O veto às manifestações eleitorais no Lollapalooza gerou o efeito contrário ao pretendido pelo Partido Liberal, do presidente Jair Bolsonaro. A legenda desistiu da ação contra o festival de música na noite de ontem, na qual, antes, acusava artistas e organizadores de propaganda eleitoral antecipada.
A ação conseguiu uma decisão provisória, dada de forma monocrática pelo ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibiu manifestações de cunho político durante os shows, realizados em São Paulo, no fim de semana.
O assunto também causou incômodo no presidente do TSE, Edson Fachin, que pretendia levar o caso com urgência ao plenário da Corte. O magistrado afirmou que o histórico da Corte é de defesa "intransigente" da liberdade de expressão. Decisões monocráticas são levadas para apreciação do tribunal pelo presidente do TSE, para os demais ministros manterem ou cancelarem a determinação.
A liminar do ministro Raul Araújo também determinou multa de R$ 50 mil para a organização do Lollapalooza caso artistas se manifestassem politicamente durante o evento. A determinação atendeu a uma ação do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, após manifestações da cantora Pabllo Vittar em prol do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante um show.
Os advogados mencionaram a realização de propaganda eleitoral irregular, mas, na noite de ontem, formalizaram a desistência da ação, por conta da repercussão negativa. Além de uma fatia da população, artistas, políticos e juristas se posicionaram contra a proibição alegando censura.
A retirada da peça atende a um pedido feito pelo próprio Bolsonaro, que acredita não ter sido consultado sobre a ação. O chefe do Executivo ficou enfurecido com o desgaste sofrido.
Em documento encaminhado à Corte eleitoral, a organização do evento afirmou não ter como cumprir a determinação que "veda manifestações de preferência política" durante a apresentação dos artistas, tampouco controlar e proibir o conteúdo das falas, visto que o show não foi contratado com o objetivo de "promover qualquer candidato ou influenciar na campanha eleitoral".
A organização ainda ressaltou que os episódios representam "o exercicio regular da liberdade de expressao" e são manifestações de caráter pessoal e de responsabilidade exclusiva dos artistas.
Juristas opinam
Uma discussão jurídica se formou acerca do assunto. Especialistas ouvidos pelo Correio analisaram se a proibição à artista seria configurada censura ou realização de propaganda eleitoral irregular. Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em direito eleitoral, a decisão do TSE teria grandes chances de ser derrubada pelo próprio plenário da Corte.
"Primeiro, nós não temos, nesse caso, um comício. Ou seja, um evento promovido com o propósito de se fazer uma manifestação política, mas sim um evento artístico", apontou.
"Houve uma manifestação, mas é uma manifestação do artista que faz parte da sua própria performance. Não há como a Justiça Eleitoral coibir essa manifestação pró ex-presidente Lula, ou manifestação de qualquer outro artista", destacou.
Na avaliação do ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) Fábio Medina, a decisão inicial do magistrado do TSE foi correta. Para ele, a manifestação caracteriza, sim, propaganda eleitoral. "A liberdade de expressão não é absoluta, mas se dá nos limites da lei. Se [alguém] quiser promover campanha eleitoral, tem que realizá-la nos limites do TSE", afirmou Medina.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) se manifestou contra a decisão e afirmou que vê com preocupação a proibição de uma manifestação política no festival. "A liberdade de expressão, por meio da manifestação espontânea e gratuita de ideias, é essencial para assegurar a continuidade democrática e fomentar o debate público sobre eleições", diz.