Na última sexta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, fez algumas considerações sobre a Operação Lava-Jato. Segundo o magistrado, "ninguém pode esquecer" que a corrupção ocorreu no Brasil. Fux mencionou os R$ 51 milhões em dinheiro vivo apreendidos em um apartamento ligado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima em 2017. Também fez referência aos recursos desviados da Petrobras e ao escândalo do mensalão.
"Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava-Jato, muito embora tenha havido uma anulação formal, mas aqueles R$ 50 milhões eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu US$ 98 milhões e confessou efetivamente que tinha assim agido", disse o ministro.
Ao mencionar que a corrupção revelada pela Lava-Jato efetivamente existiu e que anulação de parte dos processos foi "formal", o presidente do STF retomou um tema controverso: a credibilidade e o peso político da força-tarefa que já foi considerada a maior operação de combate à corrupção no Brasil.
No ano passado, Fux foi voto vencido no julgamento do STF que anulou as condenações da Justiça Federal em Curitiba contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também foi vencido no julgamento que declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial ao condenar o petista na ação do tríplex do Guarujá (SP).
Deflagrada em 2014, a Lava-Jato atingiu como um vendaval as eleições de 2018. Levou à prisão um ex-presidente da República, jogou por terra candidaturas de pesos pesados da política e, para muitos, contribuiu para a vitória de Jair Bolsonaro na corrida presidencial. Passados quatro anos, a operação ainda atrai polêmicas.
Para Luís Henrique Machado, advogado do senador Renan Calheiros (MDB-AL) nos processos da Lava-Jato, a força-tarefa perdeu relevância para o eleitor. "A operação chega nestas eleições enfraquecida em termos de argumentação política. Não terá efeito prático", acredita.
Machado acredita que as narrativas serão usadas, mas não com força suficiente para influenciar o voto, como ocorreu em 2018. "Tanto que a pessoa que mais sofreu as consequências da Lava-Jato, o ex-presidente Lula, aparece à frente das pesquisas", exemplifica. "Em 2022, o furacão se tornou uma brisa. O debate persiste, mas não como em 2018. De fato, a Lava-Jato gerou a descrença da classe política, o que terminou, como consequência, elegendo o atual presidente, Jair Bolsonaro", observa.
Aury Lopes, advogado de defesa do ex-deputado federal Eduardo Cunha, concorda com Machado de que utilizar a Lava-Jato hoje, como argumento político, terá efeito restrito na eleição. "Embora (a Lava-Jato) tenha tido um mérito inicial, revelou-se um imenso antro de irregularidades. Mas acho que não é uma moeda forte em termos de argumento político. Terminou de maneira desprestigiada, com um final muito triste, com as irregularidades, que, bem ou mal, vinham sendo denunciadas", disse.
Velha política
Após despertar o sentimento da antipolítica nas últimas eleições, a operação poderá levar a um efeito contrário em 2022: o retorno da política tradicional. "Acredito que alguns caciques, que não conseguiram a reeleição em 2018, possam voltar agora em 2022. Pode ser a volta da política tradicional, que, em grande parte das vezes, é quem realmente discute projetos de nação. Diferente do atual governo, que prioriza as pautas de costumes", projeta Machado.
Em 2018, a Lava-Jato transformou Sergio Moro em herói nacional. Passados quatro anos, e após uma passagem no governo Bolsonaro, o ex-juiz enfrenta dissabores na política. Após muitas idas e vindas, desistiu de concorrer à Presidência da República pelo União Brasil. E avalia se vai disputar um cargo público pelo Paraná.
"A partir do momento em que o Moro ingressa na política, fica evidente que, lá atrás, já havia um projeto de poder. A partir do momento em que ele sai do governo Bolsonaro e integra um partido político, a gente entende o que aconteceu. O tempo vai confirmando, por meio das ações desses personagens, quais eram as intenções iniciais deles", analisa Machado. O advogado de Renan Calheiros relembra, ainda, a popularidade do ex-juiz. "O que era mais difícil era reverter uma decisão do Moro, porque ela vinha com muita carga de popularidade.
Procurado pelo Correio, o ex-juiz responde às críticas com números. "Só em Curitiba, a Lava-Jato garantiu que R$ 14 bilhões fossem recuperados após 79 operações da Polícia Federal e Ministério Público, a abertura de 130 ações penais, que resultaram em 174 condenados. Também não podemos esquecer os 209 acordos de colaboração premiada e 17 acordos de leniência fechados", enumera.
"Querem negar os fatos, o trabalho de instituições públicas e servidores comprometidos com a ética e o combate à corrupção. Agora, querem me cobrar até o prejuízo decorrente à roubalheira que a Lava-Jato descobriu durante as gestões do PT. Uma total inversão de valores", rebate.
Moro atribui o desmonte da Lava-Jato ao fato da pauta do combate à corrupção perder força. "Quando a lei não vale para todos, a maioria dos brasileiros sempre sairá perdendo. Por isso, antigos integrantes da Lava-Jato se viram obrigados a mudar de rota para poderem dar seguimento à sua luta por um Brasil mais justo, menos corrupto e menos desigual. Muitos se unirão a nós nesta nova jornada, tanto que recebo apoios onde quer que eu vá", afirma o ex-juiz.
Bancada anticorrupção
Coordenador da Lava-Jato de Curitiba, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol se diz "perplexo" em ver o ex-presidente Lula ocupando posição de destaque nas pesquisas. "Sou absolutamente contra que qualquer pessoa, em relação à qual pesam fortes evidências de corrupção, ocupe posições relevantes de decisão na vida pública. Vejo com certa perplexidade o ex-presidente Lula ocupar essa posição", disse ao Correio.
Dallagnol atribui a performance do petista a dois fatores. "Em primeiro lugar, há uma máquina de narrativas num tempo de pós-verdade. Para muitas pessoas, crenças passaram a se sobrepor a fatos, e elas se realimentam das crenças nas bolhas sociais em que elas vivem", observa o ex-procurador e pré-candidato a deputado federal pelo Podemos.
"Em segundo lugar, atribuo isso a uma percepção equivocada de que, dentro do governo Lula, houve uma grande prosperidade econômica, que decorreu da gestão dele, quando na verdade nós sabemos que foi uma época de explosão do mercado de commodities", argumenta.
Para Dallagnol, o que mais limitou a continuidade da Lava-Jato foi o Congresso Nacional, ao rejeitar a reforma da anticorrupção e aprovar "mudanças legislativas que minam o combate à corrupção". Esses movimentos, segundo ele, continuam. Ele cita, como exemplo, as articulações de adversários políticos para impugnarem a pré-candidatura dele no Paraná.
"Certamente os políticos corruptos que sempre estiveram no Congresso Nacional não querem que pessoas que combatam a corrupção cheguem lá. Porque, no momento em que a gente tiver um Congresso que combata a corrupção, não só os esquemas que existem vão deixar de existir, mas eles correm o risco de ser punidos pelos crimes praticados. Então, eu vejo como natural a reação", avaliou. O ex-procurador frisa que a maneira de virar o jogo e retomar o debate anticorrupção no país é por meio do voto consciente. "Se nós queremos resolver esse problema da corrupção, é importante mudar o Congresso Nacional", frisa.
Dallagnol diz que as acusações são ridículas. "De mais de cem agentes públicos, dois saíram para a política. Em segundo lugar, porque se houvesse um projeto político, eu teria saído para concorrer ao mandato eletivo em 2018, no auge da Lava-Jato, quando eventualmente me elegeria para qualquer cargo público", argumenta.
A Operação Lava-Jato foi encerrada oficialmente em 12 de janeiro de 2021, em sua 79ª fase.