O Judiciário está no centro das atenções das eleições de 2022. Escolhido como principal alvo do presidente Jair Bolsonaro (PL) para desferir sucessivos ataques e críticas, os personagens que estarão à frente da Justiça durante o pleito traçam estratégias para proteger a lisura do processo eleitoral. Até lá, os principais tribunais superiores terão novos comandos para lidar com a pressão.
No Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Rosa Weber assume a gestão a partir de setembro. Vista pelos seus pares como extremamente discreta e técnica, ela tem assumido uma postura mais contundente nos autos dos últimos processos que relatou e se tornou um dos nomes mais temidos pelos bolsonaristas. O principal desafio de Weber é manter uma relação institucionalmente equilibrada entre o Judiciário e o Palácio do Planalto, sem ceder aos rompantes de Bolsonaro.
Já o ministro Alexandre de Moraes vai comandar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — um dos principais alvos de Bolsonaro. O magistrado é visto como inimigo pelos aliados do presidente e declarou que não baixará a guarda durante o pleito. "O que a Justiça Eleitoral vai garantir é que o voto colocado na urna eletrônica seja o voto computado e que esse voto colocado não sofra coação das milícias digitais. É isso que nós vamos garantir", disse o ministro, em um evento organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na sexta-feira.
Moraes também é relator do inquérito das fake news no Supremo. Em outubro do ano passado, ele chegou a afirmar que, "se houver repetição do que houve em 2018, terá cassação e prisão". O TSE tem firmado grandes parcerias com as principais redes sociais para combater a desinformação e evitar a propagação de notícias falsas durante o período eleitoral, assim como aconteceu na última eleição que deu vitória a Jair Bolsonaro.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem um nome que ficará à frente da Corte durante as eleições. Maria Thereza de Assis Moura foi escolhida para o cargo para o biênio 2022/2024. A posse da magistrada está prevista para o mês de agosto. Ela é a segunda mulher a ocupar a presidência do STJ.
Responsável por uniformizar o entendimento sobre a legislação federal brasileira, o STJ é composto por 33 ministros. É também a instância que analisa recursos de processos de tribunais de Justiça e tribunais regionais federais. Na mesma sessão que definiu o nome da nova presidente, o ministro Luis Felipe Salomão foi designado para atuar como corregedor Nacional de Justiça (no lugar de Maria Thereza de Assis), e o ministro Og Fernandes como vice-presidente.
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Desafios e embates
Temendo repetir a onda de fake news do último pleito presidencial, o Judiciário tem se blindado com posturas firmes e criação de programas para educar a população a respeito do perigo das notícias falsas. Os magistrados firmaram parcerias com as principais mídias digitais e passaram a defender com mais frequência a integridade do processo eleitoral publicamente.
Desde que foi eleito, Jair Bolsonaro e seus apoiadores afirmam que as eleições de 2018 foram fraudadas e que a chapa teria ganhado em primeiro turno contra Fernando Haddad (PT). O presidente chegou a sugerir que as Forças Armadas fizessem uma apuração paralela nas eleições deste ano e causou, mais uma vez, atrito entre os Poderes.
O advogado constitucionalista Guilherme Amorim Campos da Silva, doutor em direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC de SP), ressalta que, na trajetória da Justiça Eleitoral, nunca houve uma sequência tão grande de ataques. "Talvez o maior desafio da sua história, que é a realização dos pleitos democráticos a salvo de turbulências, disseminação de fake news, ou de tumultos na realização de seu pleito", aponta.
Bolsonaro também desfere ataques ao Supremo. Ele já pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, proferiu falas antidemocráticas defendendo o fechamento do STF e, sempre que tem oportunidade, critica a atuação da Corte. O auge da tensão entre os Poderes foi a manifestação de 7 de Setembro, em que o presidente disse aos apoiadores que não obedeceria mais às ordens do tribunal.
Na avaliação do cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), a briga entre Bolsonaro e o STF ainda deve render outros capítulos. "O Supremo, hoje, é o principal freio às pretensões autoritárias do bolsonarismo, então, na narrativa do Bolsonaro, o Supremo é o inimigo. Eles precisam alimentar diuturnamente essa visão", concluiu.
Para o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, a tendência é que a tensão entre os Poderes aumente ainda mais até o resultado das eleições deste ano. "De fato, o Judiciário ganhou essa posição de protagonismo. Essas figuras de comando vão ser mais e mais alvo da pressão do governo. A partir disso, a capacidade de reação do Judiciário vai ser testada", afirma.