Único a votar contra a proposta de emenda à Constituição (PEC) que aumenta os benefícios sociais, o senador José Serra (PSDB-SP) argumentou ter tomado a decisão porque as medidas são “de cunho eleitoral”, aprovadas a toque de caixa, sem “nenhuma avaliação mais cuidadosa dos aspectos fiscais, distributivos e econômicos”.
“Coincidência ou não, a três meses das eleições. Em dois dias, o Senado aprovou a matéria, sem que tivéssemos o texto final consolidado no início da votação”, ressaltou. “Jamais negaria a necessidade de aprovar medidas que levem comida a quem tem fome. Desse modo, contudo? Por que agora, mas não antes? Os únicos beneficiados pelo modo como tudo se deu são governo e parlamentares.”
O senhor foi firme ao se posicionar contrariamente à PEC, por conta da bomba fiscal e dos impactos, mas sobre resultados a curto prazo, acha que pode haver ganhos suficientes?
Não consigo ver a necessidade de usarmos uma PEC para veicular a matéria de que trata essa emenda à Constituição. Milhões de famílias brasileiras passam fome há tempos; há tempos são frequentes os acidentes provocados pela falta de gás de cozinha para o preparo de alimentos. Taxistas e caminhoneiros sentem a alta de combustíveis, mas também os motoristas de aplicativos e motociclistas. A sociedade em geral vive uma crise severa. De repente, não mais do que repente, surge uma PEC para autorizar gastos da ordem de R$ 41 bilhões. Coincidência ou não, a três meses das eleições. Em dois dias, o Senado aprovou a matéria, sem que tivéssemos o texto final consolidado no início da votação. Nenhuma avaliação mais cuidadosa dos aspectos fiscais, distributivos e econômicos da PEC. Nada. Jamais negaria a necessidade de aprovar medidas que levem comida a quem tem fome. Desse modo, contudo? Por que agora, mas não antes? Os únicos beneficiados pelo modo como tudo se deu são governo e parlamentares.
Quais são os impactos desses pacotes do governo: PEC 15 e 16 e o PLP 18?
São medidas de cunho eleitoral, com impactos fiscais, econômicos e federativos. Tentativas desesperadas de reduzir preços de combustíveis. Transferências de renda e subsídios. Observe que a PEC 15 foi um remédio para tratar dos efeitos colaterais do PLP 18. Quando atuamos às pressas, dá nisso. Medidas com muitos desdobramentos, nem sempre previsíveis, são aprovadas de roldão, ao sabor das circunstâncias. Sob o aspecto institucional e fiscal, deixam um legado muito ruim.
Em uma eventual aprovação, a PEC pode ser cassada no STF?
Não poderia afirmar isso, pois eventual declaração de inconstitucionalidade relativa à PEC abrange aspectos jurídicos de cunho material e processual.
Muitos senadores discursaram contra o projeto, mas votaram a favor. Até que ponto o período eleitoral influenciou? Ou alguns acham que vale a pena uma resposta de curtíssimo prazo?
Só posso entender a postura de muitos senadores na chave do medo, do receio de ser malvisto pela opinião pública. A PEC autoriza R$ 26 bilhões adicionais para o programa Auxílio Brasil; outro tanto para o vale-gás, afora transferências para segmentos como caminhoneiros, taxistas e produtores de etanol. Acredito que muitos se perguntaram: como votar contra isso e fazer com que a opinião pública entenda meus motivos? Não é fácil, reconheço. Minha decisão não foi fácil. Acredito, pelas reações até aqui, que boa parte das pessoas me entendeu. É bom sentir que muitos brasileiros compreendem os dilemas de decisões políticas tão sensíveis como as que envolveram a PEC.
O próprio governo avaliava a PEC como kamikaze, mas avançou com o projeto. Como o senhor classifica esse movimento?
O Senado Federal fez exatamente o que o governo queria: aprovou dezenas de bilhões em gastos, protegendo o governo, ao menos em princípio, contra qualquer responsabilização por violar regras fiscais ou eleitorais.
Do ponto de vista político, fazendo uma comparação desde 1988 até aqui, como analisa o nível da política brasileira?
Sinto falta de ter ao meu lado mais políticos movidos por ideais e princípios, pessoas que bem compreendiam os dilemas e responsabilidades da função política. Houve um tempo na nova democracia brasileira quando, entre erros e acertos, sentíamos que o país avançava. Havia legados positivos. Os retrocessos são tantos nos últimos anos, de tantas naturezas, que confesso sentir alguma nostalgia.
E a CPI do MEC? Acha que tem chance de avançar?
Creio que há uma pressão popular forte para isso.
Sobre o cenário eleitoral: PSDB terá candidato? Acredita em uma virada em relação à polarização? Como avalia uma eventual vitória de Bolsonaro ou Lula?
Eu sigo defendendo que o PSDB tenha candidatura própria, mas, se o partido optar pelo candidatura da senadora Simone (Tebet), terá meu apoio. Eu espero que, até outubro, possamos oferecer uma terceira opção aos brasileiros.
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