Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta vender a imagem de um novo PT, afastado das imperícias e das condenações que impactaram o partido no passado. Em entrevista, ontem, ele enfatizou que, num eventual terceiro mandato, não integrarão o governo nomes históricos da legenda, como a ex-presidente Dilma Rousseff, cuja gestão foi considerada desastrosa; o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-deputado José Genoino, ambos sentenciados por corrupção (leia quadro).
Lula recuperou os direitos políticos após ter duas condenações na Lava-Jato — nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia — anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"Não tem sentido uma ex-presidente da República trabalhar de auxiliar em outro governo. Tenho profundo respeito pela Dilma, tem uma competência técnica extraordinária, mas tem muita gente que surgiu desde que governamos o país. Tem muita gente nova aí", comentou Lula à Rádio Super, de Belo Horizonte. Ele também destacou respeito por José Dirceu e José Genoino, mas frisou que nenhum deles aceitaria um cargo no governo.
Para Leandro Consentino, cientista político do Insper, o antipetismo, deflagrado pela série de escândalos, e a avaliação negativa do governo Dilma "jogam contra Lula". "É uma bola de ferro, porque traz histórico complicado do ponto de vista ético. É plenamente compreensível que Lula queira passar essa imagem. A questão é se o eleitor vai comprar essa figura 2.0", ressaltou.
Ricardo Ribeiro, sócio da Ponteio Política, destacou a dificuldade do PT de administrar a imagem deixada por Dilma. "Ao mesmo tempo, não podem abrir mão integralmente da defesa do governo dela nem de voltar atrás no discurso de que houve um golpe", disse. "Ele (Lula) sabe que ela é uma figura polêmica, impopular, que deixou indicadores ruins na economia. Será colocada em segundo plano na campanha."
Professor de relações institucionais do Ibmec-DF, Eduardo Galvão comentou que "Lula, estrategicamente, está pensando no antipetismo na hora de compor essa coalizão". "Então, faz muito mais sentido ele trazer partidos que consigam agregar outros valores,, trazer outro eleitorado", afirmou. "Por isso, a decisão de trazer Geraldo Alckmin para a chapa dele, que é um candidato que dialoga bastante com o setor produtivo. Há, então, a preocupação inicial, que é aumentar a competitividade eleitoral."
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Defesa
Na entrevista de ontem, Lula rebateu críticas à futura aliança com o ex-governador paulista, recém-filiado ao PSB. "Contraditório seria eu ter um vice do PT, que seria uma soma zero, não acrescentaria nada na expectativa eleitoral brasileira", argumentou. Ele lembrou da parceria com José de Alencar, vice-presidente nos pleitos de 2002 e 2006. "Uma pessoa que eu não conhecia", relembrou, emendando uma série de elogios ao político, que morreu em 2011.
De acordo com o ex-presidente, o fato de ele e Alckmin terem estado em lados opostos por décadas não impede que, hoje, elaborem um projeto de país juntos. "Isso não é problema, porque nós estamos, na verdade, tentando construir uma proposta de reconstrução do Brasil. O país está destruído", disparou.
Para Ricardo Ribeiro, a comparação é pertinente. "A similaridade é enorme. Hoje, em termos de articulação política, é provável que o Alckmin tenha de fato um papel mais relevante ainda de articulação com o Congresso do que teve o José Alencar."
Os excluídos
Dilma Rousseff
A ex-presidente Dilma Rousseff teve um governo avaliado como desastroso, tanto na política quanto na economia. A gestão dela mergulhou o Brasil na recessão. Em agosto de 2016, a petista sofreu um processo de impeachment no Congresso, sob a acusação de ter cometido crime de responsabilidade ao recorrer a manobras contábeis conhecidas como pedaladas fiscais. Uma ala do PT tenta, portanto, isolá-la.
José Dirceu
O ex-ministro foi condenado duas vezes no âmbito da Operação Lava-Jato. Em 2016, por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e organização criminosa num esquema de contratos superfaturados da construtora Engevix com a Petrobras. No ano seguinte, por ter recebido R$ 2,1 milhões em propina de um contrato entre a empresa Apolo Tubulars e a estatal. Ele já havia sido condenado no processo do mensalão por corrupção ativa.
José Genoino
O ex-deputado federal e ex-presidente do PT foi condenado por corrupção ativa, em 2012, no processo do mensalão — esquema de compra de votos de parlamentares para favorecer o governo. Ele passou a cumprir a pena em novembro de 2013. Acabou contemplado com o indulto de Natal em 2014, confirmado, no início do ano seguinte, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Alianças fora da esquerda
A cúpula do PT aprovou, ontem, uma ampla política de alianças, que ultrapassa as fronteiras de esquerda, para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições. Com isso, até mesmo partidos que apoiaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, como o MDB, o PSD e o PSDB, poderão integrar as coligações nos estados.
Na prática, o PT está preocupado com o crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, embora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja favorito nas intenções de voto. A ordem é evitar o "salto alto" e o clima de "já ganhou". Dirigentes do partido querem que Lula tenha um calendário de atividades nas ruas o quanto antes.
A decisão sobre a política de alianças foi tomada em reunião do Diretório Nacional do PT um dia depois de o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin se filiar ao PSB, dando o primeiro passo para ser vice na chapa de Lula.
Não é a primeira vez, porém, que o PT aprova alianças com partidos que votaram a favor do impeachment de Dilma. A estratégia já foi adotada na eleição presidencial de 2018 e na disputa municipal de 2020, quando os petistas diziam ser necessário sair do isolamento e reconquistar o espaço perdido.
Sob o argumento de que para derrotar o bolsonarismo "é preciso dar uma resposta de unidade da sociedade", o PT afirma, agora, que a candidatura de Lula deverá trazer "a ampliação (...) que se espera das forças de oposição ao governo nesta quadra da história, respeitando os compromissos programáticos antineoliberais".
"Vírus"
A resolução aprovada, ontem, pelo PT reflete a estratégia já em curso pela campanha de Lula ao pregar a "unidade dos setores democráticos" não apenas em torno da candidatura ao Planalto, mas também de um "movimento político e social" para derrotar Bolsonaro. O documento define o bolsonarismo como "o principal vírus em circulação na política brasileira" desde 2018. "Quem outrora não esteve conosco é mais do que bem-vindo a participar deste movimento que devolverá a cadeira de presidente da República ao povo brasileiro", diz um trecho do texto que passou pelo crivo do Diretório Nacional.
Ao se filiar, na quarta-feira, ao PSB, Alckmin foi na mesma linha e justificou a aliança, após embates públicos com Lula, dizendo que se trata de um "momento excepcional" no Brasil, com risco à democracia. Na eleição de 2006, quando disputou o segundo turno com Lula, Alckmin acusou o adversário de ter "quebrado o Brasil" e disse que ele queria voltar "à cena do crime", mesma expressão usada, agora, por Bolsonaro. De lá para cá, o ex-governador mudou totalmente o discurso e afirma, hoje, que Lula representa a "esperança" do povo.
Partidos
Até agora, o PT só fechou acordo para formar uma federação com o PCdoB e o PV, o que significa que esses partidos deverão estar juntos por, no mínimo, quatro anos nas eleições. O PSB decidiu apoiar Lula, mas sem integrar a federação. O PSol deve seguir o mesmo caminho, embora queira negociar pontos do programa de governo, como a revogação das reformas trabalhista e da Previdência.
"Nós faremos alianças com os partidos de esquerda e progressistas, assim como buscaremos parcerias com o campo democrático, para garantir o pleno funcionamento das instituições democráticas, que estão sob permanente ataque", disse o deputado Paulo Teixeira (SP), secretário-geral do PT.
No Nordeste, porém, até mesmo partidos do Centrão, como o PP e Republicanos — que compõem a base de sustentação de Bolsonaro no Congresso — têm alianças com o PT, e seus líderes devem aderir à campanha de Lula em estados como Bahia, Maranhão e Pernambuco. O vice-governador da Bahia, João Leão (PP), por exemplo, rompeu com o PT, mas disse que apoiará Lula, embora seu partido esteja na base de Bolsonaro.
Uma ala do MDB também promete entrar na campanha de Lula ainda no primeiro turno da eleição, mesmo tendo lançado a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MS) ao Planalto. Pelos cálculos do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ao menos 13 diretórios endossam essa articulação. Estão na lista seis seções do Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí), além de dirigentes em outros estados, como os ex-senadores Eunício Oliveira (CE) e Romero Jucá (RR).
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