Apesar de o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, ter participado do encontro do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, o Itamaraty insiste em afirmar que não integrou a organização do evento. A chancelaria, inclusive, reiterou que, como o encontro foi realizado pelo Palácio do Planalto, nem tinha como divulgar a lista das autoridades presentes.
Mas o especialista em política internacional Dawisson Belém Lopes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador visitante da Universidade de Oxford, ressaltou que esse atropelo do Itamaraty pelo Planalto foi um sinal de desprestígio de França que, se tivesse autoestima, já teria pedido demissão. "É natural que, agora, o Itamaraty tente se distanciar, porque ou ele foi atropelado, ou ele, de um jeito ou de outro, ajudou na organização. Não dá para imaginar que o ministro tenha sido ignorado pelo Planalto", argumentou.
França, por sinal, pode ter de dar explicações na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado quando acabar o recesso parlamentar. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) protocolou, no dia seguinte à reunião, um requerimento de convocação do ministro. "Diplomatas ficaram abalados durante a reunião convocada pelo presidente Jair Bolsonaro. A acusação de fraude do sistema eleitoral é uma prática populista daquele que está prestes a perder as eleições, assim como ocorreu nos Estados Unidos sob a gestão de Donald Trump, que insuflou seus apoiadores a recusar o resultado das eleições de 2020 e a invadir o Congresso norte-americano", justificou o parlamentar, em comunicado. Procurada, a presidente da CRE, senadora Kátia Abreu (PP-TO), não retornou até o fechamento desta edição.
De acordo com a assessoria do Planalto, 72 embaixadores estrangeiros participaram da reunião. Segundo fontes próximas a eles, as reações foram diversas.
Alguns gostaram da oportunidade de pisar, pela primeira vez, no Alvorada. "Como embaixador, nos sentimos prestigiados de ter interação com o presidente da República e, nessa ocasião, ouvir sobre os preparativos do Brasil para as eleições", afirmou um embaixador que compareceu ao encontro.
A maioria, porém, assistiu ao discurso de Bolsonaro com certa preocupação. "O presidente tentou transmitir sua versão sobre o assunto. Não foi agressivo, embora tenha repetido algumas acusações, e, portanto, não houve nenhuma novidade no discurso. Não julgamos que possa haver problemas, mas esperamos que as eleições de outubro se processem com normalidade, tranquilidade e sem violência", disse outro diplomata.
Dawisson Belém Lopes, da UFMG, avaliou que os embaixadores que conhecem o contexto brasileiro e suas variáveis domésticas olham com desconfiança e um certo distanciamento as declarações de Bolsonaro.
O acadêmico classificou a reunião como uma "automutilação", porque o presidente fez o contrário do que um governante costuma fazer na diplomacia. "Bolsonaro reza a missa no avesso. Ele tentou emitir uma mensagem de um Brasil fraco, que está em combustão e que os poderes brigam entre si, praticamente no limite de uma guerra civil. Isso é absolutamente inédito e prejudicial ao país", alertou. Na avaliação dele, diante desse cenário, um investidor sério vai pensar duas vezes em colocar o dinheiro dele no país pintado pelo chefe do Executivo aos embaixadores.
O especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, também demonstrou preocupação com os riscos institucionais. "Creio que aumenta a preocupação de alguns parceiros. Um dos pilares de qualquer tentativa de golpe é o reconhecimento internacional, tão pouco existe qualquer sinalização de que Bolsonaro conseguirá isso com eventos desse tipo", alertou. (Com colaboração de Rodrigo Craveiro)
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