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Candidatos às eleições de 2022 disputam o voto da mulher evangélica

Candidatos ao pleito de outubro tentam abrir canais de diálogo com as eleitoras desse segmento, mais preocupadas com os problemas do cotidiano do que com as chamadas pautas identitárias e de costumes

Vinicius Doria
postado em 01/05/2022 06:00
 (crédito: Carolina Antunes/PR)
(crédito: Carolina Antunes/PR)

Estimados em 30% da população brasileira, os evangélicos formam uma parcela do eleitorado bastante disputada pelos candidatos a cargos no pleito de outubro. Partidos montaram núcleos específicos para dialogar com esse público que, diferentemente do senso comum, não caminha de forma homogênea quando chegam as eleições. Desvendar essas diferenças é o desafio dos estrategistas políticos, que passa pela compreensão do papel da mulher como influenciadora nas decisões das famílias evangélicas.

Analistas sociais e políticos avaliam dois recortes das pesquisas de intenção de votos que apontam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem o controle absoluto desses votos, apesar de liderar as sondagens de opinião no segmento evangélico. Nos cultos, por exemplo, a presença das mulheres é majoritária. De cada três fiéis que frequentam igrejas, dois são mulheres, segundo levantamento do Observatório Evangélico, que acompanha os debates envolvendo o tema.

Como as pesquisas divulgadas nos últimos meses indicam que a rejeição a Bolsonaro é bem maior entre as mulheres do que no eleitorado masculino, a aposta dos concorrentes é de que, entre os evangélicos, o voto de oposição pode crescer justamente entre as eleitoras crentes. De acordo com a última pesquisa Ipespe, feita entre 18 e 20 de abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera com folga no segmento feminino em geral, com 48%, contra 26% de Bolsonaro. Entre os evangélicos, a liderança é do atual chefe do Executivo: com 45%, contra 34% do petista.

Quando os resultados das pesquisas disponíveis são agregados, a aprovação do governo se mostra bem menor entre as mulheres, em torno de 20%, do que entre os homens, de cerca de 30%. É no cruzamento desses dados que reside a esperança da oposição de conquistar uma parcela mais expressiva do eleitorado feminino evangélico.

"A evangélica está se perguntando, neste momento, quem é o menos pior", opina o antropólogo Juliano Spyer, coordenador do Observatório Evangélico. Ele destaca que essas eleitoras são, "majoritariamente pretas, pobres e moradoras da periferia", mais refratárias ao discurso bolsonarista de defesa das armas e de confronto com opositores e instituições e mais ligadas às pautas que envolvem a própria família, como desemprego, inflação, violência e moradia.

"Essa é uma grande fragilidade do discurso de Bolsonaro e um desafio para a campanha dele: torná-lo mais palatável para esse público feminino. Posar com crianças fazendo sinal de arminha na mão pega muito mal, não é um gesto cristão", observa Spyer.

Para reduzir a rejeição entre as mulheres evangélicas, Bolsonaro escalou a própria esposa, Michelle, e a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves para conversar mais diretamente com esse público.

"Isso não tem sido trabalhado pelas esquerdas, que têm dificuldade de dialogar com essas pessoas. Mais do que falar, os candidatos precisam ouvi-las. É justamente isso que Damares e Michelle estão fazendo", avalia Magali Cunha, doutora em ciências da comunicação e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser). O cientista político Vinicius do Vale, da Universidade de São Paulo (USP), corrobora: "A primeira-dama e Damares são figuras com certa popularidade e estão tentando mostrar uma face de Bolsonaro menos extremada".

Dificuldade

A esquerda, por sua vez, ainda não apresentou estratégias claras para se aproximar das evangélicas e tem dificuldade para definir uma agenda que aproxime o discurso progressista das preocupações reais dessas mulheres. "O jeito grosseiro (de Bolsonaro), a pauta armamentista e um apelo para resolver as coisas pela violência e pelo autoritarismo geram uma certa repulsa entre essas mulheres, que não está sendo bem aproveitada pela oposição", ressalta Vale.

No PT, a deputada Benedita da Silva é uma das principais interlocutoras de Lula junto à comunidade evangélica. Ela é a coordenadora nacional do Núcleo dos Evangélicos do PT (Nept), presente em 21 estados. Enquanto o bolsonarismo se articula com líderes das grandes denominações neopentecostais e seus representantes políticos — alojados, principalmente, nos partidos do Centrão —, o PT busca aproximação com denominações tradicionais e com pastores de pequenas igrejas pentecostais, que já somam mais de seis mil nomes nas listas de transmissão do partido no WhatsApp.

O pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, também conta com o suporte de um grupo voltado à interlocução com os evangélicos, os Cristãos Trabalhistas, que o ajuda a definir pautas e estratégias para conquistar votos nesse segmento. Assim como o PT, Ciro busca apoio de pastores de igrejas menores, uma estratégia correta para quem analisa a relação entre religião e voto.

"A Igreja Universal do Reino de Deus tem 3,5 milhões de fiéis, enquanto as igrejinhas sem denominação, espalhadas pelo país, somam mais de 15 milhões de adeptos. As grandes denominações não podem ser usadas como parâmetro da diversidade evangélica", explica Juliano Spyer.

Os estudiosos do avanço evangélico na sociedade brasileira convergem ao apontar alternativas para que o discurso mais progressista chegue às mulheres crentes sem os filtros de maridos e pastores. A busca de uma agenda que não envolva tanto a pauta de costumes e se debruce no debate de soluções para problemas do cotidiano das famílias é apontada como um desses caminhos. Em outras palavras, menos discussão sobre temas como descriminalização do aborto e da maconha e mais propostas para resolver problemas como desemprego, custo de vida, segurança, educação e saúde.

"Para as mulheres, principalmente da periferia, o problema não é a maconha, é o medo de ver o filho aliciado pelo tráfico. Por que falar de aborto e não falar de métodos contraceptivos, que as evangélicas adotam para não ter muitos filhos?", questiona Spyer. "Em vez de chegar com seu manual e dizer como uma pessoa deve ser, você vai com disposição para o diálogo. É difícil? É. Mas é o caminho."

Crente e feminista: "Deus não nos fez diferentes"

Quando se converteu ao protestantismo e começou a frequentar uma pequena igreja evangélica na periferia da Grande Vitória, mais de 30 anos atrás, a então camelô Jacqueline Moraes teve seu primeiro contato com a palavra "feminismo". Ouviu de pastores e vizinhos que a mulher evangélica deveria ser contra o feminismo porque o movimento prega "a superioridade da mulher sobre o homem" e que essa era uma "bandeira da esquerda". A mensagem, distorcida, a acompanhou até que decidiu entrar para a política como representante dos vendedores ambulantes.

"Deus não nos fez diferentes, e o feminismo prega justamente a igualdade, não quer ser maior ou melhor do que ninguém", disse a ex-camelô que, hoje, ocupa o cargo de vice-governadora do Espírito Santo, eleita em 2018 pelo PSB. Jacqueline representa a parcela mais expressiva desse eleitorado: ela é negra e cresceu na periferia de Cariacica, a cidade com renda per capita mais baixa da região metropolitana de Vitória. Com um detalhe: o marido abraçou o bolsonarismo nas últimas eleições.

Ao Correio, ela conta que, ao entrar para a política, teve dificuldade de reunir mulheres evangélicas para falar de política, mas percebeu que havia espaço para discutir as questões que mais as afligiam em suas comunidades. "Temos de tirar essa ideia de que só há a pauta identitária na agenda evangélica. Mulheres têm capacidade de olhar além e são as primeiras a serem afetadas pelos problemas do dia a dia, como os decorrentes da crise econômica, a alta dos preços. Essa é a pauta que precisa ser conversada com as mulheres evangélicas", ressalta.

Jacqueline: classe política não entende direito a mulher crente
Jacqueline: classe política não entende direito a mulher crente (foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Jacqueline critica líderes religiosos que usam a igreja para fazer proselitismo político e propagar o que chama de "ideologia bolsonarista". "É um desserviço um líder falar o que pensa sobre política para uma mulher que vai à igreja por causa dos seus problemas reais, cotidianos. A fé sincera das pessoas não pode ser desvirtuada por uma ideia totalitária e mentirosa de sociedade", reprova.

Ela explica, porém, que a classe política, em geral, não consegue entender direito a mulher crente, que tem na família e na igreja os pilares fundamentais das relações sociais. São mulheres que não costumam declarar apoio explícito a candidatos ou partidos, mas que estão muito preocupadas com a educação e o futuro dos filhos, com o emprego, com a preço da comida. "É preciso ouvir mais as dores dessa mulher", aconselha.

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