Nos países democráticos, as eleições são o momento culminante da vida política. É um tempo de disputa e de competição, mas, principalmente, uma celebração da liberdade e da ordem. Quando este momento se converte num estado de apreensão e de incerteza, é porque algo corrosivo está ocorrendo no interior da sociedade.
Eleições são indispensáveis às nações civilizadas, necessariamente compostas por grupos com opiniões diferentes e com igual direito de chegar ao poder. Como disse o pensador francês Ernest Renan, "uma nação é um plebiscito cotidiano", no qual os cidadãos reafirmam diariamente sua vontade de constituir uma "unidade de destino", como completa Mário Vargas Llosa.
As eleições que se aproximam, aqui no Brasil, mais do que qualquer outra realizada depois da volta da democracia, em 1985, estão indicando que a nação brasileira está se tornando uma comunidade de tribos que se antagonizam e que não se reconhecem como partes de uma mesma sociedade. Não podemos cair na tentação de simplificar essas divisões, atribuindo o clima de polarização e de intolerância à simples manipulação por parte dos candidatos. Ninguém individualmente tem o poder de dividir tanto uma grande e diversificada população, como é o caso da brasileira.
As sementes dessa divisão estão presentes faz muito tempo, embora só agora tenham ganhado massa crítica para dominar o espaço político. O velho Aristóteles já ensinava, há mais de dois mil anos, que "uma cidade é composta de diferentes tipos de homens, pessoas semelhantes não podem dar existência a uma cidade".
Conviver num mundo de diferentes não é, portanto, uma livre escolha de nossa parte, mas uma exigência da própria natureza da vida humana, que abomina a homogeneidade e só se desenvolve na diversidade. Uma sociedade que se segrega em grupos de iguais, que só é solidária com os seus e que rejeita e agride os que pensam ou são diferentes, está deixando de ser humana e regredindo à nossa mais longínqua pré-história.
Na pré-história
Isso não corresponde, absolutamente, aos nossos instintos primordiais. Se a competição tivesse sempre abafado a cooperação, a humanidade ainda estaria vivendo nas cavernas. Se não quisermos voltar ou estacionar no tempo, teremos que encontrar os meios de pacificar todos os brasileiros e desfazer os traços tribais que conspiram com a necessidade de aceitarmos "a unidade de destino", único caminho para aspirarmos a um futuro melhor para todos nós.
O Brasil não está condenado nem pela natureza, nem pela história, a ser um país irrelevante, atrasado e injusto. A verdade, no entanto, é que há mais de 40 anos deixamos de crescer com regularidade e de diminuir a distância que nos separa dos países desenvolvidos. Não era isso que todos esperavam de nós, pois se mantivéssemos o ritmo médio de crescimento que experimentamos em todo o século XX até os anos 1980, estaríamos hoje com o nível de renda próximo ao da Espanha e de Portugal.
O enigma que cerca essa mudança de trajetória só pode ser decifrado pelos erros da política, já que nenhum desastre de qualquer natureza se abateu sobre nós. O fracasso na economia começou com a herança que nos legou o regime militar e prosseguiu com a Constituição que sacralizou os privilégios da alta burocracia do Estado, manteve um sistema político sem representatividade e proclamou direitos para todos, mas os assegurou, efetivamente, para muito poucos. A história, desde então, é de governos sem maioria própria, tentando mudar a Constituição para poder governar.
O resultado tem sido quase sempre uma sucessão de crises, ausência de crescimento, corrupção e a frustração das grandes maiorias sociais. Aí estão as sementes da falta de esperança, da raiva e do medo, as verdadeiras fontes desse novo Brasil tribal.
Estamos num ponto em que as eleições não vão, por si só, pacificar o país e torná-lo, de novo, uma nação. Resta esperar que nossos erros tenham chegado ao limite e que um evento imprevisto e regenerador nos permita voltar a ser uma nação.