O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a analisar, em 3 de agosto, o Tema 1.199, que dá repercussão geral sobre possível retroatividade das disposições da nova Lei de Improbidade Administrativa (14.230/21). O caso definirá a necessidade de ficar comprovada a intenção de se cometer o crime para que haja a configuração de um ato de improbidade administrativa. Também estabelecerá novos prazos de prescrição a serem aplicados aos processos por malversação de recursos públicos.
As mudanças poderão beneficiar políticos acusados de mau uso de recursos públicos, que respondem ou já responderam a processos, mas que foram beneficiados por liminares e, por isso, podem concorrer nas eleições de outubro. Entre eles, o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.
Para Fabio Medina Osório, ex-advogado geral da União, uma decisão favorável do STF sobre as implicações da possível retroatividade da lei impactará as próximas eleições. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
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O que podemos esperar do julgamento no STF?
O direito administrativo sancionador para o âmbito da improbidade administrativa introduziu-se no Brasil em 1999 com nossa doutrina e, posteriormente, se consolidou na jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e na nova Lei de Improbidade Administrativa, que trouxe a reforma da Lei 8.429/92. A tendência do STF será acolher o princípio da retroatividade das leis mais benignas para favorecer os acusados e investigados.
Muitos políticos ficaram inelegíveis devido à Lei de Improbidade. A retroação desses prazos prescricionais não significará um estímulo à corrupção?
Por ocasião da reforma, atuei contra a eliminação do tipo culposo e totalmente contrário às alterações dos prazos prescricionais. No entanto, os operadores jurídicos precisam aprender a respeitar o princípio democrático, que traduz a vontade do legislador. Penso que é inaceitável uma interpretação distorcida da lei para que se vulnere a soberania do Poder Legislativo. Por outro lado, também é verdade que houve muitos abusos e desvios no manejo de ações de improbidade arbitrárias contra gestores públicos. Muitas buscaram, simplesmente, controlar políticas públicas ou invadir espaços discricionários. Já outras confundiram meros erros administrativos com improbidade. O legislador reagiu aos abusos e ao descontrole no ajuizamento de ações sem unidade instrucional.
A lei passa a prever que somente o Ministério Público tenha a possibilidade de ajuizar uma ação de improbidade contra uma figura pública. Enxerga alguma inconstitucionalidade nisso?
Também critiquei muito essa alteração, pois suprimiu importante prerrogativa legal das advocacias públicas, principalmente da União e dos estados. Mas não vejo inscrita tal prerrogativa das advocacias públicas na Constituição. Portanto, não me parece inconstitucional.
Há possibilidade de o Congresso criar novos modelos de condutas culposas — sem intenção do dolo — fora do que prevê a Lei 8.429/92?
Creio que é constitucional suprimir a improbidade culposa e criar apenas tipos dolosos. Mas a improbidade culposa não resulta em algo incompatível com a Constituição, como não o seria o peculato culposo. O legislador extravagante pode criar tipos culposos, desde que observe a culpa grave. Escrevo sobre isso em minha obra Teoria da Improbidade Administrativa.
Como a nova Lei de Improbidade pode ser mais eficaz no combate ao ato público ilícito?
A nova lei traz mais previsibilidade para as condutas proibidas. É necessário que as instituições fiscalizadoras aprofundem mais as investigações antes do ajuizamento de qualquer ação. O exercício do poder investigatório deve acontecer com responsabilidade e qualidade técnica. Ações devem ser ajuizadas apenas com forte plausibilidade jurídica, pois causam danos irreversíveis nas reputações. Os acordos de não persecução cível e os acordos de leniência devem ser cada vez mais privilegiados como instrumentos de preservação das empresas. A agenda de desenvolvimento do Brasil passa por pautas como previsibilidade e segurança jurídica.
Haverá muitos casos de políticos acusados de improbidade administrativa que serão favorecidos pela prescrição retroativa. Seria o caso, por exemplo, de José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal e que concorrerá a uma vaga na Câmara dos Deputados?
De fato, o legislador, ao escolher prazos prescricionais mais curtos e abolir determinados tipos sancionadores, em se tratando de direito material, optou por normas retroativas mais benéficas no âmbito da improbidade administrativa. O caso do ex-governador José Roberto Arruda é emblemático porque foi enquadrado na repercussão geral e suspenso, mas não conheço as teses debatidas nos autos. O certo é que alguma das teses discutidas nas Tutelas Provisórias nº 4.022 e 4.023 — que, inclusive, foi objeto de recente decisão do STJ —, envolve o enquadramento da demanda na repercussão geral, determinando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial interposto até o julgamento final do Tema 1.119, no STF. Casos análogos a esse serão igualmente contemplados por normas retroativas envolvendo direito administrativo sancionador, que é um ramo jurídico análogo ao direito penal. Ao STF caberá a palavra final. Mas, em se tratando de direito administrativo sancionador, o tratamento deve ser simétrico ao direito penal e, em determinadas garantias, até idêntico.