O presidente Jair Bolsonaro (PL) usou a guerra no Leste Europeu como alegação para defender a liberação de mineração em terras indígenas. Ele afirmou que o Brasil é dependente da Rússia para obter potássio, matéria-prima de fertilizantes usados na agricultura brasileira. Com o conflito internacional, o produto pode faltar ou encarecer. Por isso, na avaliação dele, regiões como a foz do Rio Madeira, próximo a uma reserva indígena, poderiam suprir essa demanda.
Nas redes sociais, Bolsonaro publicou um vídeo de 2016 em que declara na Câmara ser favorável à exploração de potássio em reservas indígenas. "Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira (existem jazidas também em outras regiões do país)", escreveu na postagem. Ele defendeu a aprovação do Projeto de Lei 191/2020, em tramitação na Câmara. "Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas", acrescentou.
De acordo com Bolsonaro, "nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância".
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, destacou a importância da Rússia e de Belarus no fornecimento de potássio e ureia e disse que o Brasil tem "estoque de passagem para chegar até a próxima safra, em outubro". Ela informou que articula com outros países produtores de potássio, como Canadá, Irã e Arábia Saudita.
Tereza Cristina frisou, ainda, que um plano nacional sobre a política de fertilizantes vai ser anunciado até o dia 17, contendo soluções para a adequação de leis, questões tributárias e licenças ambientais.
Suely Araújo — especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-diretora do Ibama — ressaltou que Bolsonaro usa a guerra como justificativa para tentar viabilizar o projeto de acabar com as terras indígenas e aniquilar os direitos dos povos originários. "O PL 191, elaborado pelo Executivo, foi redigido de forma a viabilizar exploração mineral em larga escala e sem cuidados ambientais, com prioridade para o garimpo de ouro. Se aprovado, destruirá as terras indígenas", observou.
O Instituto Socioambiental (ISA) enfatizou que a sociedade precisa ser informada, por meio de estudos científicos, sobre o potencial de produção mineral fora das terras indígenas. "A exploração de jazidas de potássio situadas fora desses territórios deve ser priorizada. O presidente, no entanto, escolhe fomentar o racismo contra os povos indígenas, alimentando o falso antagonismo entre o desenvolvimento nacional e os direitos indígenas", criticou.
Defesa
Já o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) insistiu que é preciso diminuir a dependência do país em relação aos fertilizantes. "O município de Autazes, no Amazonas, na beira do Rio Madeira, tem, talvez, a maior jazida de potássio do Brasil, deste lado do mundo. E não está em área indígena. Talvez, esteja próxima, mas, por uma questão de burocracia, a empresa que estava investindo quase R$ 2 bilhões está parada por uma pendenga judicial ligada à questão ambiental", sustentou. "O Brasil não precisa de adversário. Ele mesmo se atrapalha. Só Autazes, que pode produzir 25% de todo o potássio que a agricultura brasileira precisa, está parada desde 2015, 2016 por causa de um problema no Ministério Público (leia Saiba mais)."
Vice-presidente da Comissão de Agricultura da Câmara e integrante da Frente Parlamentar Brasil Competitivo, o deputado Evair de Melo (PP-ES) defendeu que a soberania brasileira passa pela produção de alimentos. "No curto prazo, nós estamos abastecidos. O problema é no médio e longo prazos. Temos de aprovar o PL 191/2020, que destrava a exploração de potássio no Brasil. Mas temos de começar logo, para termos o produto no futuro. Já estamos tratando disso, acionando (Arthur) Lira", destacou, numa referência ao presidente da Câmara.
Saiba mais
» Em 2015, a detentora do direito de exploração da mina de Autazes (AM), a empresa Potássio do Brasil, entregou ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) referentes ao empreendimento. Porém, segundo o Ministério Público Federal, houve denúncia de irregularidades.
» "O MPF passou a acompanhar o caso depois de receber informações de que a empresa Potássio do Brasil começou a realizar estudos e procedimentos na região sem qualquer consulta às comunidades. Em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação", informou o MPF, em nota. "Nenhum dos pedidos foi atendido. A concordância em realizar as consultas nos moldes previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) só veio após o MPF levar o caso à Justiça. O processo tramita na 1ª Vara Federal do Amazonas."
» Conforme o MP, "o estudo de impacto ambiental classificou o porte do empreendimento como excepcional e afirma ser muito alta a interferência nos referenciais socioespaciais e culturais nas comunidades tradicionais e indígenas da região". "Atualmente, está pendente de análise no processo pela Justiça Federal no Amazonas a definição do Instituto de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como órgão competente para o licenciamento, considerando que a questão afeta diretamente terras indígenas, posicionamento defendido pelo MPF e pelos próprios indígenas Mura."
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