A menos de três meses das eleições, o Brasil enfrenta momentos de tensão em meio ao acirramento político. No Rio de Janeiro, um artefato com fezes foi lançado perto do comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em Brasília, o juiz que mandou prender o ex-ministro Milton Ribeiro teve o carro atacado com dejetos e terra. Agora, as forças de segurança trabalham para evitar que novos atentados aconteçam neste contexto — com consequências que podem ser ainda mais graves.
Os episódios desta semana não são isolados. Em fevereiro, Lula mudou-se de São Bernardo do Campo para São Paulo por motivos de segurança. No fim de junho, um drone jogou fezes e urina em outro evento da pré-campanha que teve a presença de Lula, em Belo Horizonte. Diante da situação, pré-candidatos reforçaram a segurança e deixaram de divulgar trajetos e horários exatos dos compromissos pré-eleitorais.
Investigações da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) apontam que grupos de ódio e radicais políticos se reúnem nas redes sociais e fóruns anônimos para organizar ataques a políticos e instituições. Na maioria das vezes, essas agressões ficam circunscritas ao meio virtual, com a disseminação de notícias falsas e xingamentos direcionados a autoridades, por exemplo. No entanto, a cada dia, cresce mais o número de atos hostis no mundo real.
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Jornal é alvo
Veículos e profissionais de imprensa também são ameaçados. Além das intimidações pela internet a diversos comunicadores, nesta semana, a sede do jornal Folha de S.Paulo, na capital paulista, foi atingida por um projétil disparado durante a noite. Segundo o diário, jornalistas que estavam no local escutaram um estampido vindo da rua. O tiro quebrou a janela da redação, mas ninguém se feriu.
Além da polícia e do Poder Judiciário, a escalada de atentados também chama atenção dos congressistas. Em audiência pública no Senado, nesta semana, o senador Humberto Costa (PT-PE) destacou que ataques contra a vida de candidatos cresceram exponencialmente nos últimos quatro anos. Ele destacou a obrigação dos poderes Legislativo e Executivo de promover um ambiente de segurança institucional e jurídica para a preservação da democracia.
"Atos violentos têm sido uma prática comum em várias regiões do país. Os casos de violência política não atingem só políticos. Jornalistas, ativistas sociais, ambientalistas, inúmeros profissionais que lutam pela manutenção da democracia no nosso país são alvos constantes da intolerância daqueles que não admitem o contraditório, a oposição. O sistema eleitoral brasileiro não está livre desses ataques", disse o parlamentar.
O advogado Lucas Fernando Serafim Alves, especialista em direito penal, ressaltou que a legislação brasileira não tem uma punição específica para ataques no contexto político. "Por mais que nós tenhamos uma circunstância — que é um aumento dessa violência sistêmica contra o Judiciário, contra políticos, contra o jornalismo — é difícil punir isso de uma maneira geral. É preciso reprimir essas ações individuais para que cause um amedrontamento desta prática criminosa", recomendou.
A advogada Amanda Bessoni Boudoux Salgado afirma que, no meio virtual, a lei já prevê casos de ameaças e intimidações. "Condutas como o envio de mensagens ameaçadoras por redes sociais ou por ataque a bens da vítima, como seu veículo, residência etc. podem configurar crimes caso essas ameaças sejam da provocação de mal injusto e grave, além de delitos contra a honra (como injúria) e, a depender do ocorrido, crime de dano caso seja destruído, inutilizado ou deteriorado o patrimônio da vítima", explica.
O advogado Raul Abramo Ariano, especialista em direito penal econômico, do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, destaca a gravidade dos últimos acontecimentos, especialmente, no Judiciário. “A garantia de meios para que os magistrados decidam livres de constrangimentos público e atentados contra suas integridades físicas é de último interesse público. Atentar contra os membros do judiciário, em última análise, é atentar contra a própria democracia, cuja premissa é o exercício independente do órgão judicial”, afirmou.
“Não se pode normalizar a intimidação dos magistrados por desempenharem suas funções, quer concordemos ou não com suas decisões. Há aqui uma nítida linha divisória civilizatória que, se ultrapassada, é de difícil retorno”, disse Ariano.
Candidatos terão reforço na segurança
A Polícia Federal se prepara para agir em casos extremos por causa do cenário polarizado. A corporação se reuniu com partidos para traçar uma estratégia sobre a segurança e o número de agentes que devem atuar na proteção dos candidatos à Presidência durante a campanha eleitoral, que se inicia, oficialmente, em 16 de agosto.
Diante do cenário incerto e do contingente que essa segurança vai demandar, vários agentes têm passado por treinamento especializado na Academia de Polícia Federal. A corporação estima em 30 o número de policiais destacados para proteger cada candidato — contingente que pode mudar dependendo do grau de risco.
Juiz de Fora
A instituição tem antecipado suas ações na elaboração de planejamento operacional para as eleições presidenciais de 2022. A corporação teme atentados violentos contra os presidenciáveis, como o que aconteceu em 2018, com Jair Bolsonaro (PL), em Juiz de Fora (MG), quando o então candidato à Presidência sofreu um golpe de faca na região do abdômen, desferido por Adélio Bispo de Oliveira.
O especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna observa que a Polícia Federal adotou a estratégia de segurança após o episódio envolvendo Bolsonaro. "Nas últimas eleições, o Brasil mudou o conceito de proteção de candidatos durante o processo eleitoral. Nós não tínhamos casos concretos. Tínhamos ameaças, questionamentos, agressividade verbal, pela internet, mas nunca um caso real", ressalta. (LP)