Os manifestos em defesa da democracia, das urnas eletrônicas, da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF) — um deles articulado por ministros aposentados da Corte, professores e alunos da tradicional faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP); o outro, pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), com apoio da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) — sinalizam um grande movimento de placas tectônicas na política brasileira.
Representam a reação da sociedade civil à narrativa golpista de Jair Bolsonaro (PL), principalmente depois da reunião com diplomatas de cerca de 70 países, na qual levantou suspeitas sobre o sistema eleitoral e atacou os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, Édson Fachin e Alexandre de Moraes. O fato de o presidente ter anunciado a intenção de convocar uma manifestação para o 7 de setembro, dia do Bicentenário da Independência, com o propósito de confrontar o Supremo, como anunciou no domingo passado, na convenção eleitoral do PL, deu mais repercussão aos manifestos, que podem chegar a um milhão de assinaturas de personalidades dos mundos jurídico, empresarial, acadêmico, científico e artístico.
A 63 dias do primeiro turno das eleições, os dois manifestos sinalizam um realinhamento de forças políticas e sociais de muita envergadura, cujas consequências eleitorais não estão ainda definidas, mas revelam o profundo isolamento político de Bolsonaro, dos generais que o cercam e dos políticos do Centrão que controlam o Orçamento do governo. O inegável prestígio popular, que mantém uma base eleitoral bastante resiliente, e o peso da utilização da máquina governamental para desequilibrar a eleição a seu favor, por meio da aprovação da PEC da Eleição, não vêm sendo suficientes para reduzir os índices de rejeição de Bolsonaro, o que mantém a polarização e a radicalização políticas, mas não a sua expectativa de poder.
A forte repercussão negativa aos pronunciamentos dele contra a urna eletrônica e o STF também aprofundou seu isolamento internacional. E pôs uma saia justa no seu ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que vinha sendo o porta-voz das infundadas suspeitas em relação à segurança das urnas eletrônicas.
Na quinta-feira, reunidos em Brasília, ministros da Defesa de 21 países assinaram uma carta em que se comprometem a manter e defender a democracia, a paz na região e reconhecer a soberania dos países. A 15ª Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CMDA) já estava prevista, porém serviu para o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, cobrar "devoção à democracia" de ministros da Defesa de países das Américas, num claro recado aos generais que formam o estado-maior de Bolsonaro no governo, entre os quais o vice Walter Braga Neto e o próprio Nogueira.
Alianças
Austin afirmou que as forças armadas devem se manter "sob firme controle civil" e que as instituições militares precisam ser transparentes. Foi mais um dos seguidos sinais emitidos pelo presidente norte-americano Joe Biden, de que Bolsonaro não deve embarcar numa aventura golpista. Essas advertências encontram eco na sociedade, principalmente na elite política, jurídica e empresarial do país, e entre os militares, cujas relações históricas com os Estados Unidos foram tecidas a partir da entrada no Brasil na II Guerra Mundial, com o envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) aos campos de batalha da Itália.
Na medida em que mantém seu favoritismo, a expectativa de poder está se transferindo cada vez mais para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ocorre que não existe uma relação mecânica entre o descolamento do establishment empresarial e jurídico do governo Bolsonaro, revelado pelos manifestos, e o apoio eleitoral desses segmentos ao petista. Os atos são de caráter suprapartidário e, de certa forma, alimentam as esperanças dos candidatos Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) de que ainda possa haver espaço para uma terceira via. Ambos apostam que a alta rejeição de Bolsonaro pode levar os eleitores antipetistas a buscar uma alternativa.
É aí que Lula, macaco velho de eleições, se movimenta para consolidar a polarização com Bolsonaro e tentar vencer o pleito no primeiro turno. Primeiro, tirou o salto alto e resolveu conversar com André Janones (Avante) para remover sua candidatura, que oscila na faixa entre 3% e 2% dos votos — uma diferença que pode levar a eleição para o segundo turno.
O parlamentar mineiro é um fenômeno das redes sociais e tem muita penetração no eleitorado jovem. Lula também negocia a retirada da candidatura de Luciano Bivar (União Brasil), que não tem expressão eleitoral significativa, mas dispõe de muito tempo de rádio e televisão e é um desafeto figadal de Bolsonaro. No pacote desse acordo, pode haver um acerto tácito na Bahia, que é o quarto colégio eleitoral do país e no qual o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil) desponta como favorito — tem quase 40 pontos de vantagem em relação ao petista Jerônimo Rodrigues, o segundo colocado.
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