Desde que o presidente Joe Biden assumiu a Casa Branca em 2020, as relações entre Brasil e Estados Unidos se distanciaram. Aliado do ex-presidente Donald Trump, Jair Bolsonaro foi o último presidente do G20 a parabenizar Biden pela vitória nas urnas. O presidente dos EUA, por sua vez, reuniu-se com Bolsonaro apenas uma vez, de forma protocolar. Setores do governo americano vêm demonstrando preocupação com os arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. Parlamentares americanos chegaram a enviar um documento ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, em que pedem um relatório sobre as ações das Forças Armadas brasileiras nas eleições.
Professor de história e cultura brasileira na Brown University e presidente do Washington Brazil Office (WBO), James N. Green explica que o governo de Joe Biden tem interesse em acompanhar as eleições brasileiras deste ano. Para ele, os americanos veem grande similaridade entre o que o ex-presidente Donald Trump fez para deslegitimar o processo eleitoral com o que o presidente Jair Bolsonaro está fazendo atualmente no Brasil.
O WBO, liderado por Green, faz uma ponte com parlamentares e com o governo americano para divulgar informações sobre a realidade brasileira. O professor aponta que qualquer que seja o próximo presidente brasileiro, ainda haverá divergências entre Brasil e Estados Unidos. Ele ressalta, porém, que a escolha deve seguir o processo democrático.
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No mês passado, Bolsonaro teve o seu primeiro encontro com Biden, na Cúpula das Américas, em Los Angeles (EUA). Foi uma tentativa de reaproximação entre os dois países?
Eu não diria que há uma aproximação. Eu diria que há uma obrigação diplomática do governo de Biden , por vários fatores e interesses americanos, de ter um contato com o Brasil. Isso, levando em conta que, até a Cúpula, Biden não tinha falado com Bolsonaro, e Bolsonaro foi o último chefe de Estado a reconhecer seu governo. Ou seja, ele tem um relacionamento muito forte com Trump, foi para a Casa Branca, fizeram tentativas de acordos e entendimentos. Biden tenta tomar uma posição muito mais afastada. Pela conjuntura dos interesses que os americanos têm na América Latina, eles queriam ter um representante importante na Cúpula e, por isso, convidaram o Brasil e mandaram o (assessor especial da Casa Branca) Christopher Dodd para fazer isso. Além disso, no ano passado, a CIA (Agência Central de Inteligência, na sigla em inglês) visitou o Brasil e deixou claro que estava defendendo a democracia americana e que não iria apoiar um golpe.
Qual o interesse americano no processo eleitoral brasileiro?
É mais por um trauma que os americanos estão vivendo por causa da invasão do Capitólio. Eles reconhecem em Bolsonaro um Trump. E essa é uma analogia muito nítida na cabeça das pessoas que prestam atenção ao Brasil. No passado, quando eu, com 23 anos, fazia denúncias sobre a ditadura militar, o Brasil era longe, distante, uma ditadura, uma república de bananas. Hoje em dia, é um país continental, e nós somos um país continental. O Brasil tem uma herança de pessoas escravizadas, nós também temos. Tem um cara da ultradireita, Trump, e o Brasil também tem. O fato é que Bolsonaro já avisa que não vai reconhecer os resultados das eleições, já avisa que não confia nas urnas eletrônicas, criando um espaço de contestar os resultados. É muito parecido com o que o Trump fez meses antes das eleições, quando já anunciava que não confiava no correio para enviar (cédulas de) votação, que é uma tradição americana e nunca apresentou problemas. E, depois, (Trump) inventou essa questão de fraude, Durante meses, divulgou essa grande mentira sobre a suposta fraude nas eleições. Quando isso não deu certo, ele mobilizou as milícias para invadir o Capitólio.
Qual o papel do Washington Brazil Office na relação entre os dois países?
A ideia é juntar forças de brasileiros e brasilianistas americanos em uma rede descentralizada, democrática e apartidária para apoiar movimentos sociais populares e defender a democracia no Brasil. Surgiu em uma reunião da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, para abrir um escritório em Washington para defender a democracia, com três ações concretas: fazer um trabalho no Congresso americano, com senadores e deputados, sobre questões progressistas relacionadas ao Brasil; produzir conhecimento sobre a realidade brasileira, especialmente sobre a relação entre os dois países; e o trabalho de ser uma voz, um canal, para que os movimentos sociais brasileiros possam articular suas ideias.
Como é esse trabalho?
Nós trabalhamos com os assessores e com os congressistas, educando eles sobre a realidade brasileira, e eles tomam iniciativas depois. Houve uma carta assinada por 64 deputados americanos (em 2021), que denunciava basicamente o governo Bolsonaro e pedia para o governo Biden tomar cuidado com as relações íntimas com esse governo. Esse desafio nós vamos seguir pelo ano que vem. Caso o (Luiz Inácio) Lula (da Silva) seja eleito, vai ser uma nova conjuntura. A gente vai manter nossa independência, nossa situação apartidária, mas elaborando uma política progressista de relações exteriores sobre o Brasil. Nós temos uma voz poderosa, de americanos e brasileiros morando nos Estados Unidos, então, nós temos certa legitimidade para falar sobre a situação atual.
Que atitudes o governo de Biden deve tomar para desencorajar um possível golpe?
Estamos montando uma comitiva de 16 organizações que vão para Washington, em julho, para falar com o Congresso, com o Departamento de Estado e com ONGs internacionais, justamente para deixar muito claro a preocupação sobre a possibilidade de uma violação do processo eleitoral. A nossa intenção é pressionar o governo Biden para que, quando vir os resultados no dia 30 de outubro, que nós acreditamos que serão limpos e corretos, imediatamente chame o candidato vitorioso para parabenizá-lo, independentemente de quem seja o eleito. Essa é a nossa expectativa, como imagino que vários presidentes e primeiros-ministros da Europa vão fazer ao mesmo tempo. O fato de Biden reconhecer o resultado é uma maneira, também, de impedir as possibilidades de um golpe. Os americanos estão traumatizados com o que foi Trump. E Biden não quer que Bolsonaro seja reeleito. Bolsonaro tem uma certa tendência de copiar os Estados Unidos. Pode ser que ele copie a tentativa de mobilização, de invadir o STF (Supremo Tribunal Federal), invadir o Congresso, fazer alguma coisa para interromper a apuração dos resultados eleitorais, mobilizar as pessoas, milícias. Nunca ninguém imaginou a possibilidade de algo assim acontecer lá nos Estados Unidos, e é totalmente possível de acontecer aqui.
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