Ao desistir de sua candidatura à Presidência da República, João Doria (PSDB) soma mais um episódio marcante à sua curta porém agitada trajetória política.
Após ser eleito prefeito de São Paulo (SP) em 2016, dois anos depois o tucano se candidatou e venceu a eleição para o governo estadual de São Paulo. Nos últimos anos, passou a preparar seu próximo voo para Brasília, onde almejava assumir a presidência do país. Entretanto, o homem que iniciou a carreira ressaltando ser um gestor e não um político esbarrou em uma disputa partidária interna que acabou interrompendo seus planos.
Nesta segunda-feira (23/5), Doria anunciou que desistiu de sua pré-candidatura por entender que não é a escolha de seu partido para o cargo, segundo disse em pronunciamento: "Serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade com a cabeça erguida."
- Eleições 2022: Quais são as propostas dos pré-candidatos?
- Eleições 2022: quem são os pré-candidatos e quais obstáculos que devem enfrentar
O ex-governador e ex-prefeito de São Paulo venceu as prévias para ser o candidato dos tucanos à presidência, mas nomes e alas internas da sigla pouco a pouco minaram seu projeto — em parte por números que indicavam baixa chance de vitória, em parte por uma articulação entre PSDB, MDB e Cidadania que pode concretizar o nome da senadora Simone Tebet (MDB) como candidata.
Confira abaixo sete momentos marcantes da carreira política de Doria.
1. Eleito prefeito no primeiro turno
Foi destacando sua trajetória como empresário que Doria se inseriu em sua primeira disputa eleitoral, pela prefeitura de São Paulo, apadrinhado pelo então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Sua imagem como gestor corporativo, aliás, já havia sido impulsionada pelo programa O Aprendiz, do qual já foi apresentador. Ele também fundou o Grupo de Líderes Empresariais (Lide).
Embora somente em 2016 tenha se lançado candidato, Doria já tinha tido passagens pela vida pública, como quando foi secretário municipal de Turismo e presidente da Empresa de Turismo de São Paulo (Paulistur) nos anos 1980 e presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur).
Filiado ao PSDB em 2001, Doria venceu as prévias do partido para a prefeitura de São Paulo, e acabou eleito logo no primeiro turno em 2016, com 53% dos votos. Ele derrotou Fernando Haddad (PT), Celso Russomanno (na época, do PRB, hoje Republicanos) e Marta Suplicy (MDB), que ficaram respectivamente em segundo, terceiro e quarto lugar em votos.
O tucano foi eleito prometendo fazer um mandato "padrão Poupatempo", em referência ao programa do governo Alckmin (PSDB). "Vamos fazer o serviço com eficiência e rapidez, além de trabalhar em dobro", disse Doria na época.
2. Renúncia à prefeitura e vitória na disputa ao governo estadual
O então prefeito assumiu seu mandato em janeiro de 2017, para em março de 2018 anunciar que renunciaria à prefeitura para se candidatar ao governo estadual. Durante a campanha eleitoral de 2016, Doria havia afirmado em algumas ocasiões que cumpriria seu mandato na prefeitura até o fim. Quem assumiu seu lugar no Executivo paulistano foi o tucano Bruno Covas.
Na época, Doria escreveu que não poderia "negar essa importante convocação": "A maioria absoluta dos representantes e lideranças de meu partido fez esse chamado."
No segundo turno, o tucano teve 51,75% dos votos, derrotando em uma disputa acirrada Marcio França (PSB), que ficou com 48,25% dos votos.
3. Acusações de traição a Alckmin e de formação do 'BolsoDoria'
Antes de firmar sua candidatura ao governo de São Paulo, Doria deu sinais de que estava almejando sair da prefeitura paulistana para se lançar candidato a presidente em 2018. Esta movimentação desgastou a relação com Alckmin, já que este também tinha a presidência como objetivo — e, de fato, acabou sendo no final o candidato tucano ao Planalto. Alckmin fez declarações indicando rompimento e uma traição por parte de Doria.
Outro motivo para o desentendimento entre eles foi a errante relação de Doria com Jair Bolsonaro, candidato em 2018 que se elegeu presidente. Embora Doria e Bolsonaro já tivessem trocado farpas anteriormente, em 2018 surgiu um movimento de apoiadores e alguns políticos, apelidado de "BolsoDoria", defendendo o voto no primeiro para governador de São Paulo, e no segundo para a presidência do Brasil.
Oficialmente, no primeiro turno, Doria afirmou que seu candidato à presidência era o correligionário Alckmin, mas a partir do segundo turno, Doria defendeu abertamente a candidatura de Bolsonaro na disputa com Haddad à presidência. Há até fotos de Doria vestindo uma camisa estampada com a hashtag #BolsoDoria.
4. Pandemia: CoronaVac e embates com Bolsonaro
A aproximação dos nomes de Doria e Bolsonaro em 2018 não durou muito e, durante a pandemia de coronavírus iniciada em 2020, eles protagonizaram uma verdadeira rivalidade — tendo como pano de fundo as pretensões políticas de ambos visando a disputa pela presidência em 2022.
Enquanto Bolsonaro adotou uma postura negacionista quanto à gravidade da pandemia e às soluções baseadas em evidências científicas, Doria construiu uma imagem contrária. Essa oposição entre os dois é simbolizada pela vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac. O presidente rejeitou o imunizante, colocando em dúvida sua qualidade e eficácia. Enquanto isso, Doria tirou vantagem política da parceria entre a Sinovac e o Instituto Butantan — instituição pública de saúde do governo paulista — para a produção de doses. A primeira pessoa a ser vacinada no Brasil, uma enfermeira, foi imunizada em São Paulo com a CoronaVac.
Em uma entrevista em inglês para a BBC World News, Doria chamou Bolsonaro de "louco" e afirmou que o Brasil enfrentava dois vírus, o coronavírus e o "Bolsonarovírus". Enquanto isso, o presidente acusou Doria de fazer "politicalha em cima de mortos" e de inflar números relativos à covid-19 em São Paulo.
Neste período, foram registrados também alguns pequenos protestos contra Doria e contra medidas restritivas em resposta à covid-19, com apoiadores de Bolsonaro indo às ruas de São Paulo (SP) se manifestar contra o fechamento do comércio durante a pandemia e contra a obrigatoriedade do passaporte vacinal, entre outros.
5. Vitória nas prévias
Em novembro de 2021, Doria venceu as prévias do PSDB para definição da candidatura do partido à presidência. Ele teve 53,99% dos votos, derrotando o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (44,66%), e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto (1,35%). Votaram 29.360 filiados ao PSDB.
"O PSDB sai fortalecido. É o único partido a promover esse amplo processo democrático. O único partido a consultar suas bases, seus filiados, políticos e dirigentes sobre quem deve liderar o processo de mudança do Brasil. Nosso compromisso é com a democracia", comemorou Doria em seu discurso de vitória nas prévias, no qual pediu união do partido.
Em sua fala, Doria também acusou os governos petistas de corrupção e de má gestão na economia, e Bolsonaro de representar uma "violência contra a democracia".
6. Carta sobre 'tentativas de golpe'
Nos últimos meses, as palavras sobre união foram trocadas por acusações de descumprimento das regras dentro do PSDB e pela ameaça de judicialização. Em meados de maio, Doria enviou ao presidente do partido, Bruno Araújo, uma carta denunciando "tentativas de golpe" para tirar sua candidatura à presidência.
Desde as prévias, nomes importantes do PSDB defenderam uma chapa única com Cidadania e MDB, possivelmente tendo Simone Tebet (MDB) como cabeça de chapa; outros, como deputado federal Aécio Neves, defenderam que o PSDB tivesse candidatura própria — mas não Doria, por seu alto índice de rejeição. O ex-ministro e ex-senador tucano Aloysio Nunes, por outro lado, chegou a anunciar apoio ao ex-presidente Lula (PT).
Doria pediu a Araújo que o resultado das prévias fosse respeitado e destacou que poderia judicializar a questão, caso sua pré-candidatura não fosse respeitada.
- Doria desiste de candidatura à Presidência da República
- Saída de Doria pode levar eleição a ser resolvida já no primeiro turno, dizem analistas
7. Desistência de candidatura
Doria convocou um pronunciamento realizado nesta segunda-feira (23/5) para anunciar sua desistência da candidatura à presidência — menos de dois meses depois de renunciar ao governo estadual, mirando o Planalto.
"O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano", afirmou. "Me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve. Com a sensação inequívoca do dever cumprido e missão bem realizada."
Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!