Em meio aos embates travados com o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (PL) escolheu um destinatário específico para seus ataques. Horas depois de ver rejeitada a notícia-crime que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro Alexandre de Moraes — integrante da Corte —, o chefe do Executivo deu entrada em uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o magistrado seja investigado por abuso de autoridade.
A notícia-crime, apresentada na terça-feira, não avançou no STF. Em menos de 24 horas, a ação foi rejeitada pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso. O magistrado disse não haver justa causa para dar prosseguimento à denúncia e enfatizou que o colega não cometeu nenhum delito na condução dos inquéritos que envolvem o Planalto, como o das fake news e o das milícias digitais.
"Os fatos descritos na 'notícia-crime' não trazem indícios, ainda que mínimos, de materialidade delitiva, não havendo nenhuma possibilidade de enquadrar as condutas imputadas em qualquer das figuras típicas apontadas", escreveu Toffoli. O magistrado foi ainda mais incisivo ao refutar a ação. "O Estado democrático de direito impõe a todos deveres e obrigações, não se mostrando consentâneo com o referido enunciado a tentativa de inversão de papéis, transformando-se o juiz em réu pelo simples fato de ser juiz", enfatizou.
Na notícia-crime, assinada pelo advogado Eduardo Reis Magalhães, Bolsonaro acusa Moraes de cometer "sucessivos ataques à democracia, desrespeito à Constituição e desprezo aos direitos e garantias fundamentais" na condução dos inquéritos. O chefe do Executivo alegou abuso de autoridade do ministro e sustentou que ele não respeita o contraditório nem permite que a defesa tenha acesso aos autos. Bolsonaro também alegou "injustificada investigação no inquérito das fake news, quer pelo seu exagerado prazo, quer pela ausência de fato ilícito".
Após a rejeição à ação, o presidente recorreu à PGR. A base do texto enviada para apreciação do procurador-geral da República, Augusto Aras, é a mesma protocolada no Supremo.
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Ataque terrorista
Também ontem, no lançamento do Programa de Combate à Desinformação, os presidentes do STF, Luiz Fux, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, saíram em defesa de Moraes. O chefe do Supremo destacou que a investigação das fake news está "em ótimas mãos". Ele ainda criticou os "ataques livres" à Corte e disse que o tribunal "não sai da sua cadeira" para questões políticas ou morais.
Fux também destacou a importância da investigação — aberta por Toffoli, em 2019 —, que identificou ameaças terroristas contra o STF e ministros da Corte. "Muitos talvez não saibam, mas, para que se tenha a exata noção de como esse trabalho do inquérito é importante, (revelo) que veio a lume notícia de atos preparatórios de ataque terrorista contra o STF. Daí a necessidade de o processo ser sigiloso e de as notícias serem divulgadas de forma genérica", frisou.
Fachin, por sua vez, também elogiou o trabalho de Moraes. "Palavra de reconhecimento e de respeito, por ser, como devem ser os juízes, intimorato a quaisquer atos ou ataques", disse, dirigindo-se ao colega. E o cumprimentou "pela dedicação à causa da verdadeira república". Moraes, atuou vice do TSE, assumirá a presidência da Corte nas eleições de outubro. O tribunal também tem sido alvo de ataques de Bolsonaro, que questiona a lisura do processo eleitoral.
Embasamento
Na avaliação do advogado Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, a decisão de Toffoli é técnica. “O pedido formulado carece de fundamentação jurídica e fática, demonstrando que na verdade oculta interesses políticos por trás dessa medida”, ressalta.
“É sabido que o ministro Alexandre de Moraes é o relator dos inquéritos que apuram a prática de organização de milícias digitais e o espalhamento de fake news e que ambos os casos têm o presidente Bolsonaro entre os investigados”, argumenta Vilela.
Para o criminalista Miguel Pereira Neto, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, a ação não deve prosperar porque não há abuso de autoridade. “Bolsonaro promove, por meio de seus pronunciamentos, verdadeiros ataques ao procedimento democrático, com base em suspeitas – estas sim – infundadas. Portanto, não haveria abuso de autoridade na apuração das posturas presidenciais, a fim de verificar se estão dentro dos limites do que se aceita em nossa democracia”, diz.
“O Supremo já decidiu essa questão. O inquérito é regular. O que é regular não pode ser motivo para denúncia por abuso de autoridade. O que o presidente visa é, por via indireta, afastar o ministro da apuração do caso das fake news”, ressalta o advogado Belisário dos Santos Júnior, sócio de Rubens Naves Santos Jr. Advogados e ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo.
A advogada Carla Rahal Benedetti, sócia do Viseu Advogados, ressalta que o direito de registrar a notícia-crime do presidente é garantido por lei, mas isso não significa que deve ser acatado pela Justiça.
“Não vejo a princípio nenhum tipo de inconstitucionalidade no direito de petição da pessoa física do presidente do presidente da República, Jair Bolsonaro. Qualquer pessoa que conheça um fato típico ou a possibilidade de um abuso, pode levar ao conhecimento das autoridades judiciárias. Se isso vai ser recebido ou não já é uma outra questão”, afirmou.
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