Um país que um dia teve um futuro

Tive a sorte de pertencer a uma geração de brasileiros que tinha muitos motivos para se sentir feliz com o seu país, mas contemplo hoje uma nova geração que tem muitas razões para o desânimo e o cinismo. Para quem nasceu e vive na periferia do mundo desenvolvido, a única maneira de estar contente com a vida é a esperança de progresso e de um futuro melhor. Foi essa a experiência vivida pelos que, como eu, cresceram nos anos 1950. Nós tínhamos um futuro.

Durante os anos 40 e 50 do século 20, o Brasil crescia rapidamente, mais do que o resto do mundo, e ao mesmo tempo se urbanizava e se industrializava, dando a todos a impressão de que não haveria limite para o desenvolvimento. Vivíamos cada dia com a convicção, quase a certeza, de que os amanhãs seriam cada dia melhores. Na política, quem encarnou esse estado de espírito e essa confiança foi Juscelino, desde seus tempos de prefeito revolucionário de Belo Horizonte até a Presidência da República. Os anos JK não são um mito nem uma simplificação histórica, eles existiram de fato, mesmo admitindo-se que processos históricos são experiências complexas.

Refletindo sobre Juscelino, penso que dois traços de sua personalidade foram decisivos para o papel que ele desempenhou. Um traço era sua fixação no futuro, um olhar sempre no mais longe horizonte, que lhe permitia transpor as armadilhas do presente e o peso do passado, sem vacilações ou dúvidas. O outro, igualmente poderoso e transformador, era a disposição fraterna e pacífica do seu espírito, que não alimentava ódios ou ressentimentos e esfriava a oposição num ambiente da mais ampla liberdade. Na política, absorvia todos os golpes, até os mais extremos, e estava sempre pronto para o perdão. Não há exemplo similar em nossa história republicana, em que a regra é o conflito e a retaliação.

Apesar dessa lembrança do passado, sei muito bem que a nostalgia não resolve problemas nem muda as coisas na vida real. A história é para a frente que anda, mesmo quando parece retroceder. A principal herança dos anos JK não é certamente o apelo à saudade, mas a insistência em olhar sempre para a frente e para o futuro. Pensando exatamente no futuro, o que se pode dizer da política brasileira neste momento?

Raras vezes o Brasil terá vivido um tempo tão difícil e amargo como o que estamos vivendo. Parecemos condenados à pobreza, mesmo cercados de todas as riquezas. Dados oficiais nos dão conta que cresceu o número de brasileiros vivendo na pobreza absoluta. Quase 30 milhões de pessoas vivem com fome, enquanto somos a terceira potência agrícola do mundo. O centro das grandes cidades, mesmo das mais ricas, está tomado por milhares de pessoas sem teto, vivendo em barracas e da caridade alheia. Mais de 90% dos brasileiros vivem em situação econômica precária e sem muitas expectativas para si e para os seus filhos. Tudo isso poderia ser visto com algum conformismo se fôssemos um país pobre, privado de tudo. No entanto, somos um país rico e cheio de todos os recursos.

A política, com seu gosto pela manipulação da realidade, procura confundir a natureza da nossa crise. Ela não é obra do governo de hoje, mas dele e de governos anteriores e, até mais do que deles, das nossas instituições políticas, que não funcionam mais em benefício da população e que tornaram o Estado a propriedade privada de grupos políticos e de interesses privados a eles associados. A agenda da política não trata do futuro dos brasileiros.

A democracia brasileira sobrevive hoje, à semelhança do que observou a filósofa Hannah Arendt num outro contexto, graças à silenciosa tolerância e aprovação dos setores indiferentes e desarticulados do povo, tanto quanto das instituições articuladas e visíveis do país. Quando este silêncio se romper, veremos que a maioria absoluta da população não se sente representada pelos partidos políticos nem pelo Parlamento. Neste momento, nada mais estará em segurança.

Nossos líderes mais influentes e mais populares parecem passageiros indiferentes nesta marcha da insensatez.