Em um pronunciamento breve, no escritório de pré-campanha, em São Paulo, João Doria (PSDB) admitiu, ontem, que não tinha mais condições de seguir na corrida presidencial sem o apoio do próprio partido. Depois de se reunir com o presidente da legenda, Bruno Araújo, e com os líderes na Câmara, Adolfo Viana (BA); e no Senado, Izalci Lucas (DF), o ex-governador capitulou. "Hoje, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito essa realidade com a cabeça erguida", declarou, visivelmente abatido.
Doria, no entanto, deixou muitas perguntas sem resposta com relação ao seu futuro político. "O PSDB saberá tomar a melhor decisão no seu posicionamento para as eleições deste ano. Eu me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve", acrescentou. Depois, no Twitter, escreveu: "Seguirei como observador sereno do meu país. Sempre à disposição de lutar a guerra para a qual eu for chamado. Na vida pública ou na vida privada. Que Deus proteja o Brasil. Muito obrigado e até breve".
Presidente da legenda com a incumbência de construir a chapa unificada da terceira via, Bruno Araújo foi diplomático ao dizer que a Doria caberá a missão "que ele quiser". Mas nada foi oferecido ao ex-pré-candidato, como a vaga de vice-presidente na chapa da terceira via ou um cargo de comando na sigla.
"O papel de Doria vai ser o que ele quiser. O partido se recolhe um pouco nestes próximos dias, mas queremos que ele tenha o papel e o protagonismo de alguém com o tamanho do gesto dele. Ele irá participar da forma que bem entender", garantiu Araújo.
O Correio apurou que o destino de Doria foi selado na véspera, domingo, em uma conversa privada entre ele, Bruno Araújo e o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia. A participação do gestor paulista na construção de uma "saída honrosa" para Doria é sinal revelador da importância que o PSDB dá à eleição no mais rico estado do país e indica uma provável reaproximação entre o atual governador e o ex.
Se não houver nenhum incidente de última hora, Doria deve acompanhar Garcia no almoço-debate promovido pelo Lide — Grupo de Líderes Empresariais, hoje, em São Paulo. O colegiado é influente e reúne, mensalmente, pesos-pesados da economia brasileira para discutir cenários e alternativas para o setor no país.
Nas últimas semanas, a relação entre o atual governador paulista e seu antecessor estava estremecida, marcada por acusações de traição. Doria venceu as prévias do partido com apoio de Garcia, que era o seu vice no Palácio dos Bandeirantes e principal beneficiário da pré-candidatura, porque herdaria (como herdou) a cadeira de governador, após a desincompatibilização do então gestor. Como Doria não decolava nas pesquisas, Garcia se afastou dele, para evitar problemas na montagem do arco de apoios à sua reeleição ao governo paulista.
Até o próximo fim de semana, por exemplo, o PP (do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara, Arthur Lira) decide em que palanque subirá na eleição paulista: no de Garcia ou no do ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A tese de que a rejeição de Doria nas pesquisas poderia contaminar arranjos regionais e afastar aliados e eleitores ganhou força, impulsionada, também, pela ala ligada ao deputado federal Aécio Neves (MG), desafeto tanto de Doria quanto de Bruno Araújo. O político mineiro chegou a declarar que Garcia e Araújo foram os artífices da "traição" que isolou politicamente o então pré-candidato, que contava com o apoio da máquina do governo de São Paulo para alavancar sua campanha.
Em Cuiabá, Tebet disse que o anúncio de Doria "já era, de alguma forma, esperado". Ela elogiou o desprendimento do ex-adversário e declarou que conta com o apoio dele à união da terceira via.
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Elogios e críticas ao ex-governador
Derrotado por João Doria nas prévias do PSDB, o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite elogiou o colega de partido por ter desistido de concorrer ao Planalto. "O PSDB teve candidato legítimo oriundo das prévias, que, agora, faz gesto pela unificação da terceira via, sob liderança de outro partido. Gesto importante de João Doria, que merece respeito", escreveu no Twitter.
Em nota, o ex-presidente Michel Temer também fez elogios ao tucano. "O ex-governador João Doria realizou um extraordinário governo em São Paulo, confirmando seu perfil de gestor qualificado. Revela, agora, desprendimento, praticando um gesto grandioso", afirmou.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), destacou o papel de Doria na vacinação contra a covid-19. "Devemos a ele — graças à sua obstinação e capacidade de trabalho — milhares de vidas salvas pela sua incessante luta pela vacina da covid", ressaltou.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) comentou que a desistência pode mudar o panorama das eleições. "O afunilamento de candidaturas da terceira via acabou esvaziando os votos desse campo e pode tornar o desfecho da eleição presidencial em primeiro turno — antes uma completa improbabilidade — algo cada vez mais crível", frisou ao Correio.
O deputado Ivan Valente (PSol-SP) disse que o ex-governador foi "de emplumado a depenado". "O tucano BolsoDoria é vítima do seu próprio veneno. Doria desiste para que seu partido apoie Simone Tebet, mas o partido de Tebet pode decidir não ter candidatura própria. A terceira via não existe para além dos sonhos de poucos. Cada vez mais poucos", postou.
Já o presidente Jair Bolsonaro (PL) ironizou: "Comunico que estou abrindo mão da disputa do cinturão dos pesos médios no UFC. escreveu.
O filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) fez menção à pandemia. "Ao desistir da pré-candidatura, Doria mostra que a conta do autoritarismo é a impopularidade. Só lamento de ele não ter desistido, na época, de mandar soldar e fechar portas de comércios e de prender pessoas que estavam na rua buscando seu sustento e de suas famílias." (Cristiane Noberto e Agência Estado)