O ministro Alexandre de Moraes assume amanhã a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Prestes a comandar a Justiça Eleitoral durante as eleições mais conturbadas desde a redemocratização do país, ele é considerado, entre grupos bolsonaristas, como um inimigo, e terá o desafio de garantir a lisura do sistema de votação. Na mesma cerimônia, o ministro Ricardo Lewandowski será empossado vice-presidente da Corte.
Moraes substitui Edson Fachin — que, em um mandato relâmpago de seis meses, adotou um perfil mais firme diante dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores. Comprometido com a segurança do processo eleitoral, o novo comandante do TSE já declarou que não vai baixar a guarda durante o pleito.
Visto como um magistrado técnico e, ao mesmo tempo, combativo, Moraes, que também continuará na atuação ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), tem um histórico conturbado com Bolsonaro. O presidente tem feito, nos últimos três anos, reiteradas declarações colocando em dúvida a confiabilidade das urnas eletrônicas e proferindo ataques ao Judiciário, principalmente, a Alexandre de Moraes.
Bolsonaro, aliás, deve ir à cerimônia de posse. O próprio Moraes entregou o convite pessoalmente ao presidente. Segundo pessoas que acompanharam o encontro, as autoridades conversaram cordialmente e concordaram em manter uma trégua. No entanto, o acordo não deve se manter por muito tempo, por conta dos processos em curso no Supremo com relatoria do magistrado.
O ministro é relator do inquérito das fake news — no qual Bolsonaro é investigado. Ele já foi acusado de abuso de autoridade pelo presidente por conta do processo. Em outubro do ano passado, Moraes chegou a afirmar que "se houver repetição do que houve em 2018, terá cassação e prisão".
Na avaliação do cientista político André Rosa, o perfil combativo do novo presidente do TSE é o ideal para momentos de crise, como o atual. "Ele está no lugar certo, no momento certo, porque existe toda uma teoria da conspiração a respeito da segurança das urnas. Uma teoria da conspiração que não tem adesão da opinião pública, é apenas boato, mas a partir do momento que uma parcela do eleitorado acredita nessa teoria conspiratória, passamos a ter um problema", observou.
Rosa destacou ainda o risco de cenários extremos, como o ocorrido com a invasão do Capitólio nos Estados Unidos. "Ele tem um papel preponderante para evitar um acontecimento como nos EUA. Agora, é uma questão de as instituições trabalharem", disse.
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Capacidade de diálogo
O analista político Mellilo Dinis ressaltou a capacidade de diálogo de Moraes com o parlamento. "Ele tem um perfil muito próprio. Assertivo, técnico, cuidadoso, mas que, ao mesmo tempo, não teme o enfrentamento e que tem habilidades suficientes para estabelecer canais políticos de diálogo e de redução de danos. Entretanto, enfrentará um dos períodos mais turbulentos e também de muita violência política", afirmou.
Dinis citou a parceria entre o Supremo e o TSE para lidar com o comportamento intempestivo do presidente. "Trará consigo uma série de contextos. O primeiro é que terá a dupla companhia de Fux até 9 de setembro, até Rosa Weber, para a gestão do Judiciário, os dois órgãos mais importantes que têm funcionado como muro de contenção de Jair Bolsonaro", disse.
Outro inquérito que tem como alvo o presidente sob relatoria de Mores é o que apura o vazamento de dados da Polícia Federal. Em uma transmissão ao vivo no passado, Bolsonaro mostrou documentos de uma investigação sigilosa sobre um suposto ataque hacker ao sistema do TSE.
Ontem, Moraes ainda foi escolhido como relator de um processo contra o presidente envolvendo o combate à varíola do macaco movida pelo PSB. O partido sustenta que houve falta de gestão institucional do governo federal em relação à monkeypox e pede que o STF determine campanhas de vacinação contra a doença.
Na cerimônia de posse, Bolsonaro deve encontrar outros candidatos à Presidência da República, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — seu maior adversário na disputa eleitoral. Moraes ainda tem outro desafio pela frente, que deve gerar um novo embate com o presidente. Ele foi sorteado como relator do registro da candidatura da coligação Pelo bem do Brasil, de Bolsonaro. O ministro deverá elaborar parecer sobre a licitude da declaração patrimonial apresentada pela campanha de reeleição ao Palácio do Planalto.
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Plano para cenários extremos
Fontes ouvidas pelo Correio afirmam que o TSE já tem um plano pronto para conduzir as eleições de outubro com o menor nível de turbulência possível e prevenir a Justiça em caso de cenários extremos. O presidente já afirmou, em ocasiões passadas, que não vai aceitar o resultado do pleito.
O tribunal também já teria engatilhado reações e segurança jurídica em caso de ações de adversários com pedidos de impugnação da candidatura ou de cassação da chapa eleitoral. Desde o ano passado, o TSE tem firmado parcerias com as principais redes sociais para combater a desinformação e evitar a propagação de notícias falsas durante o período eleitoral.
Para o professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva, os ataques a Moraes vêm de uma sequência de críticas dos bolsonaristas ao Judiciário. "É uma pena que isso tenha sido necessário, mas é o reflexo da deterioração institucional a que o Brasil chegou com os frequentes ataques de Bolsonaro e sua turba ao Supremo. E foi inevitável que, ao se colocar nessa posição, Alexandre tivesse virado alvo preferencial desses mesmos ataques", destacou.
Silva apontou o período conturbado que o Brasil vive. "Não será fácil, mas a vivência política do ministro a que antes me referi faz uma grande diferença, pois lhe dá capacidade de análise e de compreensão do contexto e das consequências de seus posicionamentos que falta a outros personagens mais autocentrados ou românticos, como Barroso, por exemplo", destacou.
Perfil acadêmico
Nascido em São Paulo, Alexandre de Moraes é doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), onde ainda é professor associado. Também exerce o magistério na Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e na Escola Paulista da Magistratura, além de ser professor convidado em diversas escolas da magistratura, do Ministério Público, de procuradorias e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Desde 1991, quando ingressou na carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo, atuou em diversos órgãos públicos. Foi secretário de Segurança Pública de SP, em 2016, quando lidou com o hackeamento do celular da ex-primeira-dama Marcela Temer.
Atuou como ministro da Justiça, enfrentou a crise das rebeliões em presídios que mataram ao menos 56 detentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas, e outros 33 na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima.
Chegou ao Supremo por indicação do ex-presidente Michel Temer, após a morte do ministro Teori Zavascki em acidente aéreo, em 2017. Na Corte, Alexandre de Moraes acumulou relatorias de processos importantes em curso no país. Além dos processos que investigam Bolsonaro, outras ações recentes também tiveram destaque, como a que condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), por ataques às instituições e o julgamento da reforma administrativa — que pode devolver a elegibilidade a políticos já condenados pela Justiça.