A revelação do senador Marcos do Val (Podemos-ES) de que recebeu R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto por ter apoiado a eleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à Presidência da Casa voltou a levantar o debate a respeito da falta de transparência no Congresso sobre a distribuição de recursos públicos.
O partido de Marcos do Val se apressou em fazer uma reprimenda pública ao senador e enfatizou ser contra o esquema instalado no Parlamento — a destinação de recursos das chamadas emendas de relator, as RP-9, que favorece, principalmente, aliados do governo. "Nós, senadores pelo partido Podemos, declaramos que somos contrários ao recebimento de verbas ou recursos provenientes das emendas RP-9 (orçamento secreto). Não compactuamos com essa forma de se fazer política. Entendemos que as emendas individuais e de bancada são suficientes. Sempre defendemos o fim das emendas RP-9", diz a nota.
As declarações de Marcos do Val provocaram reações de outros congressistas. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) disse que vai ingressar com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo a apuração dos fatos e acionará, também, o Conselho de Ética do Senado, na segunda-feira. "Distribuição de dinheiro público como gratificação por voto não é só imoral, é crime", criticou o parlamentar, que sustentou jamais ter recebido recursos do orçamento secreto.
Em entrevista ao Estadão, publicada ontem, Marcos do Val afirmou ter recebido R$ 50 milhões em emendas por "gratidão", por ter apoiado a eleição de Pacheco ao comando do Congresso, em fevereiro de 2021. Ele disse ter sido informado a respeito dos recursos pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que articulou a campanha do político do PSD.
Derrotada por Pacheco naquela eleição (leia Saiba mais), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disparou críticas ao orçamento secreto e defendeu a apuração do caso. "Verbas públicas decididas em salas fechadas para comprar votos na eleição e em votação de projetos são corrupção pura. O orçamento secreto revela a falta de rumo do Brasil e de um presidente refém da velha política que prometeu combater", reprovou, numa referência a Jair Bolsonaro (PL). "Triste país que precisa escolher entre a corrupção do mensalão e do petrolão e a corrupção da educação e do orçamento secreto."
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"Mal-entendido"
Ante a repercussão do caso, Marcos do Val alegou ter sido "mal interpretado". "Fiz referência à existência de critérios no Senado para indicações transparentes de recursos por senadores, inclusive elogiando a postura do presidente Pacheco nesse sentido. Sobre as específicas indicações que fiz de emendas orçamentárias desde que assumi o mandato, isso é uma prerrogativa parlamentar, totalmente lícita, transparente, um compromisso que assumi quando eleito para ajudar o meu estado e municípios", argumentou. "Reforço, mais uma vez, que todo o recurso orçamentário recebido foi destinado ao Espírito Santo e, por iniciativa própria, sempre foram informados na sua integralidade ao Ministério Público do ES. Peço desculpas por eventual mal-entendido."
Pacheco não se pronunciou sobre o assunto. Entretanto, a assessoria dele destacou que se tratava de uma informação "confusa". Alcolumbre também não se manifestou.
Fiscalização
Secretário-geral e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco ressaltou que a falta de identificação da destinação dos recursos, como nomes de participantes das negociações, conota interesse em omitir informações importantes para quem busca fiscalizar o uso de recursos públicos.
"A transparência precária relativa às emendas de relator pode ser constatada quando no próprio site da Câmara, entre os R$ 12,3 bilhões das indicações dos 'autores', cerca de R$ 4 bilhões, ou seja, 1/3 das indicações, são atribuídos a 'usuários externos'. Dentre os usuários externos, existe um classificado simplesmente como "assinante", que indicou R$ 23,6 milhões", destacou o economista. O 'campeão' dos usuários externos' em valores é Carlos Guilherme Junior, aparentemente servidor de uma cidade do interior de São Paulo, que indicou R$ 120 milhões."
Castello Branco destacou que os nomes dos autores são encontrados em, até agora, 56 relações divulgadas, que precisam ser consolidadas para se obter uma visão global das indicações. "Nos portais que apresentam as execuções orçamentárias dessas emendas de relator, não há associação dos programas e ações orçamentárias e dos valores empenhados e pagos com as indicações", frisou. "Além do mais, os dados mostram que os recursos bilionários são distribuídos sem qualquer critério técnico ou parâmetro socioeconômico, o que distorce as políticas públicas e amplia as desigualdades regionais e municipais."
Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) defendeu o modelo e disse que não existe um orçamento secreto, uma vez que a tramitação segue os ritos do Executivo. "Tudo tramita nas áreas técnicas dos ministérios e, depois de aprovado, é repassado o recurso ao município", comentou.
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