A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (28/6) um projeto de lei para regulamentar a atividade profissional de musicoterapia no Brasil. O PL 6.379/2019, de autoria da deputada federal Marília Arraes (Solidariedade-PE), visa estabelecer critérios e formação para se exercer a atividade.
Com o texto, apenas profissionais com graduação ou pós-graduação lato sensu poderão exercer a profissão, além daqueles que comprovarem pelo menos cinco anos de atuação na área anteriormente à aprovação do PL. O projeto aguarda votação na CTASP desde agosto de 2021, e já foi retirado de pauta três vezes.
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A profissão de musicoterapeuta é reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), e é também reconhecida pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) e pelo Sistema Único de Saúde (Sus). Além disso, a graduação na área é oferecida em quatro universidades públicas e em três particulares no Brasil, de acordo com a União Brasileira de Associações de Musicoterapia (Ubam).
Atualmente, sem a regulamentação, a atividade pode ser exercida por profissionais que não estão devidamente qualificados, prejudicando a saúde dos pacientes. “No senso comum, a música só faz bem. É difícil as pessoas pensarem que a música pode fazer mal”, disse ao Correio a presidente da Ubam e professora da graduação em Musicoterapia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marly Chagas. “O trabalho tem objetivos terapêuticos, com participação, com a parte social, só com a música não dá. O musicoterapeuta tem que ser um terapeuta. Tem que ter teorias e técnicas próprias”.
O PL 6.379/2019 cita que o uso incorreto da musicoterapia pode causar “danos psicológicos, físicos, fisiológicos e relacionais”. Marly complementa ainda que a profissão, como outras da área da saúde, deve ser o princípio da beneficência: maximizar o benefício e minimizar o prejuízo.
“Se eu atendo uma pessoa autista, uma pessoa depressiva, tenho que usar aquele instrumento musical que eu tenho para fazer o maior bem possível. Não é só alegrar, isso é algo que o músico sabe muito bem fazer”, conta Marly. Segundo ela, o musicoterapeuta precisa saber trabalhar com as emoções e com o efeito que a música tem no paciente, como o despertar de uma memória em um paciente com Alzheimer, ou de uma emoção forte.
Uma das principais aplicações da musicoterapia, e com maior base de conhecimento científico, é no tratamento do Transtorno do Espectro Autista. Maria*, mãe de Pedro*, 7 anos, afirma que viu grande melhora no quadro de seu filho com a terapia. Pedro foi diagnosticado com o transtorno por conta do atraso de fala e da ecolalia - a repetição de frases inteiras ou palavras.
“É um lado lúdico essencial para contrabalancear o tratamento comportamental, deixando a criança explicitar, liberar o seu eu, ao lado dos tratamentos que são recomendados pelos médicos. Tudo é complementar. O tratamento do autismo, como todos sabemos, é multidisciplinar”, disse Maria. Segundo ela, seu filho iniciou a musicoterapia aos quatro anos de idade, e teve melhoras consideráveis na área de comunicação e socialização.
“Ele começou a gostar tanto de música que na escola ele gosta de se apresentar, de dançar, de cantar. Isso foi essencial para o desenvolvimento dele, que foi enorme nessa estrada”, conta Maria.
Para ela, a regulamentação se somaria a outra conquista importante para as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.
A musicoterapia de Pedro foi iniciada por Isabella Campos, membro atual e ex-presidente da Associação de Musicoterapia do Distrito Federal (AMT-DF). Ela defende que a formação é muito importante para a atividade profissional, e defende ainda que a regulamentação pode ajudar a dar suporte a pacientes que porventura sejam prejudicados pela má prática da musicoterapia.
“A partir de 2017, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) liberou cursos de nível superior à distância. Tem muitos cursos que têm autorização para fazer musicoterapia, mas não incluem professores da área, não têm estágio, não têm supervisão”, diz Isabella. “Tudo isso põe em risco a saúde do paciente. A formação é muito completa e rigorosa, no sentido de estar atento à parte emocional, psicológica, física, e sobre como se usa corretamente essa metodologia”.
Segundo a musicoterapeuta, a AMT-DF recebe reclamações de pacientes que foram atendidos por profissionais sem qualificação, mas que não têm a quem recorrer, já que a profissão não é regulamentada. Um dos benefícios da aprovação do projeto seria justamente a possibilidade de criação de um conselho para fiscalizar a atuação dos musicoterapeutas.
Na quinta-feira passada (23/6), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu ampliar a cobertura dos planos de saúde para pacientes com transtornos globais do desenvolvimento. A partir de 1º de julho, será obrigatória a cobertura de qualquer técnica ou método indicada pelo médico para o tratamento desses transtornos, o que inclui a musicoterapia, fonoaudiologia, psicomotricidade, entre outras.
Para a votação desta terça, a categoria, representada por 13 associações no país, esteve em contato com os deputados que compõem a CTASP. Na Comissão, o projeto é relatado pelo deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ). Em seu parecer pela aprovação do PL, Ramos cita que o “exercício profissional da musicoterapia já está reconhecido nacionalmente” e que ela já faz parte dos tratamentos ofertados por grandes hospitais
“É uma profissão de vanguarda, que não vai acabar, por incluir arte ligada à saúde. Cada vez mais ela vai se tornar benéfica para a sociedade”, defende Isabella. “Ela é usada para auxiliar grupos de mulheres que sofreram abuso sexual, abuso moral, e várias patologias, como adultos com câncer, idosos com Alzheimer. O grande problema é que as pessoas não sabem o que é a musicoterapia”, finaliza Isabella Campos.
*Foram usados nomes fictícios para proteger a identidade das crianças citadas.
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