Na eleição, escolha a democracia

Na longa história humana, a democracia não passa de um breve instante. Durante séculos, na verdade milênios, os homens viveram sob o domínio de governos autocráticos, sem qualquer espaço para autonomia e com liberdade apenas para obedecer. Também é verdade que, desde o inicio das primeiras comunidades humanas na Mesopotâmia e na China até o advento da Revolução Industrial na Inglaterra do século 18, a humanidade não progrediu nada, pelo menos em termos materiais. Tanto o tamanho das populações quanto o valor da produção econômica e o nível de consumo permaneceram basicamente inalterados. É muito arriscado estabelecer, com certeza, relações de causalidade entre eventos históricos, mas não há como não reconhecer que o extraordinário progresso econômico dos dois últimos séculos coincide perfeitamente com o aparecimentos dos primeiros governos democráticos e com os primeiros passos para a cidadania e a liberdade dos homens.

A liberdade política é a condição necessária para a liberdade de buscar conhecimento, de inventar e de empreender. Por isso mesmo, até há pouco tempo só os Estados democráticos alcançaram altos níveis de renda e de bem-estar. A existência hoje de Estados autoritários com economias desenvolvidas e com alto crescimento econômico parece desmentir essa correlação e chega a enganar os espíritos mais apressados. Se examinadas com mais atenção, no entanto, as experiências de capitalismo sem democracia são inteiramente dependentes de relações com os capitalismos democráticos, tanto nos estágios iniciais quanto na fase de maturidade.

O milagre chinês, na sua origem, resultou da importação de conhecimento técnico das economias do Ocidente e da abertura para o comércio com o mundo, para fazer da China um país essencialmente comercial e voltado para a produção da riqueza, sem qualquer ideal utópico como principio fundador da vida social. Na fase madura de sua economia, a China vive de relações com as economias democráticas, seja participando das cadeias universais de valor, criadas pela globalização, seja vendendo para os ricos mercados de consumo do Ocidente. Se a China, por qualquer motivo, ficar isolada das economias capitalistas democráticas, o crescimento definhará em pouco tempo e ela voltará para os tempos da estagnação secular que marcou a longa história. O capitalismo chinês é um apêndice da economia ocidental e não viveria sem ele. A China autocrática precisa da democracia dos outros.

Faço essas considerações para argumentar que a democracia é um bom negócio e pode ser defendida por razões exclusivamente pragmáticas, já que a discussão de valores parece cada vez mais irrelevante nestes tempos de cinismo corrosivo. Se temos alguma esperança de voltar ao crescimento da economia, o ponto de partida é a garantia de um governo democrático. A defesa da democracia está se tornando uma tarefa necessária e até urgente, entre nós. E não pela ameaça das lideranças políticas ou militares, mas principalmente pelos conflitos que estão se formando no interior da própria sociedade.

A democracia só é possível quando a tolerância é o estado de espírito das grandes maiorias. Nas disputas políticas, o que deve estar em jogo não são as questões existenciais que separam irremediavelmente as pessoas. Como disse uma vez Raymond Aron, uma grande voz da razão, a política não é jamais a luta entre o bem e o mal, mas apenas do preferível contra o detestável.

No Brasil destes dias, a sociedade está se separando em facções irreconciliáveis, alimentadas pelo medo e pela maldição das certezas absolutas, como se a própria existência da nação estivesse em jogo. O vencedor herdará uma nação em pedaços, pobre como antes, mas sem esperança de remédio. Para todos os que estão fazendo da política uma guerra, ficam as palavras de Camus: se existisse um partido para aqueles que não têm certeza de que estão certos, eu seria dele. Na democracia, todos podem vencer e todos podem perder. Se não for assim, não é numa democracia que estamos vivendo.