“Quem eu recebo na minha casa, eu não devo satisfação a ninguém.” Foi com esse comentário que o presidente Jair Bolsonaro (PL) respondeu, no Flow Podcast, na segunda-feira (8/8), ao questionamento feito sobre os cem anos de sigilo decretados em relação ao acesso de informações do governo e também sobre a agenda particular presidencial.
“Não é um decreto ditatorial meu. A lei me garante isso. O que a imprensa começou a perturbar: eu tenho a minha agenda que é pública lá no Palácio da Presidência. Se for me visitar, está lá. Aí começaram a querer ter acesso a quem ia me visitar no Palácio da Alvorada. E de acordo com as pessoas que me visitam no Alvorada, a imprensa faz uma matéria sobre aquilo. Quem eu recebo na minha casa, eu não devo satisfação a ninguém”, declarou o presidente da República.
Em abril deste ano, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) impôs sigilo após uma solicitação do jornal O Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), sobre a relação das entradas e saídas do Palácio do Planalto, dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, suspeitos de fazer lobby e cobrar propina para intermediar a liberação de recursos no Ministério da Educação. Em resposta, o GSI negou acesso às informações e justificou que a solicitação não poderia ser atendida, pois a divulgação desses dados poderia colocar em risco a vida do presidente da República e de seus familiares.
A Lei de Acesso à Informação é considerada um avanço na transparência pública do país. Sancionada em 2011 pela ex-presidente Dilma Rousseff, a LAI regulamenta o direito que todo cidadão tem de acessar informações públicas, conforme está exposto na Constituição Federal de 1988.
O texto acaba com o "sigilo eterno” de documentos ultrassecretos afirmando que nenhum documento poderá ficar por mais de 50 anos sem acesso público. Porém, há uma brecha: sigilos de até 100 anos - prazo máximo permitido pela LAI - podem ser impostos quando a divulgação dos dados, mesmo sendo de interesse público, viole a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa.
E é nessa brecha que o presidente Jair Bolsonaro (PL) se baseia para decretar os sigilos de 100 anos tão recorrentes nesses quase quatro anos de governo. Dentre as justificativas divulgadas por Bolsonaro e por sua equipe jurídica, já foram usadas a “proteção à vida do presidente” e “falta de interesse público”. Além da LAI, Bolsonaro se encosta na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), afirmando que a publicidade dessas informações pode colocar a vida do presidente em risco.
Porém, quem define a “falta de interesse público” dessas informações sigilosas, se dizem respeito ao governo que nos rege? Especialistas do Direito e da Governança Pública dizem que há um abuso dos requisitos que as leis trazem.
“Há um abuso da Lei de Acesso à Informação por meio dos órgãos públicos e os mecanismos de controle sobre a lei são muito frágeis. Não há um histórico de quebra de sigilo pelo judiciário, o que comprova que o Brasil não garante o acesso à informação como deveria”, explica o advogado, professor e pesquisador do Centro de Estudos Legislativo da UFMG, Rodolfo Viana, que ressaltou que esses sigilos fazem o Brasil se posicionar mal internacionalmente no âmbito da transparência pública.
Os sigilos
Pazuello
O governo federal decretou um sigilo de 100 anos do processo interno do Exército contra o general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pela participação em uma “motociata” ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em maio de 2021. O regulamento disciplinar do Exército proíbe a participação de militares da ativa em atos políticos.
A participação de Pazuello no ato gerou a abertura de um processo para apurar a conduta do ex-ministro. O jornal Folha de S. Paulo solicitou o acesso às informações do processo, mas teve o pedido negado. A justificativa do sigilo decretado sobre o caso foi que a divulgação do documento representaria risco aos princípios da hierarquia e da disciplina do Exército. O general, no entanto, foi absolvido do processo.
Crachás de Flávio e Eduardo Bolsonaro
O governo impôs sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL), Carlos Bolsonaro (Republicanos) e Eduardo Bolsonaro (PL).
Em documentos públicos enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid em 2021, a Presidência da República informou a existência dos cartões de acesso ao Planalto dos dois filhos do presidente.
A revista Crusoé solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a "relação de filhos do Presidente da República que possuem ou possuíram cartões de identificação que dão ingresso às leitoras e vias de passagem do Palácio do Planalto e Anexos, acompanhada da respectiva data de emissão e de devolução do cartão de acesso entre 2003 e 2021", para saber quantas vezes os dois irmãos estiveram no Palácio do Planalto, mas teve o pedido negado.
A Secretaria-Geral da Presidência respondeu a solicitação, decretando sigilo às informações e afirmou que os dados solicitados dizem respeito “à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos familiares do Senhor Presidente da República, que são protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei nº 12.527, de 2011".
Cartão de vacinação
Outro sigilo de um século imposto pelo Presidente Jair Bolsonaro foi em relação ao seu cartão de vacinação e a qualquer informação referente às doses de vacinas que ele tenha recebido.
A decisão foi informada à revista Época que havia solicitado, por meio da Lei de Acesso à Informação, os dados sobre a imunização do presidente, que na ocasião, criticava as vacinas contra a Covid-19 e se recusava a se vacinar.
Com a negativa, o Palácio do Planalto afirmou que os dados “dizem respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem” do presidente, impondo um sigilo de 100 anos ao documento.
Outros governos
Apesar da Lei de Acesso à Informação ter sido sancionada pelo governo Dilma Rousseff, a ex-presidente também utilizou da LAI para decretar sigilo sobre informações de interesse público.
Durante o seu governo, Dilma colocou sob sigilo todas as informações relativas às viagens que a presidente e/ou seu vice, Michel Temer, já fizeram ao exterior. Na ocasião, o decreto afirmou que os dados só poderiam ser divulgados depois que ela deixasse o Palácio do Planalto.
Outro sigilo decretado no governo Dilma foi referente às “pedaladas fiscais”, motivo pelo qual foi impedida em 2016. A ex-presidente decidiu manter em sigilo o tamanho exato da dívida e quem eram os devedores de taxas destinadas à Caixa Econômica Federal por conta da administração de programas sociais, como o Bolsa Família, o qual o banco público era contratado pelo governo para executá-lo e, assim, precisava ser remunerado pelos serviços prestados.
A União passou a postergar o pagamento das tarifas devidas, um tipo de “pedalada”, segundo a própria Advocacia Geral da União (AGU), que gerou um débito incalculável com a Caixa. O governo e o banco tentaram uma reconciliação que garantisse os repasses à Caixa, mas não houve sucesso.
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