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Escândalo do MEC tem ex-ministro solto, ameaças e denúncia de interferência

Delegado responsável pela investigação do gabinete paralelo no Ministério da Educação denuncia interferência da própria PF para beneficiar ex-ministro Milton Ribeiro. Juiz do caso recebe "centenas de ameaças" por ter decretado a prisão do ex-integrante do governo

No dia em que a Justiça mandou soltar o ex-ministro Milton Ribeiro, denúncias de interferência indevida da própria Polícia Federal na investigação e de ameaças ao juiz do caso deram contornos ainda mais graves ao escândalo do Ministério da Educação.

Em mensagem a colegas da PF, o delegado Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de detenção de Ribeiro e pela condução das investigações — batizadas de Operação Acesso Pago —, disse que o ex-ministro foi "tratado com honrarias não existentes na lei".

"A investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem (quarta-feira) em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro", afirma o delegado na mensagem. "O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em São Paulo é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial desse caso com independência e segurança institucional", acrescenta.

Logo após a prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, determinou a transferência do ex-ministro de Santos (SP) para Brasília, onde ocorreria a audiência de custódia. A defesa do pastor evangélico, porém, entrou com um pedido para a audiência ocorresse por videoconferência. Além disso, a PF alegou que, por restrições orçamentárias, seria difícil o transporte de Ribeiro em aeronaves próprias da corporação e colocá-lo em um voo comercial representaria risco à sua segurança. Em um primeiro momento, o pedido da defesa foi negado, mas a decisão acabou revista por Borelli. O ex-ministro passou a noite na carceragem da PF em São Paulo.

Na mensagem a colegas, Calandrini classifica o cancelamento da transferência para Brasília como atípico e prejudicial às investigações. "Quantos presos de Santos, até ontem (quarta), foram levados para a carceragem da SR/PF/SP?", diz o delegado. "Manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton a Brasília à revelia da decisão judicial."

As alegações do delegado levaram a corporação a abrir uma investigação. "Considerando boatos de possível interferência na execução da Operação Acesso Pago e objetivando garantir a autonomia e a independência funcional do delegado de Polícia Federal, conforme garante a Lei nº 12.830/2013, informamos que foi determinada a instauração de procedimento apuratório para verificar a eventual ocorrência de interferência, buscando o total esclarecimento dos fatos", informou a PF, em nota.

Também ontem, a assessoria da Justiça Federal do Distrito Federal informou que o juiz Renato Borelli passou a sofrer "centenas" de ameaças e intimidações, via telefone e internet, de grupos ligados ao ex-chefe do MEC, desde que ordenou a detenção. Um pedido de investigação sobre as ameaças foi encaminhado à PF.

A audiência de custódia da qual Ribeiro participaria, por videoconferência, com Borelli acabou suspensa ontem mesmo, após a decisão do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que mandou soltar o ex-ministro e os outros investigados por suspeita de corrupção no MEC (leia reportagem abaixo).

Aliados de Ribeiro e do presidente Jair Bolsonaro (PL) insinuam que Borelli age com viés ideológico para perseguir o chefe do Executivo. No entanto, o histórico de decisões do juiz mostra uma série de determinações que desagradaram políticos de diferentes partidos (veja Memória).

No caso de Bolsonaro, o magistrado foi o responsável por ordenar que o presidente fosse obrigado a usar máscara em espaços públicos e comércios do Distrito Federal — o chefe do Executivo costumar visitar cidades, e causar aglomeração, sem utilizar o item de segurança. O ato acabou sendo derrubado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). À época, bolsonaristas acusaram Borelli de "ativismo judicial".

Ribeiro e pastores são libertados

O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro deixou, ontem, a Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo, onde estava preso desde a quarta-feira. A soltura dele foi determinada pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O magistrado também ordenou a libertação de mais quatro investigados na Operação Acesso Pago: os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura e os ex-assessores Helder Diego da Silva Bartolomeu e Luciano de Freitas Musse. Todos estavam detidos preventivamente por suspeita de envolvimento em um esquema de propina no Ministério da Educação.

Na avaliação de Ney Bello, Ribeiro não faz parte mais do governo e os fatos investigados não são atuais, o que não justifica a prisão. “Por derradeiro, verifico que, além de ora paciente não integrar mais os quadros da Administração Pública Federal, há ausência de contemporaneidade entre os fatos investigados — ‘liberação de verbas oficiais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Ministério da Educação direcionadas ao atendimento de interesses privados’ —, supostamente cometidos no começo deste ano, razão pela qual entendo ser despicienda a prisão cautelar combatida”, afirmou o desembargador na decisão.

Bello enfatizou, ainda, que a investigação está em curso, com busca e apreensão e quebra de sigilo, e que não há indício de risco para a operação a justificar detenções no momento.

Destruição de provas

Ao decretar a prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, justificou a necessidade de manter a ordem pública e impedir a reiteração de novas infrações e para a “conveniência da instrução criminal”.

Na avaliação do magistrado, a adoção de medidas cautelares alternativas, como solicitado pelo Ministério Público Federal, seria “inadequada e insuficiente”, pois “não teria o condão de se estabelecer como óbice ao exercício de interferência política nas investigações”.

“Nesse contexto, resta comprovada a existência do ‘periculum libertatis’, eis que os investigados, em espécie de ‘gabinete paralelo’, estavam inseridos no contexto político do país ao ocuparem cargas de destaque no Poder Executivo Federal, o que lhes possibilita proceder de forma a interferir na produção, destruição ou mesmo ocultação de provas que podem ser úteis ao esclarecimento de toda a trama delitiva”, ponderou o magistrado, em despacho assinado na segunda-feira.

 

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