JUSTIÇA

Justiça condena Hang a indenizar padre Julio Lancellotti por danos morais

Em maio, Hang respondeu a uma notícia sobre o religioso, criticando o trabalho dele de auxílio a pessoas em situação de rua e de defesa de minorias. "Quem defende bandido, bandido é", disse o empresário

O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, em primeira instância, o empresário e dono das Lojas Havan, Luciano Hang, a pagar R$ 8 mil ao padre Julio Lancellotti por danos morais. A ação foi movida pelo religioso após mensagens ofensivas contra ele, enviadas pelo dono das Lojas Havan a um grupo do Whatsapp com outros empresários, vieram à tona em maio deste ano.

Hang tem 10 dias para entrar com recurso contra a decisão, proferida pela juíza Eliana Adorno de Toledo Tavares. As mensagens enviadas pelo empresário respondiam uma notícia publicada no grupo com o título “Na São Paulo gélida, um padre e a (verdadeira) mão de Deus”, em referência ao padre Julio Lancellotti, que se dedica a auxiliar pessoas em situação de rua.

O aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) respondeu à notícia criticando o trabalho do religioso e o associando ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É a turma do Lula. Hipocrisia pura. Temos que ensinar a pescar, e não dar o peixe. Cada dia que passa é mais malandro vivendo nas costas de quem trabalha. Quem defende bandido, bandido é”, disse.

A Igreja Católica também foi criticada. “A Igreja Católica é cúmplice das mazelas do PT. Foram os fiadores de tudo o que aconteceu. Não podemos generalizar, mas ajudaram bastante o PT a chegar ao poder”, disse.

Nesta terça-feira (23/8), Hang foi alvo de uma operação da Polícia Federal após outras trocas de mensagens vierem à tona — neste caso considerado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como perigosa à democracia.

Nas conversas entre ele e outros empresários, o grupo fala sobre um suposto golpe caso Bolsonaro não saia vitorioso do pleito de outubro. Ele negou a intenção de golpe e diz que “prego a democracia e a liberdade de pensamento e expressão”.

Defesa alegou “ilicitude da prova”

Na sentença, a magistrada recusou a defesa de Hang, que sustentava que os prints das mensagens vazadas foram obtidas de maneira ilícita, sem consentimento dele, e que, por isso, não poderia ser prova no processo.

Eliana reconheceu os direitos de Hang quanto à privacidade, mas afirmou que tais vantagens judiciais o empresário só tem acima do divulgador da mensagem — um dos participantes do grupo —, que enviou as imagens para sites jornalísticos.

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"Não há que se falar em ilicitude da prova produzida pelo autor, ressaltando-se que não se alega adulteração do conteúdo. O réu não nega especificamente ter enviado as mensagens, tampouco, como já dito, seu conteúdo", ressaltou a juíza.

Elena disse que, das mensagens, algumas constituem "crítica, ainda que ácida" ao trabalho de Júlio e à Igreja Católica, mas não tem destinatário "determinado", e por isso não podem entrar na sentença.

No entanto, “a afirmação ‘quem defende bandido, bandido é’ constitui claro abuso ao exercício da liberdade de expressão, atingindo a honra do autor”.

Valor baixo? Juíza justifica indenização pequena

Com fortuna de US$ 4,8 bilhões, segundo a revista Forbes, a sentença de R$ 8 mil parece não ser apropriada, já que os juízes sempre analisam "as condições financeiras das partes refletidas pelas ocupações declaradas e de conhecimento público".

No entanto, a juíza afirma que a indenização "sirva de conforto a quem é ofendido, sem implicar em seu enriquecimento indevido". A multa também objetiva o incentivo "a alteração da conduta de quem ofende, sem redundar em sua bancarrota".

Neste caso, Elena ainda afirmou que a indenização não deveria "fomentar a desavença". Outro ponto que justifica um valor considerado baixo para a fortuna de Hang foi a do cenário em que a ofensa ocorreu: "Um grupo privado e com delimitado número de participantes".

O que dizem os envolvidos

Ao Correio, o padre Julio Lancellotti fala com serenidade sobre a decisão, que ele mesmo ressalta que ainda cabe recurso. No entanto, ele afirma que a sentença já é importante "na medida em que sinaliza a importância da ética nas redes sociais". Elas são para aproximar, comunicar, divulgar e não para ofender, destruir e desqualificar. As redes são sociais, não antissociais", pontua.

A assessoria de Luciano Hang não respondeu aos contatos do Correio até a última atualização desta matéria. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.

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