O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato da coligação PT-PSB à Presidência nas eleições deste ano, retomou de forma mais constante a defesa de uma bandeira que o acompanha desde a primeira vez que disputou o cargo, em 1989: a regulação dos meios de comunicação — também tratada no jargão da esquerda como controle social da mídia. Em declarações recentes, ele voltou a criticar a concentração econômica do setor.
Na quarta-feira da semana passada, em entrevista, Lula declarou que esse assunto deverá ser objeto de debates com a sociedade civil e com o Poder Legislativo, reduzindo o papel do chefe do Executivo. "Quem vai regular é a sociedade brasileira, não será o presidente da República", disse. Mas, em agosto do ano passado, em entrevista concedida em São Luís, Lula declarou "compromisso público de que vamos fazer um novo marco regulatório dos meios de comunicação".
A proposta de regulação da mídia foi reapresentada pelo PT ao grupo de trabalho interpartidário que elaborou o plano de governo da chapa Lula-Alckmin, mas, na versão final do documento, a tese foi amenizada. Elaborada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, a proposta inicial pregava que "a liberdade de expressão não pode ser privilégio de alguns setores, mas um direito de todos.
Segundo participantes do grupo de trabalho que elaborou a versão final do documento, o tema sequer chegou a ser posto em debate pelos partidos aliados. Mas, após passar pela avaliação de Lula e de seu pré-candidato a vice, Geraldo Alckmin, o texto foi alterado e divulgado sem o trecho que tratava da concentração econômica. Foi incluída, porém, na versão definitiva, uma salvaguarda ao trabalho jornalístico. O plano preconiza que "a democracia clama pela mais ampla liberdade de imprensa".
Mesmo assim, Lula mantém a opinião de que a concentração econômica do setor deve ser objeto de discussão no próximo governo. "Jornal e revista são problemas do dono, faça o que quiser, escreva o que quiser. Mas, àquela mídia que é uma concessão do Estado, é preciso que a gente coloque a sociedade para discutir como é que pode democratizar melhor", sugere.
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Tema contemporâneo
Para o jornalista e doutor em Comunicação Eugênio Bucci, um dos responsáveis pela inclusão do tema na segunda campanha de Lula à Presidência, em 1994, o ex-presidente ainda está olhando para o passado. E ressalta que esse não é um debate entre esquerda e direita, "é da democracia".
Bucci lembra que a mídia é regulada em países como Estados Unidos, Canadá e na maior parte da União Europeia — e que a Constituição, a partir do artigo 220, também prevê a regulamentação e posterior regulação do setor. Mas não pelos motivos que costumam ser mencionados, como a concentração econômica.
"A pessoa reclama que a mídia é controlada por nove ou 10 famílias e, depois, posta as críticas no Twitter ou no Facebook. Isso não faz sentido", disse Bucci, que é um crítico do monopólio global das chamadas "big techs" que são controladas "geralmente, por uma única pessoa."
Ele lista, ainda, mais dois "gargalos" que deveriam ser objeto de regulamentação e regulação. O primeiro, a "ausência de fronteiras claras" entre igrejas e veículos de comunicação. "Igreja é instituição, mídia é negócio. Não pode haver transfusão de interesses ou de recursos entre as duas", aponta.
No caso da concentração econômica, o acadêmico indica que o gargalo está nos mercados regionais. "É preciso ter limites claros para concentração de propriedade. Em uma cidade não pode haver uma única pessoa que controle todos os meios", observa.
Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta — ONG que acompanha a agenda da comunicação no país —, concorda que o debate "precisa ser trazido para o tempo presente". Ela só não acredita que este seja o momento ideal, dada a polarização política no país, ainda mais acirrada pelo período pré-eleitoral.
Blanco lembra que a mídia, hoje, é bem diferente da que era menos de uma década atrás. "Os veículos de imprensa, por exemplo, já não são mais os formadores da opinião pública. O debate, hoje, está no Twitter, no Facebook, que são monopolistas. É preciso reduzir o calor do momento para que a discussão avance", disse.
Ela lembra a ameaça do rápido avanço das notícias falsas no ambiente digital. "O debate das fake news foi contaminado pela polarização. Temos muito mais problemas com as redes sociais nas questões sobre pluralidade e diversidade, e vozes que não são responsabilizadas pelos danos que causam. Não podemos cair na tentação de regular o que não deve ser regulado", explicou.
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