eleições 2022

Militares assumem linha de frente na campanha de Bolsonaro pela reeleição

Integrantes das Forças Armadas, que loteiam o governo federal, ganham ainda mais evidência neste pleito e, para tentar reeleger Bolsonaro, até fazem coro às teorias conspiratórias disseminadas pelo presidente

O presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca escondeu o alinhamento ideológico com as Forças Armadas. Desde a época em que era deputado, o chefe do Executivo afirmava ter como objetivo priorizar as pautas militares. Ao concorrer pela primeira vez ao Planalto, escolheu o general Hamilton Mourão (Republicanos) como vice. Agora, na disputa pela reeleição, terá outro general da reserva como postulante a vice, Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.

Num eventual segundo mandato de Bolsonaro, a tendência é de que os militares continuem em posições-chaves no governo. Além de escolher novamente um militar como vice, o presidente tem confiado à classe missões importantes para tentar garantir a continuidade da gestão.

O Poder Executivo passou a ter mais militares ocupando cargos na administração pública federal com o início do mandato de Bolsonaro. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), do ano passado, mostrou que no governo federal mais que dobrou a presença de militares em cargos até então ocupados por civis.

De acordo com o TCU, no último ano da gestão do então presidente Michel Temer, 2.765 militares ocupavam funções no Executivo federal. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, o número estava em 3,5 mil. Já o levantamento mais recente da Corte de contas, relativo a 2020 e divulgado em 2021, mostrou a presença de 6.175 integrantes das Forças Armadas na administração pública.

O fenômeno já havia sido criticado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado citou a "militarização" do governo federal.

O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, destacou o alinhamento político-ideológico do presidente com os militares, baseado, principalmente, nas pautas conservadoras, além da própria formação militar do chefe do Executivo. "Captaram setores das Forças Armadas que tendem a apoiar uma agenda conservadora, como ele (Bolsonaro) apresenta", afirmou.

Para o especialista, o presidente continuará alinhado com a classe. "Setores da sociedade compram esse discurso de que os militares têm a melhor agenda para o país. E ele consegue vender isso. Quando coloca Mourão e, quatro anos depois, Braga Netto como vice, é porque deu certo, e dobrou a aposta. Na minha avaliação, entre os dois, Braga Netto é muito mais radical do que o atual", observou.

Negativo

Marcelo Pimentel — oficial do Exército na reserva e mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército — ressaltou que o protagonismo dos militares no governo federal é negativo e vem refletindo nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro.

"É péssimo sob qualquer ótica que se possa observar. Isso não é o meu achar. Basta ver o protagonismo muito claro no governo pela quantidade de militares, pela projeção política. A aprovação do governo é baixíssima", frisou. "Considerando, também, comparar os demais presidentes que concorreram a mandatos, em nenhum caso o presidente em exercício tinha uma posição desvantajosa em relação ao desafiante", acrescentou, numa referência ao fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecer na lideranças das pesquisas, com Bolsonaro em segundo lugar.

O cientista político Leandro Gabiati apontou o histórico de interferência dos militares em temas da administração pública. "As Forças Armadas têm autonomia e opinam, dão palpite e se manifestam em assuntos que deveriam estar limitados à sociedade civil", disse. "É uma particularidade da nossa democracia. A gente teve o regime militar, que se estabeleceu por 29 anos e que ainda administrou o próprio regime democrático. Essa é uma característica do nosso regime político."

Eleições

Bolsonaro também tem usado as Forças Armadas para encampar suas teorias conspiratórias sobre o processo eleitoral. Ele chegou a sugerir que os militares fizessem uma apuração paralela dos votos, e causou mais tensão entre os Poderes.

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tem sido um agente importante nessas ações. Apesar de afirmar que os militares não querem ser protagonistas, mas que participam do tema porque foram convidados pela Justiça Eleitoral, ele endossa os pedidos de Bolsonaro para que as Forças Armadas façam apurações paralelas e auditorias das urnas eletrônicas.

O PowerPoint apresentado por Bolsonaro na reunião com embaixadores estrangeiros, na semana passada, no Palácio da Alvorada, foi elaborado com o auxílio do tenente-coronel Mauro Cid, chefe da Ajudância de Ordens da Presidência. O militar é alvo de uma investigação que tramita no STF por vazamento de dados sigilosos de um inquérito sobre ameaças às urnas eletrônicas.

Para Marcelo Pimentel, o excesso de interferência dos militares no governo tornou o país instável. "O Brasil, que deveria ser o motivo de estabilidade regional, passa a ser visto como um possível foco de instabilidade. Basta ver o evento com os embaixadores, com os representantes dos chefes de Estado. O vexame internacional protagonizado por um capitão do Exército, numa apresentação em PowerPoint feita pelo seu ajudante de ordem", criticou.

A análise do advogado constitucionalista Guilherme Amorim Campos da Silva é de que os militares estão agindo fora dos limites constitucionais. "Os anteriores convites para seus representantes apresentarem sugestões não os legitimam, em hipótese nenhuma, a questionarem abertamente a confiabilidade do processo eleitoral e o sistema das urnas eletrônicas", ressaltou. "As Forças Armadas constituem uma instituição de Estado, e não de governo, que estão a serviço do presidente da República para politizar o debate."

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