investigação

Família de petista assassinado espera que MP aponte crime político

Parentes de Marcelo Arruda — tesoureiro do PT assassinado pelo bolsonarista Jorge Guaranho — se revoltam com a conclusão da polícia do Paraná de que motivação do homicídio não teve relação com partidos. Pressa para fechar inquérito é questionada

Vinicius Doria
postado em 16/07/2022 06:00
 (crédito: Divulgação)
(crédito: Divulgação)

Na véspera da missa de sétimo dia do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR), o guarda municipal Marcelo Arruda, a Polícia Civil do Paraná decidiu indiciar o agente penitenciário federal Jorge Guaranho por homicídio duplamente qualificado, após analisar as imagens da festa de aniversário da vítima — com temática inspirada no PT — e colher 17 depoimentos. Segundo a delegada que conduziu as investigações, Camila Cecconello, chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o crime não teve motivação política. O resultado da apuração policial, divulgado ontem, provocou críticas não só dos advogados da família de Arruda, como de juristas e políticos, que estranharam a rapidez com que a polícia do Paraná concluiu os trabalhos.

"O relatório apresentado é recheado de contradições e imprecisões que demonstram a deficiente formação do mesmo", declararam os advogados Daniel Godoy Junior, Paulo Henrique Zuchoski, Andrea Pacheco Godoy e Ian Martins Vargas, que atuam na defesa da família de Marcelo Arruda. "Como o autor do fato vai à festa de Marcelo — evidenciado o conteúdo político do evento — senão para impedi-lo ou frustrá-lo? Faria o mesmo se fosse um aniversário sem conteúdo político decorativo?", indagaram.

Para a defesa, a polícia não poderia tirar conclusões como essas sem o resultado de perícias nos bens apreendidos, como o celular de Guaranho. Também criticou o fato de a polícia não aceitar a produção de provas pela família da vítima. Os advogados estão convencidos de que poderão comprovar a motivação política do crime.

Guaranhos continua internado em estado grave em um hospital de Foz do Iguaçu. A advogada dele, Poliana Lemes Cardoso, declarou que vai aguardar a conclusão do inquérito, mas adiantou uma das linhas de argumentação que a defesa pretende adotar: a de que o agente penitenciário só voltou à festa por ter se sentido "agredido" pelo petista. "A motivação dele, efetivamente, foi retornar em razão da primeira e injusta agressão que feriu a honra dele."

O Ministério Público do Paraná informou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) oferecerá denúncia dentro do prazo legal. A família de Arruda espera que o MP acolha a acusação de crime político e determine novas diligências para produção de provas. Na avaliação dos advogados, que pretendem apresentar um pedido para atuar como assistentes da acusação, as imagens da festa e os depoimentos "evidenciam a prática de homicídio qualificado motivado por ódio em face de razões políticas".

"Ofendido"

De acordo com a delegada Cecconello, apesar de reconhecer que Guaranho, um admirador do presidente Jair Bolsonaro, foi à festa com intuito de fazer "provocações", não é possível caracterizar o assassinato como crime de ódio motivado por divergências políticas. A polícia considerou que houve apenas dois agravantes, que podem deixar a pena mais dura para Guaranho: motivação torpe e exposição ao risco das pessoas que estavam na festa.

Em entrevista coletiva, perguntada por que não foi imputado ao crime um terceiro agravante, a impossibilidade de defesa da vítima, a delegada respondeu que Marcelo pegou "sua arma de fogo como proteção de um eventual retorno do autor". Na sequência, "aponta a arma de fogo quando vê a volta do autor (Guaranho), porque já sabia que o autor estava armado". E concluiu que "é uma atitude natural da vítima querer se defender".

Para sustentar as conclusões, Cecconello dividiu a dinâmica do crime em duas partes, baseada no fato de que Guaranho foi à festa duas vezes: na primeira, estava com a mulher e a filha de 3 meses no carro. Na segunda, cerca de 20 minutos depois, ele já estava sozinho e desceu do veículo com arma em punho. Os primeiros tiros foram desferidos com Guaranho ainda do lado de fora do salão.

"Não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão", declarou Cecconello. "Para enquadrar em crime político contra o Estado democrático de direito tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar a pessoa de exercer seus direitos políticos. Quando chegou (ao local do crime pela primeira vez), ele (Guaranho) não tinha a intenção de efetuar os disparos. Esse acirramento da discussão fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio."

Dinâmica do crime

Para esclarecer a sequência dos fatos que culminaram na morte de Arruda, a delegada destacou o depoimento da esposa do assassino, que estava no carro, com a filha no colo, quando ele entrou pela primeira vez no estacionamento da associação em que a festa ocorria. Ela não testemunhou o assassinato. Segundo a investigação, Guaranho estava em um churrasco com amigos quando soube da ocorrência de uma festa com temática petista no salão da associação da qual é diretor. Um dos amigos mostrou a ele, na tela de um celular, imagens do circuito interno do salão.

Guaranho decidiu ir até lá com a intenção de provocar as pessoas que participavam da comemoração. No estacionamento da associação, segundo testemunhas, ele começou a gritar "Bolsonaro", "Mito", "Lula ladrão" e aumentou o som do carro, que tocava um jingle de apoio ao presidente. Arruda saiu do salão, começou a discutir com Guaranho e jogou um punhado de terra contra o veículo do agente penitenciário. "Fica muito claro que houve uma provocação e uma discussão em razão de política", conclui a delegada.

Guaranho foi para casa, deixou a esposa e a filha lá e voltou sozinho ao local da festa. Ao chegar, saiu do carro já com arma em punho e seguiu na direção do salão, atirando para dentro. A mulher de Arruda ainda tentou impedir que o agressor continuasse disparando tiros. Já baleado, o guarda municipal reage, atira 10 vezes e acerta quatro disparos no agente penitenciário. Segundo a delegada, Guaranho atirou quatro vezes e acertou dois tiros em Arruda. Caído, o bolsonarista levou chutes na cabeça por frequentadores da festa, que serão alvo de investigação.

Juristas criticam celeridade

As conclusões da polícia paranaense em relação ao crime de Foz do Iguaçu foram objeto de críticas de juristas e advogados ouvidos pelo Correio. Eles estranharam a rapidez do inquérito e as explicações dadas pela delegada que conduziu o caso, Camila Cecconello, chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). É consenso que a polícia se precipitou ao afastar a possibilidade de crime político no assassinato do tesoureiro do PT, o guarda municipal Marcelo Arruda, pelo agente penitenciário federal Jorge Guaranho, simpatizante do presidente Jair Bolsonaro.

Marcelo Moura, doutor em direito e professor de direito penal da Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul, viu nas conclusões da polícia "uma celeridade inédita". Para ele, as instituições deveriam ser mais cuidadosas na hora de divulgar informações sobre casos como esse, que mobilizam o interesse da opinião pública. Há pontos em aberto que precisam ser esclarecidos, na visão do professor, como a falta do resultado da perícia nos telefones celulares apreendidos, que poderiam, "em tese, indicar premeditação".

Moura também questiona a falta de informações sobre os depoimentos das pessoas que estavam na festa. "Casos assim exigem um tempo maior para maturação e produção de elementos probatórios", disse.

A advogada criminalista e especialista em direito penal Hanna Gomes concorda que a investigação foi "muito rápida" e levanta outra questão. Para ela, a polícia não poderia encerrar o inquérito sem antes ouvir o próprio acusado, que está internado em estado grave. "Se ele não tem condições para prestar depoimento, a investigação deveria aguardar", frisou.

Hanna Gomes também critica o fato de a polícia paranaense não pedir à Justiça o sigilo das investigações para um caso de tamanha repercussão na opinião pública. O sigilo, explica, se faz necessário para "não haver vazamento de informações e não prejudicar as diligências".

Para Hanna Gomes, a pressa em divulgar conclusões pode prejudicar todo o andamento do processo. Ela argumenta que é preciso analisar com profundidade os depoimentos das 17 testemunhas, checar redes sociais e promover novas diligências. "A gente percebe que houve precipitação. Com tantas pessoas (envolvidas) e tantas versões, foi tudo muito rápido, o que não é comum no Brasil, em que o normal é a autoridade policial pedir prorrogação de prazos à Justiça."

Caso considere que a investigação foi malfeita ou que há lacunas, o Ministério Público poderá devolver o inquérito à Polícia Civil do Paraná, para que faça novas diligências. O próprio MP também pode assumir diretamente as apurações. "Muita coisa a autoridade policial pode ter deixado de diligenciar, isso prejudica o processo, a busca pela verdade do fato. A delegada é a primeira autoridade com poder de investigação. Quando ela não traz a relatoria completa, isso pode prejudicar o processo e, no fim, a própria sentença", destacou Hanna Gomes.

O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ironizou a rapidez da polícia do Paraná. "Um espanto! Uma investigação com uma velocidade supersônica", declarou, em nota. Para ele, um severo crítico do governo Bolsonaro, "a motivação do crime no assassinato do Marcelo Arruda é obviamente política" e que "a dificuldade de reconhecer o óbvio talvez esteja no passo seguinte: quem é o responsável direto pela violência e pela criminalização da política e das relações entre os brasileiros?".

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