A situação do ministro da Educação, Milton Ribeiro, fica cada vez mais complicada e coloca em xeque a permanência dele no cargo. O titular da pasta virou alvo de inquérito da Polícia Federal, ontem, por suspeita de favorecer pastores na liberação de verbas para prefeituras. A apuração foi autorizada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na quinta-feira à noite, a corporação já tinha instaurado outra investigação — por solicitação da Controladoria-Geral da União (CGU) — que tem como alvo os líderes evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura. Eles seriam os responsáveis por intermediar, diretamente com Ribeiro, a destinação dos recursos.
Cármen Lúcia avalizou a abertura de inquérito contra o ministro atendendo a um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que verificou indícios de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa. O PGR, porém, ainda não se manifestou sobre uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por suposto envolvimento no caso.
O escândalo foi denunciado pelo Estadão, que apontou a existência de um gabinete paralelo no MEC, comandado pelos dois pastores. Nesta semana, a Folha de S.Paulo divulgou áudio em que Milton Ribeiro diz: "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos). A minha prioridade é atender, primeiro, os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar". As declarações teriam ocorrido numa reunião com dirigentes municipais dentro do ministério.
Com a revelação do áudio, começaram a surgir denúncias de prefeitos sobre propinas que os pastores cobravam para facilitar a liberação das verbas do MEC.
Ribeiro nega qualquer irregularidade e conta com o apoio de Bolsonaro. "O Milton, eu boto minha cara no fogo por ele. Estão fazendo uma covardia", protestou na live desta semana.
No despacho em que autorizou a apuração, Cármen Lúcia ressaltou que "se dá notícia de fatos gravíssimos e agressivos à cidadania e à integridade das instituições republicanas que parecem configurar práticas delituosas".
"O cenário exposto de fatos contrários a direito, à moralidade pública e à seriedade republicana impõe a presente investigação penal como atendimento de incontornável dever jurídico do Estado e constitui resposta obrigatória do Estado à sociedade, que espera o esclarecimento e as providências jurídicas do que se contém na notícia do crime", acrescentou a ministra.
Saiba Mais
Uma saída "a la Hargreaves"
A coordenação da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, deixe o governo o quanto antes. Embora o chefe do Executivo tenha dito que põe "a cara toda no fogo" por Ribeiro, o Centrão e líderes da bancada evangélica dizem que a situação é "insustentável" porque Bolsonaro perde cada vez mais o discurso de que não há corrupção no governo.
Líderes evangélicos apresentaram ontem ao presidente uma proposta que prevê licença para Ribeiro enquanto durarem os inquéritos abertos pela Polícia Federal. A ideia se inspira no caso de Henrique Hargreaves, que foi ministro da Casa Civil no governo Itamar Franco. Acusado de envolvimento em corrupção no escândalo dos anões do Orçamento, Hargreaves se afastou do governo para fazer sua defesa, em 1993, e voltou ao cargo 101 dias depois, inocentado.
Na avaliação de evangélicos aliados de Bolsonaro — apoiada agora por parte do Centrão — a saída "a la Hargreaves" poderia ser repetida por Ribeiro como forma de dar um voto de confiança ao ministro.
A licença chegou a ser defendida pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), padrinho da indicação de Ribeiro; pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica; e pelo pastor Silas Malafaia.
Para o comitê da reeleição, Bolsonaro não pode ser "contaminado" por mais um desgaste no momento em que começa a ganhar fôlego nas pesquisas e tem visto diminuir a diferença para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu maior adversário.
O argumento da equipe de campanha é de que o presidente precisa sair rapidamente dessa agenda negativa porque não tem mais o tempo que teve, por exemplo, durante a crise provocada pela pandemia da covid-19. No ano passado, ele foi alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), que pediu o indiciamento dele por expor os brasileiros à infecção quando resistiu em comprar vacinas.
A saída de Ribeiro na reforma ministerial, que deve ocorrer na próxima semana, é outra ideia que chegou a ser cogitada no Planalto. Nesse caso, ele deixaria o MEC com o discurso de que vai concorrer a deputado federal. Antes, porém, precisaria se filiar a algum partido, o que, no auge da crise, não é tarefa fácil.
7 meses de apuração preliminar
No outro inquérito aberto pela Polícia Federal sobre o gabinete paralelo no Ministério da Educação, o titular da pasta, Milton Ribeiro, não é alvo de investigação. A apuração foi aberta com base em informações compartilhadas pela Controladoria-Geral da União (CGU). O foco são suspeitas de repasses irregulares de recursos, via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a municípios. A CGU informou ter encaminhado relatórios e “evidências coletadas” durante investigação preliminar, aberta em agosto, para apurar a atuação de pastores na intermediação de verbas do MEC.
O governo federal precisou de sete meses de uma apuração preliminar e de uma semana de denúncias na imprensa para encaminhar à PF e ao Ministério Público Federal (MPF) as suspeitas de esquema de favorecimento de prefeitos ligados a um grupo de influência religioso.
A CGU informou que o resultado das investigações foi encaminhado em 3 de março ao gabinete do controlador-geral da União, o ministro Wagner Rosário, onde permaneceu parado por 20 dias, até ter tido encaminhamento na última quinta-feira, diante das denúncias da imprensa.
“O ministro alertou também, em seu despacho, para que todos os casos divulgados acerca de possíveis irregularidades envolvendo oferecimento de vantagem indevida de terceiro citado na Instrução Preliminar sejam incorporados à Investigação Preliminar Sumária (IPS) instaurada em 23/03/22, citada na Nota de Esclarecimento da CGU de mesma data”, diz a nota da pasta.
A CGU, porém, recusou-se divulgar qualquer documentação que comprove a existência da investigação interna que teria feito, tampouco algum documento que confirme o encaminhamento à Polícia Federal. O órgão disse que “não irá dar acesso ao Relatório e ao Procedimento propriamente dito face ao previsto no parágrafo 3º do artigo 7º da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011)”.
Em entrevista à CNN Brasil, na quarta-feira, Milton Ribeiro admitiu que teve conhecimento de “conversas estranhas” do pastor Arilton Moura, envolvendo recursos do Ministério da Educação, mas manteve reuniões com o religioso. O titular da pasta disse que recebeu relatos e também uma denúncia anônima sobre pedidos de recursos feitos pelo pastor em troca de benefícios no MEC, em agosto de 2021, e repassou o caso à CGU.