No relatório que remeteu ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) descreve que havia, dentro do Ministério da Educação (MEC), uma estrutura para a "cooptação de prefeitos" por meio de liberação de verbas, que envolveria o gabinete paralelo formado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. O documento, ao qual o Correio teve acesso, mostra também que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro teria se reunido 18 vezes com os dois religiosos que estão sendo apontados como operadores do esquema irregular.
Segundo o documento da PGR, "de tudo o que foi apurado até o momento, percebemos que Arilton tinha, sim, participação ativa junto a prefeitos no que diz respeito a assuntos relacionados ao Ministério da Educação. Foi citado pelos prefeitos de Jaupaci-GO, Jandira-SP e Luis Gonzaga-MA, em algo que chamamos de 'cooptação de prefeitos', sendo uma de muitas outras participações dessa personagem no contexto dos crimes aqui investigados".
O material encaminhado ao Supremo tem 398 páginas. A PGR apontou, ainda, que Ribeiro se reuniu 18 vezes com Gilmar e Arilton em um período de 15 meses.
"Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura teriam se reunido com o ministro da Educação por 18 vezes nos últimos 15 meses, além de haver menção de viagens domésticas na companhia do ministro", diz o relatório.
Ribeiro foi preso em uma investigação que apura o envolvimento nos crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência em um suposto esquema para liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com base em documentos, depoimentos e um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). O caso foi descoberto em março passado. Em áudios divulgados pela imprensa, o ex-ministro afirmou priorizar pastores aliados na liberação de recursos e ainda citou que o favorecimento era um pedido expresso do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Fora de contexto
Em depoimento, Ribeiro disse que as palavras foram colocadas fora de contexto e que usou o termo apenas para prestigiar os religiosos, sem intenção de favorecer alguém. "Aquela afirmação, a da gravação, foi feita como forma de prestigiar o pastor Gilmar, na condição de líder religioso nacional, não tendo qualquer conotação de enfatizar que os amigos do pastor Gilmar teriam privilégio junto ao FNDE ou ao Ministério da Educação", observa a PGR.
No relatório, é destacado o trecho no qual prefeitos teriam confirmado a influência de Gilmar e Arilton junto ao MEC. "Menciona, ainda, que 'o prefeito de Luis Domingues (MA) teria sido recebido pelo ministro de Estado da Educação no próprio Ministério em abril de 2021 e, após a reunião, em um almoço em restaurante em Brasília, Gilmar Silva dos Santos cobrou-lhe uma soma em dinheiro para protocolar no MEC seus pedidos. E que após a liberação dos recursos pelo Ministério deveria pagar-lhe '1 quilo de ouro'".
De acordo com o documento, Arilton teria ficado em silêncio durante o depoimento à Polícia Federal. Já Gilmar disse que mantinha relações com Ribeiro apenas por questões religiosas — além de negar todas as acusações.
"Que tem um relacionamento eclesiástico com Milton Ribeiro, ex-ministro da educação e com o pastor Arilton; que não atuou em nome do ex-ministro da educação Milton Ribeiro na tratativa com prefeitos municipais ou governadores ou qualquer outra autoridade; que não atuou na arregimentação de prefeitos municipais ou governadores ou qualquer outra autoridade para favorecimento ou facilitação em processos", salienta o relatório.
Pastor defende ex-ministro e condena prisão
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada evangélica, avalia que a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foi "juridicamente errada". "Não quero acreditar que tenha sido prisão política. Mas, até agora, prova nenhuma foi colocada", disse o parlamentar, correligionário e apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas ele entende que houve "no mínimo imprudência" por parte de Ribeiro e dos pastores envolvidos no chamado gabinete paralelo do MEC.
Sóstenes reconhece que o episódio da prisão cria desgaste para Bolsonaro em ano eleitoral, mas destaca que o foco da disputa pelo Palácio do Planalto ainda é a economia. Para o deputado, o ministro Paulo Guedes precisa "sair um pouco da cartilha liberal" para enfrentar a crise econômica atravessada pelo país. "Não dá para ser liberal 100% neste momento, mas também não defendo irresponsabilidade fiscal. Precisamos buscar um ponto de equilíbrio", salientou.
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