porém, está parada na Constituição de Justiça e Cidadania da Câmara desde 2019.
“Uma das tarefas (da candidatura) é pressionar sua discussão e tramitação, com o cuidado que essa regulamentação não retire o caráter progressivo desse modelo que, por seu caráter coletivo, horizontalizado e dinâmico, possibilita um maior engajamento e estimula uma maior participação da sociedade na política institucional, principalmente num contexto de crescimento dos movimentos sociais”, conta Marcos.
Acacio também avalia a regulamentação dos mandatos coletivos como positiva. “Acho que a nossa sociedade é dinâmica, e nada mais natural que a representatividade também seja dinâmica. Já que (os mandatos coletivos) já são uma realidade, nada mais natural e aceitável do que regulamentar”.