“Eu só ouvi ele nitidamente gritando ‘Aqui é Bolsonaro, porra!’. Aí dentro de dois minutos começou o tiroteio”. A declaração da vigilante Daniele Lima dos Santos revela que o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho fez menção ao presidente Jair Bolsonaro (PL) pouco antes de atirar contra o guarda municipal Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PA), na noite de 9 de julho. A mulher trabalhava no clube em que o assassinato de Arruda ocorreu, durante a festa de comemoração dos 50 anos do petista — cujo tema era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em um vídeo publicado pelo Uol, que é o momento no qual a vigilante presta o depoimento para a Polícia Civil do Paraná, mostra que a mulher chegou a pensar que Jorge tentou intimidá-la durante as duas vezes que esteve no clube. Isso porque, segundo ela, ele quase a atropelou no momento em que voltou ao local do crime, antes de disparar contra Arruda.
Daniele fazia uma ronda no local quando viu o carro de Jorge deixar a chácara, momentos após o primeiro encontro ele e Marcelo. A vigilante disse que o policial saiu “cantando pneu” e disse ter ouvido ele falar o nome do presidente para a mulher dele. “Ele estava com o vidro aberto, porque vi que ele estava com a mulher e uma criança. A mulher dele parecia assustada, mas achei normal, talvez ela não tinha gostado do lugar”, disse à polícia.
Cerca de 20 minutos depois, ela viu o carro voltar ao local, em alta velocidade. Daniele, que fazia a ronda de moto, viu no retrovisor que o veículo não iria desviar dela. “Falei ‘de novo?’, achei estranho, pensei que ele queria me intimidar, porque da primeira vez ele saiu do local cantando pneu. Mas pensei que era coisa da minha cabeça. Mas dessa segunda vez ele veio pra cima. Eu joguei a moto para o lado. Ou eu jogava a moto ou ele passava por cima”, relatou. O episódio ocorreu na estrada que levava até o clube.
Assustada, ela informou ao colega com quem dividia o turno que “um cara tentou me matar” e os dois foram procurar o homem. Foi o momento em que ela ouviu o grito ‘Aqui é Bolsonaro’ e os disparos. Quando ela e o parceiro de trabalho chegaram ao local, o tiroteio já havia começado “a cerca de um minuto”. Era por volta das 23h54. “Procurei achar apoio, ligar para polícia", disse.
Daniele confirmou, também, que ela era a autora de um áudio que viralizou em grupos no qual ela afirmava “um cara no carro quase me atropelou gritando Bolsonaro”. Ela disse que enviou a mensagem para o patrão, antes dos disparos.
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Depoimento não foi citado na conclusão do inquérito; defesa critica posicionamento da polícia
O depoimento de Daniele não é citado na conclusão do relatório final da investigação. Na sexta-feira (15/7), a Polícia Civil do Paraná anunciou a conclusão do inquérito do caso com o indiciamento de Jorge Guaranho por homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. A delegada do caso, Camila Cecconello, afirmou que o episódio não se tratava de crime de ódio por motivação política, e sim o resultado de uma discussão que virou pessoal.
No entanto, a polícia admite que Jorge foi até o local e causou a primeira discussão por motivação política, mas disse que não há provas suficientes para constatar crime de ódio. Na conclusão do caso não há menção do vídeo do depoimento de Daniele, que confirma a menção ao presidente Bolsonaro minutos antes dos disparos.
"Não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão", declarou Cecconello.
O relatório de conclusão foi duramente criticado pelos advogados de defesa da família de Marcelo Arruda. "O relatório apresentado é recheado de contradições e imprecisões que demonstram a deficiente formação do mesmo", declararam os advogados Daniel Godoy Junior, Paulo Henrique Zuchoski, Andrea Pacheco Godoy e Ian Martins Vargas, que atuam na defesa da família de Marcelo Arruda.
"Como o autor do fato vai à festa de Marcelo — evidenciado o conteúdo político do evento — senão para impedi-lo ou frustrá-lo? Faria o mesmo se fosse um aniversário sem conteúdo político decorativo?", indagaram.
Dinâmica do crime, de acordo com a polícia
Para esclarecer a sequência dos fatos que culminaram na morte de Arruda, a delegada destacou o depoimento da esposa do assassino, que estava no carro, com a filha no colo, quando ele entrou pela primeira vez no estacionamento da associação em que a festa ocorria. Ela não testemunhou o assassinato. Segundo a investigação, Guaranho estava em um churrasco com amigos quando soube da ocorrência de uma festa com temática petista no salão da associação da qual é diretor. Um dos amigos mostrou a ele, na tela de um celular, imagens do circuito interno do salão.
Guaranho decidiu ir até lá com a intenção de provocar as pessoas que participavam da comemoração. No estacionamento da associação, segundo testemunhas, ele começou a gritar "Bolsonaro", "Mito", "Lula ladrão" e aumentou o som do carro, que tocava um jingle de apoio ao presidente. Arruda saiu do salão, começou a discutir com Guaranho e jogou um punhado de terra contra o veículo do agente penitenciário. "Fica muito claro que houve uma provocação e uma discussão em razão de política", conclui a delegada.
Guaranho foi para casa, deixou a esposa e a filha lá e voltou sozinho ao local da festa. Ao chegar, saiu do carro já com arma em punho e seguiu na direção do salão, atirando para dentro. A mulher de Arruda ainda tentou impedir que o agressor continuasse disparando tiros. Já baleado, o guarda municipal reage, atira 10 vezes e acerta quatro disparos no agente penitenciário. Segundo a delegada, Guaranho atirou quatro vezes e acertou dois tiros em Arruda. Caído, o bolsonarista levou chutes na cabeça por frequentadores da festa, que serão alvo de investigação.
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