O presidente Jair Bolsonaro procurou mostrar ações positivas do seu governo, driblou assuntos espinhosos, como pandemia e meio ambiente, e negou declarações anteriores, durante a entrevista ao Jornal Nacional, ontem. Na sabatina, com duração de 40 minutos, o chefe do Executivo também se desentendeu em alguns momentos com os apresentadores, mas, no geral, manteve-se calmo, para surpresa de quem esperava um candidato agressivo e despreparado.
Na entrevista conduzida por William Bonner e Renata Vasconcellos, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas infundadas de fraude nas urnas eletrônicas. Disse que as críticas que faz ao processo de votação têm como objetivo "evitar que dúvidas pairem nas eleições deste ano, nada mais além disso".
O chefe do Executivo foi perguntado se respeitará o resultado do pleito de outubro. Respondeu que sim, "desde que as eleições sejam limpas e transparentes". Bonner fez nova intervenção, destacando que as eleições "são limpas, transparentes" e que as urnas, auditáveis. O jornalista perguntou se o presidente gostaria de aproveitar a ocasião em rede nacional para "assumir compromisso eloquente de que respeitará o resultado das urnas, seja qual for". Bolsonaro emendou dizendo que haverá eleições "limpas e transparentes", mas que "precisou provocar para que se chegasse a esse ponto".
Ao ser questionado sobre qual foi seu objetivo com os xingamentos a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente acusou Bonner de propagar notícia falsa. "Primeiro, você não está falando a verdade quando fala 'xingar ministros', não existe. É uma fake news da sua parte", disse. O apresentador lembrou que o presidente chamou um ministro do Supremo de "canalha". "Quem vem sendo perseguido o tempo todo por um ministro do Supremo sou eu", rebateu o chefe do Executivo. "Hoje em dia, pelo que tudo indica, está pacificado, espero que seja uma página virada. Até você deve ter visto, por ocasião da posse de (Alexandre) Moraes (presidente do Tribunal Superior Eleitoral), um contato amistoso lá. E quem vai decidir essa questão de transparência ou não, serão, em parte, as Forças Armadas, que foram convidadas a participar da comissão das eleições", acrescentou.
Questionado sobre a mudança de postura em relação ao Centrão, de crítico ferrenho a aliado do grupo, Bolsonaro disparou contra Bonner. "Está me estimulando a ser ditador, porque o Centrão são mais de 300 parlamentares. Se eu deixar eles (sic) de lado, eu vou governar com o quê?", rebateu.
Nos temas que demandam mais esclarecimentos ao espectador, Bolsonaro partiu para o drible. Ao tratar da questão ambiental, voltou a criticar o Ibama por queimar máquinas usadas no desmatamento e rechaçou as críticas à política ambiental de governo.
Sobre a condução da pandemia, sustentou "não ter errado". Negou que tenha atrasado a compra de vacinas, minimizou a omissão do governo na crise de fornecimento de oxigênio aos hospitais do Amazonas e voltou a criticar o lockdown, alegando que a medida "atrapalhou a economia e contaminou mais gente em casa". Também defendeu o tratamento precoce da covid-19, com cloroquina, e justificou ter usado "figura de linguagem" quando disse que quem tomasse vacina poderia virar "jacaré".
Na área da educação, ao responder sobre as sucessivas trocas de comando na pasta e suspeitas de corrupção, disse que as pessoas "se revelam quando chegam" ao cargo. "Acontece, é igual um casamento. O ideal era não ter rotatividade nenhuma, mas acontece", disse. "Ele teve uma acusação, foi preso, mas conseguiu habeas corpus logo em seguida. Não tinha nada contra ele até aquele momento", afirmou sobre Milton Ribeiro, ex-ministro da pasta.
O presidente enfatizou que os números da economia "são fantásticos" e pretende continuar com a política iniciada em 2019, com reformas, como a da Previdência, e a lei da liberdade econômica.
Nas considerações finais, destacou feitos do governo como a queda no preço dos combustíveis, o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, a continuidade da transposição do Rio São Francisco e o PIX.
Após a entrevista, ele fez live nas redes sociais na saída do Projac. Pediu à população que não deixe o Brasil voltar às mãos da esquerda e convocou para o 7 de Setembro.
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Cientistas políticos consultados pelo Correio analisam que Bolsonaro conseguiu manter argumentos e narrativas usados regularmente em suas manifestações cotidianas.
Leandro Consentino destacou o momento inicial da entrevista, em que foram abordados os ataques às urnas eletrônicas e ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Ali, o presidente manteve a narrativa dele, de que há um problema e de que é necessário aperfeiçoamento das urnas. Mas os entrevistadores arrancaram um pouco a contragosto um compromisso dele de aceitar o resultado da eleição. Isso foi importante", frisou.
Para Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV, dois pontos se destacaram: a menção à reforma da Previdência e o argumento em relação ao Centrão. "Chama a atenção que Bolsonaro diga que a reforma da Previdência foi a grande reforma que levou ao que ele considera sucesso econômico. Bolsonaro teve quase nenhuma participação nesse processo. O protagonismo foi do próprio Congresso. Além disso, o presidente disse que "na época dele" o Centrão não existia. O Centrão nasceu na Constituinte", pontuou.
Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcus Ianoni avaliou que Bolsonaro se saiu bem dentro da estratégia que adotou. "Por dois motivos: ter ficado calmo, sem agredir os jornalistas e, em segundo lugar, ter feito as mesmas distorções de sempre de modo aparentemente convincente para o público mais desinformado e que absorve superficialmente conteúdos importantes", ressaltou.
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