ELEIÇÕES 2022

Plano de Governo de Bolsonaro reforça compromissos com conservadorismo

Campanha do presidente apresenta as diretrizes de um eventual segundo mandato e, apesar das promessas para setores esvaziados — como meio ambiente e cultura —, reforça o compromisso com o conservadorismo

Ingrid Soares
Rosana Hessel
postado em 11/08/2022 05:53 / atualizado em 11/08/2022 12:13
 (crédito: Cleber Caetano/PR)
(crédito: Cleber Caetano/PR)

Com o lema "Pelo bem do Brasil" e intitulado Caminho da prosperidade, construindo uma grande nação, o presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou, ontem, o Plano de Governo para os próximos quatro anos, caso seja reeleito. Em 48 páginas, aborda temas como a mulher, a cultura e o meio ambiente — questões deixadas em segundo plano na atual administração, e razão de muitas críticas — e reforça as bandeiras conservadoras.

O documento dá ênfase a temas como família, vida, liberdade econômica, direito à propriedade, direito à vida do nascituro e "na possibilidade de expressar suas opiniões e na condução de suas vidas de acordo com valores e propósitos". Aponta, ainda, que "não se negocia a liberdade nem a vida", o que sinaliza que Bolsonaro continuará privilegiando a base de apoio mais radical.

As apresentações dos chamados eixos de gestão tendem ser generalistas. Sobre políticas para as mulheres, o documento observa que é importante "a implementação das políticas públicas voltadas para a inserção do jovem e da mulher no mercado de trabalho de forma justa e assertiva, a igualdade de salários entre homens e mulheres que desempenham a mesma ocupação laboral e a possibilidade de equilibrar, até mesmo por meio do trabalho híbrido ou home office, a difícil tarefa de cuidar dos filhos e prover sustento, devem ser objeto de política pública robusta, tempestiva e calcada na realidade e necessidades (...). Neste governo e na sua continuidade, após a reeleição, nenhuma mulher fica para trás".

Em relação à cultura, apesar dos ataques à Lei Rouanet —desde 2019 o governo promoveu alterações criticadas pelos trabalhadores do setor, sobretudo nos tetos para a isenção fiscal, na redução de cachê máximo a ser pago e limite de captação por empresas —, o eventual segundo governo Bolsonaro promete "ampliar e fortalecer" a Política Nacional de Cultura. "O governo investiu R$ 7 bilhões no setor cultural entre 2020 e 2021. Com a reeleição, a perspectiva é de que esse investimento seja mais que triplicado até 2026, podendo chegar a R$ 30 bilhões", afirma.

Sobre meio ambiente, o Plano de Governo aponta que o país, "de um lado, deve apoiar e participar de todas as iniciativas julgadas coerentes, realistas e socioeconomicamente viáveis para contribuir para o futuro do planeta". Por outro, "deve equilibrar esses aspectos com seus valores, suas peculiaridades de biodiversidade, suas realidades econômicas regionais, respeitando-as, e seus interesses nacionais e internacionais". Não há menção sobre a redução do desmatamento, sobretudo na Amazônia — que vem batendo sucessivos recordes —, nem em relação à proteção das comunidades nativas naquela região.

Ideologia

O Plano de Governo segue pensando ideologicamente a educação, reforçando que "a gestão 2023-2026 terá a tarefa de incrementar ações que forneçam os fundamentos de importantes disciplinas (...) de uma forma geral e outras, permitindo que os alunos possam exercer um pensamento crítico sem conotações ideológicas que apenas distorcem a percepção de mundo, em particular aos jovens, e geram decepções no cidadão que busca se colocar no mercado após concluir sua formação".

O presidente promete, também, que, em um segundo mandato, serão enfatizadas as ações de promoção das políticas de formação e valorização dos professores, fortalecendo os planos de carreira e remuneração, melhorando as condições de trabalho e saúde.

Apesar do desestímulo à pesquisa científica do atual governo, com os sucessivos cortes orçamentários em organismos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Plano de Governo propõe que "é preciso que sejam formuladas estratégias que utilizem o dinheiro público em pesquisas de ponta".

Liberdade de culto

O documento faz, ainda, defesa da liberdade religiosa, "respeitando os que pensem diferente, combatendo todas as formas de discriminação e os ataques às distintas práticas religiosas". O discurso, porém, se choca com a realidade, pois na última terça-feira a primeira-dama Michelle Bolsonaro divulgou um vídeo atacando o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sendo homenageado por integrantes do candomblé — a postagem foi considerada preconceituosa.

Na justificativa sobre a ampliação do acesso às armas de fogo, o Plano de Governo cita uma suposta redução nos homicídios à bala. Organizações que pesquisam o assunto fazem severas críticas a essa iniciativa.

Melhor apresentação

O novo programa da campanha de Bolsonaro chama a atenção quando comparado com o de 2018, de acordo com o Lucas Fernandes, coordenador de Análise Política da BMJ Consultores Associados. Apesar do número de páginas ser menor, 48 em vez de 81, o plano de governo teve um avanço na apresentação. “O anterior, era um powerpoint genérico e o das eleições deste ano dá uma nova embalagem para alguns temas-chaves de Bolsonaro. O texto não deixa de acenar para os mais conservadores em uma linguagem mais editada e na linha do politicamente correto, além de tentar acenar para o eleitorado feminino. Vemos uma clara mão do Centrão na execução desse material”, comparou.

Fernandes lembrou que o programa deu uma moderada no discurso, mas mostra que Bolsonaro não abandonou algumas pautas focadas em costumes, destinadas à base de apoio mais conservadora. Além disso, embora tente acenar para uma agenda de desenvolvimento sustentável, o documento não deixa de criticar os dados sobre incêndio na Amazônia. “O plano dá uma nova roupagem, chega a se pensar em desenvolvimento sustentável, mas é um discurso vazio. Não dá para imaginar um Ministério do Meio Ambiente mais forte, por exemplo”, pontuou. “Mas esse fato de ser genérico não é uma caraterística apenas do plano de Bolsonaro. Todos os planos de candidatos procuram ser assim”, explicou.

Tentativa de continuidade

O documento tem, como principal característica, defender o que foi feito nos últimos quatro anos de mandato e sinalizar uma certa continuidade, de acordo com o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. Ele lembrou que o governo Bolsonaro começou vendendo a ideia de um governo liberal na economia e conservador nos costumes, mas, devido à pandemia e seus impactos na economia, a agenda liberal deu uma guinada e não deve voltar tão facilmente para a antiga rota. Além disso, o programa procurou responder algumas coisas da agenda ambiental, onde Bolsonaro foi muito criticado, embora que, superficialmente.

“A pandemia mudou a estratégia política do governo e Bolsonaro descobriu os benefícios da transferência de renda, em termos de popularidade, começando pelo auxílio emergencial e agora, consolidados no Auxílio Brasil”, disse Cortez. Ele lembrou que no programa, está previsto a continuidade em 2023 do benefício de R$ 600 em vez da volta dos R$ 400. “Para isso, o governo já patrocina uma nova mudança na regra do teto, porque não conseguirá espaço fiscal com o limite constitucional. Embora não apresente isso no programa, defender o fim dessa regra na campanha terá um custo reputacional”, alertou.

Mas Cortez não tem dúvida do custo dessa guinada do atual governo em um segundo mandato não tem mais espaço para a regra do teto. “E, por isso, o governo está buscando mudança na emenda do teto de gastos e ainda busca o discurso da desoneração tributária, que é outro caminho que coloca o fiscal em xeque”, acrescentou.

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