Lisboa — A tensão política que atormenta o Brasil, a menos de dois meses de os eleitores depositarem os votos nas urnas, está se irradiando para o exterior, onde um número cada vez maior de brasileiros terá de cumprir o dever cívico em outubro próximo. Tanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quanto no Itamaraty, responsável por garantir que o pleito se realize mundo afora, há o temor de que a enorme polarização que se vê no país acabe por estimular atos de violência nos pontos de maior concentração de votantes. O foco principal de preocupação é Portugal, que se tornou o maior colégio eleitoral fora do Brasil: 86.934 cidadãos estão registrados para votar em três localidades: Lisboa, Porto e Faro.
O nervosismo é tamanho que, há várias semanas, representantes dos três consulados do Brasil em Portugal têm se reunido sistematicamente com as chefias das polícias locais para garantir a segurança das urnas eletrônicas e dos votantes. De 2018 para cá, o total de eleitores brasileiros em Lisboa, Porto e Faro mais do que dobrou. Naquele ano, mesmo com um número menor de pessoas aptas a comparecerem aos postos de votação, houve conflitos entre grupos de diferentes posições políticas e ataques à imprensa. O clima pesou tanto que os responsáveis pelo consulado de Lisboa, à época, suspenderam uma entrevista que detalharia como o pleito transcorreu.
Por precaução, o consulado de Lisboa também contratou uma empresa de segurança privada para evitar danos às 57 urnas já separadas pelo TSE e aos eleitores. Cada urna tem capacidade para atender 800 votantes. "Estamos tomando todas as cautelas para que a eleição ocorra de forma absolutamente tranquila. A nossa meta é nos anteciparmos a qualquer problema. Não queremos ser surpreendidos, ter que esperar que ocorra algo fora do normal para agirmos", diz um integrante do consulado. Ele garante que a Polícia de Segurança de Portugal (PSP) informou que, até o momento, não foram identificados eventos anormais. "Temos um trabalho preventivo de investigação", complementa.
Para bancar o reforço da estrutura de votação e de segurança, o Consulado do Brasil em Lisboa pediu ao Itamaraty a ampliação do orçamento. Foram requisitados mais 4.800 euros (R$ 26,4 mil), mas, até agora, menos da metade foi liberado: 1.956 euros (R$ 10,8 mil). Esses recursos são apenas para os agentes privados, para resguardarem as urnas durante a noite anterior à votação e no dia do pleito. "Precisamos desse dinheiro, devido ao aumento substancial do número de eleitores. Em 2018, eram 21 mil em Lisboa, agora, são 45 mil", explica o mesmo representante do consulado.
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Garantia da ordem
Em Paris, onde 22.629 eleitores brasileiros estão aptos a votar para presidente da República, além da ajuda policial, será contratada segurança privada, afirma o cônsul-geral adjunto, Sérgio Pena. "Haverá agentes contratados pelo Consulado-Geral. Tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros quanto a polícia francesa estão informados sobre a realização das eleições e deverão disponibilizar efetivos para garantir que tudo transcorra em tranquilidade", ressalta.
Pena acrescenta que praticamente todo o efetivo do Consulado-Geral de Paris estará envolvido na organização das eleições. Também haverá participação significativa do pessoal da Embaixada brasileira na França, da Missão do Brasil junto à Unesco e da Delegação junto a organizações internacionais econômicas sediadas em Paris. "No total, aproximadamente 150 pessoas trabalharão nos dias das eleições, entre mesários, recepcionistas e pessoal de apoio", explica o diplomata.
Na França, haverá um único local de votação, em Paris. "Trata-se de local amplo, adequado para comportar as 57 seções eleitorais, situado em região central da capital, servida por transporte público, na Rue Catherine de La Rochefoucaulds, 11", detalha o cônsul-geral adjunto. Ele recomenda que os eleitores no exterior baixem o e-título no celular. "Essa ferramenta indica o número do título de eleitor, o local de votação e a seção eleitoral, o que agilizará o atendimento no dia da votação. Para aqueles que necessitem justificar sua ausência ao voto, isso também poderá ser feito pelo e-título", frisa.
Na Espanha, os eleitores brasileiros estarão divididos entre Madri e Barcelona. Cônsul-geral do Brasil na capital espanhola, a embaixadora Gisela Padovan afirma que, pelos registros mais recentes do TSE, há 19.866 votantes aptos a escolherem o próximo presidente do país — serão disponibilizadas 25 urnas eletrônicas — na sua área de atuação. Em Madri, haverá um único local de votação: a Casa do Brasil.
Em relação à segurança do pleito, a cônsul-geral destaca que já pediu, oficialmente, apoio à Comunidade de Madri. "O reforço policial será o mesmo brindado a todos os consulados/embaixadas que aqui realizam eleições", afirma. "Minha expectativa é de que o pleito se realize como sempre, sem problemas. Entre presidentes de mesa, mesários e pessoal de apoio logístico, contaremos com 130 voluntários", ressalta.
Mobilização total
O Consulado-Geral do Brasil em Barcelona informa que mais de 10 mil eleitores estão inscritos na sua jurisdição para votar neste ano — mais que o dobro do observado em 2018. Todas as seções de votação estarão em um mesmo local, na Fira de Barcelona. O órgão afirma que a polícia local será informada sobre o pleito e disponibilizará efetivos conforme os protocolos de segurança. Além disso, o consulado contará com o apoio da empresa de segurança que já presta serviços de rotina nas instalações do posto.
"Para conduzir a jornada eleitoral, estamos planejando contar com 62 pessoas: 14 servidores do quadro do Ministério das Relações Exteriores (lotados no consulado-geral), 16 contratados locais do consulado-geral, além de 32 membros da comunidade que atuarão como mesários", assinala o consulado, que reforça estar trabalhando na organização das eleições desde o ano passado, tanto no que diz respeito ao cadastramento de eleitores quanto na organização da logística para os dias de votação.
Assim como na Espanha, a Itália também terá duas regiões de votação: Roma e Milão. Na capital italiana, especificamente, estão cadastrados 12.983 eleitores aptos a votar. O conselheiro e cônsul-geral adjunto, Paulo Borda Silos, diz que, em Roma, haverá um único local de votação, no prédio que abriga o Consulado-Geral e a Embaixada do Brasil, no centro da cidade. A proteção das urnas e dos votantes ficará sob a responsabilidade da polícia local. "Não será solicitado reforço extraordinário", garante o diplomata.
"No Consulado-Geral em Roma, todos os seus funcionários (diplomatas, oficiais de chancelaria, assistentes de chancelaria, auxiliares locais e segurança), totalizando 26, serão convocados para prestar apoio durante o primeiro e, eventualmente, o segundo turno das eleições", esclarece Silos. "Serão instaladas 17 urnas (abrigando 58 seções eleitorais) munidas por 68 mesários", emenda.
No Reino Unido, estão inscritos para votar 34.498 eleitores, 33% a mais do que o verificado em 2018 (25.938). De acordo com o Consulado-Geral do Brasil em Londres, haverá apenas um local de votação, o West London College, na capital da Inglaterra. A segurança será feita pela polícia local e todos os funcionários do consulado vão trabalhar no dia da votação.
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Medo de golpe
Como no Brasil, boa parte dos eleitores têm sido bombardeada por fake news, criando uma situação fictícia da realidade do país. Não à toa, a polarização é visível e as discussões, frequentes em mesas de bar e mesmo em festas em família. Em Portugal, há núcleos estabelecidos dos dois principais candidatos à Presidência da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que aparece na dianteira das pesquisas de intenção de votos, e o presidente Jair Bolsonaro, do PL, que tenta a reeleição.
Se prevalecer o que se viu há quatro anos, quando o número de eleitores era bem menor, a tendência é de vitória de Bolsonaro. Especialistas afirmam, porém, que a imagem do presidente piorou muito desde que ele tomou posse. A forma como ele lidou com a pandemia sempre é citada como muito ruim. Também há críticas pesadas em relação à política ambiental do governo. Na imprensa portuguesa, Bolsonaro já foi chamado de cafajeste.
Entre os diplomatas que trabalham na organização do pleito, a ordem é não se posicionar politicamente. Tudo está sendo tratado de forma muito técnica. Mas é visível o incômodo de vários representantes de consulados e embaixadas com os ataques frequentes que o presidente brasileiro vem fazendo à segurança das urnas eletrônicas. Vários deles foram chamados por representações de governos locais para responderem a questionamentos sobre a possibilidade de um golpe no Brasil com a ajuda de militares. A resposta é sempre taxativa: não, pois as instituições brasileiras são fortes e estão funcionando.
FRASE
Haverá agentes contratados pelo Consulado-Geral. Tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros quanto a polícia francesa estão informados sobre a realização das eleições e deverão disponibilizar efetivos para garantir que tudo transcorra em tranquilidade”
Sérgio Pena, cônsul-geral adjunto em Paris
NÚMEROS
86.934
Quantidade de eleitores aptos a votar em três localidades em Portugal: Lisboa, Porto e Faro
22.629
Total de eleitores brasileiros existentes em Paris
34.498
Quantidade de eleitores inscritos no Reino Unido, 33% a mais do que o verificado em 2018