O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) ironizou uma possível investigação de casos de tortura na ditadura militar. Sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1975 e 1985 revelam denúncias no Brasil, de acordo com áudios inéditos analisados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Perguntado sobre a possibilidade de haver investigações a partir das revelações contidas nos áudios, Mourão reagiu com sarcasmo. "Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras do túmulo de volta?", debochou, na chegada ao Palácio do Planalto.
O vice-presidente explicou o seu entendimento sobre esse período histórico. "É lógico, você tem que conhecer a História. A História, ela sempre tem dois lados ao ser contada. Então, vamos lembrar: aqui houve uma luta, dentro do país, contra o Estado brasileiro, por organizações que queriam implantar a ditadura do proletariado aqui. Era um regime que na época atraía, vamos dizer assim, uma quantidade grande da juventude brasileira e, também, parcela da sociedade, mas que perderam essa luta. Ah, houve excessos? Houve excesso de parte a parte."
Os áudios foram revelados pelo jornal O Globo. Em um dos trechos, o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos diz, em 24 de junho de 1977. "Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Doi-Codi."
Ofício ao STM
O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, senador Humberto Costa (PT-PE), encaminhou ofício ao STM a fim de obter as gravações realizadas pela corte.
O parlamentar considera as denúncias muito graves. "Ministros do STM, na época da ditadura, tinham conhecimento das práticas de violência, morte e tortura nos órgãos militares e também nas instalações de segurança pública. Essa denúncia é particularmente relevante porque ela reforça, confirma áudios daquela época que mostram que era de conhecimento dos ministros a existência dessas torturas e também o fato de que pouco foi feito para evitá-las", apontou. Nas redes sociais, diversos políticos repudiaram as declarações de Hamilton Mourão.
Eneá de Stutz e Almeida, professora da Faculdade de Direito da UnB e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Justiça de Transição no Brasil, também aponta a importância dos registros.
"Nesses áudios, há militares de alta patente que confirmam que sabiam que a tortura era usada como mecanismo sistemático de repressão, ao contrário, por exemplo, da afirmação de hoje (ontem) do Vice-Presidente da República", diz a pesquisadora.
Ela afirma a necessidade de se repensar temas como ditadura e democracia. "O que é possível avançar — e é muito importante que isso aconteça — é o debate sobre a ditadura e a tortura, que aconteceram e foram muito ruins, e a democracia, que precisa ser defendida", disse.
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