Em vigor desde 2020, as emendas de relator-geral (RP9), também conhecidas como "Orçamento secreto", causaram controvérsia sobre atuação de deputados e senadores no Congresso Nacional. A prática dos parlamentares motivou ações judiciais, que estão em análise no Supremo Tribunal Federal.
No Entorno do Distrito Federal, as emendas de relator também vêm sendo aplicadas. O Correio fez um levantamento baseado na prestação de contas ao Supremo Tribunal Federal (STF) realizada pelos parlamentares, após determinação da ministra Rosa Weber. Foram analisados os repasses de deputados eleitos pelo estado de Goiás que receberam as RP9 e destinaram aos municípios.
O resultado é parcial. Falta, na documentação enviada pelos parlamentares ao STF, uma padronização sobre a liberação das RP9. Muitos parlamentares deixaram de entregar os documentos requisitados pelo STF. Outros não foram claros ao declarar os valores, os anos nos quais foram aplicados ou as cidades de destino.
Entre os 17 deputados federais eleitos por Goiás, cinco não enviaram documentos declarando o uso das RP9. Mesmo entre os que enviaram, foram omitidas informações como o valor dos repasses, os municípios de destino e mesmo as áreas nas quais os recursos foram aplicados. Dos 513 deputados federais, 340 atenderam a determinação do Supremo.
De acordo com os dados disponíveis, os repasses ao Entorno totalizaram R$ 22,2 milhões. Praticamente metade desse valor — R$ 9,1 milhões — foi destinado para a área da Saúde. Ficaram em segundo lugar os pedidos para o item Desenvolvimento Regional, em particular para obras de pavimentação.
O Correio também consolidou a lista de deputados de Goiás que declararam ao STF a proposição de emendas. Os parlamentares que relataram maior número de pedidos são integrantes do PP e do PL, base aliada do governo Bolsonaro. Os deputados que se destacaram nesse critério são Adriano do Baldy (PP), Major Vitor Hugo (PL) e Magda Moffato (PL).
Os municípios que receberam os recursos da RP9 em 2021 foram: Abadiânia (R$ 400.000); Água Fria de Goiás (R$ 250.000); Águas Lindas de Goiás (R$ 3.380.000); Alexânia (R$ 1.205.378); Cidade Ocidental (R$ 2.886.509,54); Cocalzinho de Goiás (R$ 2.059.392,87); Corumbá de Goiás (R$ 900.00); Cristalina (R$ 400.000); Formosa (R$ 1.656.187); Luziânia (R$ 200.000); Mimoso de Goiás (R$ 200.000); Novo Gama (R$ 1.230.000); Padre Bernardo (R$ 400.000); Pirenópolis (R$ 2.320.038); Planaltina (R$ 2.393.460); Valparaíso de Goiás (R$ 472.000); Vila Boa (R$ 300.000); e Vila Propício (R$ 1.600.000).
Declaram as emendas ao Supremo, os deputados Zacharias Calil (União-GO); Major Vitor Hugo (PL-GO); Magda Mofatto (PL-GO); Glaustin da Fokus (PSC-GO); Francisco Jr (PSD-GO); Adriano do Baldy (PP-GO); Célio Silveira (MDB-GO) e Professor Alcides (PP-GO). A deputada Flávia Morais (PDT-GO) declarou a utilização das emendas de relator, mas não comunicou valores ou os municípios beneficiados.
Os municípios que compõem a região têm aproximadamente 1 milhão de eleitores, contingente suficiente para eleger um deputado em pleito proporcional ou fazer peso nas majoritárias, como no caso do Senado.
Muitas vezes em situação precária, as prefeituras aprovam o envio de recursos federais, particularmente em momento de baixa arrecadação local. O prefeito do Novo Gama, Carlinhos do Mangão (PL), disse ao Correio não ver ilegalidade ou imoralidade nas emendas de relator-geral. "Até porque ela vem diretamente para conta da prefeitura", afirmou. "Desde que tenha uma destinação correta e transparente, não tem porque isso incomodar. O que incomoda é um hospital sem recursos, sem medicamentos", completou.
De acordo com o prefeito, um dos maiores problemas orçamentários dos municípios é a demora na destinação de emendas parlamentares. O tempo até a aplicação dos recursos no município pode passar de um ano.
"Aí a empresa da licitação já desistiu, porque os preços já subiram. Eu acredito que essa emenda de relatoria veio justamente para poder sair desse gargalo, principalmente no momento de pandemia, que necessitou de uma resposta mais rápida", afirma Carlinhos.
A reportagem entrou em contato também com a prefeitura da Cidade Ocidental, mas não obteve retorno.
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RP9, a sigla da controvérsia
Questionadas no Supremo Tribunal Federal, as emendas RP9 também são motivo de controvérsia no Congressso. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) busca, desde novembro, assinaturas para a instalação da CPI do Orçamento Secreto no Senado. O pedido está com 15 das 27 assinaturas necessárias para instauração da comissão.
Emendas de relator são um dispositivo consagrado no funcionamento do Congresso Nacional. A diferença é que, até 2020, o parecer preliminar da Lei Orçamentária Anual (LOA) permitia ao Relator Geral apresentar emendas, limitadas à promoção de tipos de despesas. Com a nova autorização, o Relator da LOA 2020 pôde criar despesas em diversos órgãos a níveis nunca antes observados.
As emendas de bancada começaram a ser registradas em 2017, e destinam um percentual fixo da receita corrente líquida para o repasse de recursos. Segundo Luiz Alberto dos Santos, advogado e consultor legislativo do Senado Federal, as emendas surgiram como uma maneira de dar um tratamento republicano à destinação das verbas públicas.
"Desde o mensalão se criticava essa história de o Congresso ter que ficar barganhando com o Executivo. Com isso surgiram essas emendas, de modo que cada parlamentar tem, em média, direito a R$ 17 milhões. Chega-se então a um total de R$ 11 bilhões, para garantir que todos vão poder fazer emendas para atender suas bases", explicou.
Apesar da determinação do Supremo de haver transparência na destinação dos recursos públicos por parte dos parlamentares, a documentação foi enviada sem padronização, com dados imprecisos ou incompletos. Segundo Marcello Nogueira Cruvinel, assessor de Orçamento no Senado Federal e pós-graduando em Orçamento Público, a falta de "encaixe" deste quebra-cabeça é proposital.
"Criaram-se, no Congresso, categorias de parlamentares: de primeira, segunda e terceira categoria. Alguns receberam 100 milhões, outros receberam 5 e outros não receberam nada. Não houve nenhum tipo de discricionariedade", lamentou Cruvinel.