Penúltimo presidenciável a participar da série de sabatinas promovida pelo Jornal Nacional, da TV Globo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizou a entrevista desta quinta-feira (25/8) para responder a questionamentos que fortalecem a oposição a ele e ao Partido dos Trabalhadores, como corrupção e apoio a regimes ditatoriais.
Nos 40 minutos de entrevista, o candidato admitiu a existência de corrupção na Petrobras, afirmou ser defensor de denúncias à corrupção e do livre agir das instituições de controle, afirmou que indicará pessoas técnicas e ilibadas para os postos públicos, fez críticas ao governo da aliada Dilma Rousseff e rebateu afirmações de que apoia ditaduras de outros países.
Com um começo tímido, Lula estava rouco ao começar a responder a primeira pergunta que versava sobre corrupção, um dos temas que foram mais solicitados nas redes sociais, inclusive pelo ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que disse “ter experiência” para questioná-lo sobre o assunto.
William Bonner comentou que, apesar de Lula não “dever nada à Justiça” após o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar Moro parcial e anular os casos em que foi condenado pelo ex-juiz de Curitiba, “houve corrupção na Petrobras”. “Segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos como o PT, MDB e PP. Como o senhor planeja evitar que isso aconteça novamente?”, questionou o jornalista.
Lula agradeceu a oportunidade por falar e afirmou que “durante cinco anos fui massacrado e estou tendo hoje a primeira oportunidade de falar abertamente ao vivo com o povo brasileiro”. O ex-presidente elencou as medidas do governo dele de combate à corrupção, como a criação do “Portal da Transparência, das leis de Acesso à Informação, contra o crime organizado, contra a lavagem de dinheiro e a AGU contra a corrupção”.
O candidato também abordou o Mensalão. “Em 2005, quando surgiu a questão do Mensalão. Só existe uma possibilidade de alguém não ser investigado no país: é não cometer erros. Se cometer, será investigado. Foi isso que fizemos. Se alguém comete erro ou delito, investiga-se, apura, julga, condena ou absolve, e está resolvido o problema”, pontuou.
Lula disse não ter nenhuma hipótese de alguém cometer um crime no governo dele e não ser investigado. Mais à frente na sabatina, o ex-presidente afirmou que “uma imprensa livre e uma Justiça eficaz” são importantes para o combate à corrupção. O candidato também afirmou que não era possível falar “que não houve corrupção, se as pessoas confessaram”.
No entanto, criticou a maneira com que o Ministério Público Federal (MPF) manejou os casos de corrupção no governo dele. “O que é mais grave é que as pessoas confessarem e por isso ficaram ricos por conta de confessarem. Ou seja, foi uma espécie de delação premiada, você não só ganhava liberdade por falar o que queria o Ministério Público, como também ficava com parte do que você roubou. O roubo foi oficializado pelo Ministério Público, o que acho uma insanidade e uma aberração do país”, disse.
O candidato também criticou o presidente Jair Bolsonaro (PL) a comparar os governos dele, no qual “permitiu ser investigado independentemente de quem fosse”, e do chefe do Executivo. “Eu poderia fazer um decreto de 100 anos de sigilo, sabe o que tá na moda agora? Decreto para Pazuello, meus filhos, decreto para os meus assessores, ou poderia não investigar. E nada vai ser apurado e não vai ter corrupção. A corrupção só aparece se você governa de forma republicana e permite a investigação independente de quem seja”, criticou.
O ex-presidente não quis responder sobre como faria a troca do procurador-geral da República, caso fosse eleito. O mandato de Augusto Aras encerra em 2023 e Lula tem evitado falar se seguirá a lista tríplice. Ele afirma que não diz “para ficar com pulguinha atrás da orelha”, mas garante que escolherá uma pessoa ‘“ilibada” e que “não quer amigos” em nenhum posto.
Lula também garantiu que pode diminuir a inflação e criar novos empregos, sempre com foco na política social, a qual classifica como receita de sucesso de países ricos. Veja abaixo os sete pontos abordados na entrevista:
1) Críticas à Lava-Jato e planos anticorrupção
O petista aproveitou a fala de Bonner sobre o cancelamento das condenações feitas pelo ex-juiz Sérgio Moro para criticar a Operação Lava-Jato. “O equívoco da Lava-Jato é que ela enveredou por um caminho político delicado. Ela ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política e o objetivo era Lula”, declarou.
O candidato afirmou que o habeas corpus que o levou à inocência judicial foi feito ao STF antes de mensagens obtidas por um hacker mostrarem diálogos nos quais Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol trocavam provas e estratégias sobre o caso.
Lula ainda afirmou que em um novo governo dele, qualquer crime, “por menor que seja”, será julgado e, se for comprovado, será condenado e a pessoa cumprirá a sentença. Ele também afirmou que seguirá a mesma linha do último governo.
“Eu poderia ter escolhido um procurador engavetador. Sabe aquele amigo que você escolhe que nenhum processo vai para a frente? Eu poderia ter feito isso, não fiz. Eu escolhi da lista tríplice. Eu poderia ter impedido que a Polícia Federal tivesse um delegado, que eu pudesse controlá-lo. Não fiz. E permiti que efetivamente as coisas acontecessem do jeito que precisavam acontecer”, disse.
2) Lista tríplice e interferência na Polícia Federal
Sobre a escolha do Procurador-Geral da República, que será feita em 2023, quando se dá o fim do mandato de Augusto Aras, Lula foi questionado por Renata Vasconcellos se irá escolher um nome da lista tríplice e por que não responde sobre qual atitude irá tomar.
“Porque eu quero que ele fique com a pulguinha atrás da orelha. Não quero definir agora, não antes das eleições. Esse negócio da gente prometer as coisas antes da gente ganhar, a gente comete um erro. Uma das queixas que eu tenho da Lava-Jato é que eles quase jogam o nome do MP na lama, porque houve muitos equívocos e aberrações”, disse.
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Ele ainda afirma que a pessoa será de caráter ilibado, com características alinhadas com o Ministério Público Federal. “Não quero que o procurador seja leal a mim, ele tem que ser leal ao povo brasileiro, à Constituição. Pode ter certeza que se eu ganhar as eleições, antes da posse, vou ter várias reuniões. Eu quero uma pessoa séria, responsável”, pontuou.
“Eu indiquei ao MP o procurador-geral que estava julgando o (Antônio) Palocci e eu indiquei ele porque eu não quero amigo em nenhuma constituição, eu quero pessoas competentes, ilibadas, republicanas e que pensem no povo brasileiro”, acrescentou.
O candidato ainda criticou as trocas de comando feitas por Bolsonaro na Polícia Federal (PF). “Teve muitas interferências. Bolsonaro troca qualquer diretor, basta que ele não goste. Eu nunca fiz isso e nunca vou fazer. Para mim, a seriedade das instituições é o que vai garantir o exercício da democracia desse país. Pode estar certa que as coisas vão ser da forma mais certa possível”, garante.
3) Críticas ao governo Dilma e planos para a economia
Questionado sobre como pretende recuperar o equilíbrio das contas, Lula disse que quando se tornou presidente pela primeira vez, em 2003, “o Brasil estava quebrado”. “ O país quebrou duas vezes no governo FHC. Tinham duas pessoas do FMI que vinham investigar o Brasil todo dia. Quando tomei posse, o Brasil tinha 10,5% de inflação, 12% de desemprego”, lembrou.
“Primeiro, reduzimos a inflação; segundo, reduzimos de 64% para 39% a dívida pública; fizemos uma reserva de bilhões de dólares. Além de instituirmos a maior política de inclusão social do país”, acrescentou.
Questionado se usaria a receita do governo dele, que gerou resultados positivos para a economia, ou a receita seguida pela ex-presidente Dilma Rousseff, que instalou “uma instabilidade econômica”, Lula afirmou que a aliada disse que “se perguntassem do meu governo era para não responder, falem para me convidar para que eu responda”.
No entanto, o petista elogiou os feitos da aliada, mas pontuou o que considera erros da gestão. “Eu acho que a Dilma cometeu equívoco na questão da gasolina, ela sabe que eu acho isso. Eu acho cometeram equívoco, quando fizeram R$ 540 bilhões de desoneração e isenção fiscal”, declarou.
Lula afirmou que, quando a aliada tentou ajustar os erros, “tinha uma dupla dinâmica contra ela”. ”Eduardo (Cunha), na Câmara, e Aécio (Neves) no Senado, trabalharam contra ela, o tempo todo”, disse.
O candidato ainda afirmou que ele fará a gestão dele. “Quando você deixa o governo, quem ganha vai governar do jeito que quiser, quem tá fora não vai mandar. Eu vou voltar a governar esse país, se o povo assim permitir, pra fazer as coisas melhor do que eu fiz”, disse.
4) Centrão não será protagonista no Congresso Nacional
Sobre o relacionamento com o Centrão, o grupo político que representa a união da maior parte dos parlamentares do Congresso Nacional e apontado como responsáveis por ter um tráfico político na gestão atual e em outros governos, Lula afirma que não negociará com eles.
“Quem ganhar as eleições vai ter que conversar com o Congresso Nacional, não com o Centrão, porque ele não é partido político. Tem que conversar com cada partido. A vida política vivida em regime democrático é conversada”, afirmou.
Ao ser questionado sobre o que faria para evitar o uso de “uma moeda de troca” como o orçamento secreto, Lula afirma que o esquema de negociação de emendas parlamentares por troca política é “uma usurpação do poder”.
“Bolsonaro não cuida nem do orçamento! Quem cuida é o Arthur Lira. Tem que acabar com essa história de semi-presidencialismo, semi-parlamentarismo. Bolsonaro parece um bobo da corte. Vamos sim, conversar com os parlamentares, mas não com essa relação”, declarou.
5) Aliança com Alckmin, polarização e apoio da base do PT
Lula rejeitou a fala de Bonner sobre uma parte da ala do PT não ter abraçado Geraldo Alckimin, ex-adversário de Lula e agora vice na chapa para a Presidência.
“Nós não estamos vivendo no mesmo mundo. Você tem que ver que sujeito esperto e habilidoso. Quando ele foi apresentado como vice, ele foi aplaudido de pé. O Alckimin já foi aceito pelo PT de corpo e alma. É uma pessoa que vai me ajudar, tenho 100% de confiança, experiência de governador de São Paulo, vai me ajudar a consertar o país. Esse país tem que voltar a crescer, a gerar emprego, a comer um churrasquinho”, declarou.
O ex-presidente ainda afirmou que a “polarização boa” era quando os adversários políticos eram PT e PSDB. “Feliz era o Brasil e a democracia brasileira cuja polarização desse país era PT e PSDB. A gente era adversário político, trocava farpa, mas se encontrava em restaurante não tinha problema em tomar uma cerveja”, pontuou.
“De vez em quando a gente precisa estar junto com os divergentes para vencer os antagônicos e precisamos estar juntos para vencer o fascismo de extrema-direita”, acrescentou.
6) Apoio do agronegócio e MST
Para Lula, a rejeição entre empresários do agronegócio é causada pelas políticas de preservação ao meio ambiente e contra o desmatamento. “Tem muitos produtores que querem produzir, com cuidado, na lei, mas tem um monte que querem desmatar. O que precisamos é explorar corretamente e cientificamente a biodiversidade da Amazônia para extrair o melhor”, declarou.
O ex-presidente também refutou uma possível relação de medo com o Movimento Sem Terra e afirmou que os pequenos produtores, no governo dele, viverão pacificamente com os grandes produtores. “O MST é o maior produtor de arroz orgânico do brasil, tem várias cooperativas. O MST de 30 anos atrás não existe mais. O pequeno e o grande produtores rurais têm que viver em harmonia. É extremamente importante a convivência pacífica dessa gente”, declarou.
7) Ditaduras na América Latina e política internacional
Sobre a polêmica de apoiar ditaduras, Lula afirmou que “como um democrata”, respeita a soberania dos países. “Cada país cuida do seu nariz. Em 2003, eu tinha apenas um mês de governo, eu criei um grupo de amigos junto com os EUA e a Espanha para resolver as pendengas entre a Venezuela e a Colômbia”, disse.
Ele também afirmou que é contrário a permanência de um mesmo líder político no poder durante mais do que oito anos. “Eu sou favorável à alternância de poder. É uma coisa importante. Por isso estou muito tranquilo com minha relação internacional. Se eu ganhar eleições, você vai ver a enxurrada de amigos que visitará o país, porque o Brasil terá ótima relação internacional”, disse.