Com 90 anos de voto feminino no Brasil, a participação das mulheres em cargos políticos ainda avança de forma tímida. O país tem progredido no debate em torno dos direitos das mulheres e temas como assédio, violência doméstica, maternidade e carreira têm ganhado espaço no cenário político.
No entanto, embora o número de candidaturas femininas nas eleições de 2022 seja um recorde, elas ainda representam apenas um terço dos postulantes, mesmo sendo maioria do eleitorado. É o que mostra um estudo da consultoria Arko Advice com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo a jurista e membro das Comissões de Direito Administrativo e Eleitoral da OAB/DF Marilda de Paula Silveira, a representatividade feminina direta na política continua incongruente, principalmente quando se pensa que as mulheres têm dominado as esferas universitárias. "O reconhecimento constitucional e legal da igualdade entre homens e mulheres não foi suficiente para assegurar que elas ocupassem o mesmo espaço que os homens na representação democrática", afirma Silveira.
Os registros do TSE mostram que, de um total de 28.596 candidatos nas eleições deste ano, 9.558 são mulheres, o que representa apenas 33% do total de políticos na disputa. O número é um novo recorde, considerando que em 2018 eram 9.204 mulheres, ou 32% do total de candidaturas.
Em 2014, eram 8.123 nomes femininos na disputa, 31% do total. Considerando os valores proporcionais, porém, o avanço é muito tímido, com um aumento de apenas um pouco percentual na representatividade, a cada eleição majoritária de 2014 para cá. As mulheres compõem 53% do eleitorado, segundo o TSE.
Após quatro anos da definição da cota de 30% do fundo eleitoral para candidaturas femininas, as eleições de 2022 terão a presença de mulheres em 52% das chapas que irão disputar os governos estaduais. Porém, grande parte delas estará na posição de vice, e não como líder. Segundo dados levantados pela Arko Advice, em 2014 eram 14 candidatas a vice-governadora, 25% do total, enquanto neste ano são 89, representando 40%.
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Na disputa ao Planalto, as candidaturas refletem o cenário geral, com quatro mulheres na disputa, representando um terço do total. São elas: Soraya Thronicke (União Brasil), Simone Tebet (MDB), Sofia Manzano (PCB) e Vera Lúcia (PSTU).
Segundo plano
A análise das candidaturas a vice deixa claro o quanto ainda é preciso avançar para que as mulheres tenham maior representação na disputa política. Das 223 chapas cadastradas para os governos estaduais, apenas 17,5% são lideradas por mulheres, enquanto 39% as têm como vice.
O crescimento de chapas com vices femininas vem na esteira da cota de 30% do fundo eleitoral destinada a mulheres, sendo percebida ainda em 2018, primeiro ano em que vigorava a lei. Na prática, candidatos homens deixam mulheres em segundo plano para abocanhar uma parcela maior do fundo. As eleições de 2022 receberão R$ 4,9 bilhões para gastos com campanhas em todo país.
A cientista política pela Universidade de Brasília (UnB) Camila Santos explica que, como o machismo estrutural ainda domina a sociedade, as mulheres que ingressam na política sofrem por estarem nas sombras de homens, líderes de partidos, maridos ou companheiros de chapa.
"Mas é justamente pelo fato de que os partidos não reconhecem as mulheres como candidatas competitivas. Os líderes não veem motivos para investir nelas. Por isso, na hora do recrutamento partidário, as mulheres têm dificuldade de adentrar esse espaço", esclarece a cientista.
Por sua vez, a jurista Marilda de Paula Silveira destaca que os mecanismos para estimular a participação feminina foram criados pelos homens que dominam os espaços políticos, o que prejudica sua eficácia. "Como quem ocupa posição de poder não quer sair e as regras são definidas por quem lá está, o ciclo de desequiparação nunca será interrompido, a não ser por uma decisão externa", explica.
Barreira para entrar
Além de a política ser composta, de forma majoritária, por homens, ainda há outras questões que contribuem para a defasagem na participação feminina. A cientista política e autora do livro Faça você mesma: guia completo da mulher na política, Daniela Rabello, explica que as mulheres não recebem nenhum tipo de treinamento para ingressar no meio."Teoricamente os partidos teriam quatro anos de formação dessas mulheres, mas isso não é feito como deveria", diz Rabello.
A cientista política observa que mulheres que nunca participaram de um processo eleitoral não sabem como é feito o marketing político, como devem se comportar nas redes, falar em público, em um debate, ou como aparecer na mídia. Além disso, como o meio é historicamente dominado por homens, há pouquíssimos exemplos para servir como referência.
Uma exceção a essa regra, aponta, é a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que foi treinada durante meses em saúde, educação, gestão pública, economia e liderança, com o objetivo de chegar ao Congresso. "As mulheres querem estar na política. O problema é que, muitas vezes, elas não estão aptas nem treinadas para isso", pontua a cientista política.
*Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo