Pela primeira vez, o Google se posicionou contrário ao Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. Nesta sexta-feira (11/3), a empresa publicou uma carta aberta dizendo que a proposta pode ter efeito contrário e facilitar a ação de pessoas que “querem disseminar desinformação”.
De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), a proposta foi aprovada pelo Senado Federal em junho de 2020, e segue em debate na Câmara. Pelo texto ter sofrido diversas alterações, o projeto precisa voltar ao Senado após ser deferido pelos deputados.
Na carta, assinada pelo presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, a empresa elenca uma série de consequências negativas que o texto em discussão no Congresso Nacional pode causar. Além de facilitar a divulgação de notícias falsas, a plataforma diz que o projeto de lei pode tornar mais difícil que veículos de comunicação alcancem os leitores e tornará os produtos e serviços do Google menos úteis e seguros para brasileiros e empresas que os usam todos os dias.
Um dos trechos da proposta que o Google chama à atenção é relacionado a obrigatoriedade da divulgação de informações estratégicas das plataformas e redes sociais. De acordo com a empresa, publicar essas informações fornecerá “a agentes mal-intencionados um guia sobre como contornar as proteções dos nossos sistemas, trazendo prejuízos para a qualidade e segurança dos nossos resultados de busca”.
Com o acesso às informações, por exemplo, usuários poderiam burlar os algoritmos que o Google adota para exibir matérias aos usuários, e assim aparecer melhor nas pesquisas. “Com isso, eles poderiam manipular essas informações para conseguir obter uma melhor posição no nosso ranking de pesquisas, prejudicando ao longo do processo aqueles que produzem conteúdo confiável e relevante”, diz trecho do documento.
Remuneração ao jornalismo
O artigo 36 do PL prevê que as plataformas digitais paguem pelo uso de conteúdo jornalístico. Os sites, e até mesmo entidades que representam a imprensa, criticaram o trecho. Entre as principais reclamações está a falta de clareza na proposta, que não estipula, por exemplo, como o pagamento será feito na prática ou o que será considerado “conteúdo jornalístico" — se seria, por exemplo, uma reportagem publicada no site de um jornal, o trecho de uma matéria, uma publicação em um blog e etc.
“As ferramentas de busca poderiam acabar sendo forçadas a remunerar qualquer site que alegue produzir conteúdo jornalístico, apenas por exibir pequenos trechos de conteúdo, com os respectivos links para suas páginas indexadas da web”, pontua o Google.
De acordo com a empresa, a remuneração pode criar uma competição injusta onde grandes grupos de mídia vão levar vantagem, e jornais locais, por exemplo, sairão prejudicados. “Grandes grupos de mídia serão capazes de fechar acordos comerciais mais favoráveis em função da escala da sua produção e do seu poder de negociação, principalmente quando comparados a veículos menores, locais, mais diversos e inovadores”, diz.
Na carta, o Google diz que é favorável a ideia de apoiar e valorizar o jornalismo, e cita iniciativas tomadas nos últimos anos, como o lançamento do Google News, em 2020, que atualmente remunera mais de 60 veículos jornalísticos no Brasil para que eles licenciem e façam curadoria do conteúdo para usuários do buscador.
Em novembro de 2021, nove associações que representam empresas e profissionais de imprensa — entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) — assinaram um manifesto contra o artigo 36 do PL 2630/2020. Segundo as entidades, o PL demonstra a “falta de maturidade” da discussão no Congresso Nacional e não ajuda na resolução do problema.
“Não há qualquer menção de como tal remuneração funcionará; o que será considerado jornalismo; qual uso ensejará remuneração; quem fará a fiscalização e se haverá acordos individuais com cada veículo ou uma entidade arrecadadora; se haverá qualquer direito dos profissionais do jornalismo”, diz trecho do documento, que pode ser conferido na íntegra no site da Abraji.
Prejuízo na publicidade
Outro ponto polêmico da proposta impede que plataformas usem informações coletadas com consentimento dos usuários para conectar empresas com potenciais consumidores. Esse recurso é usado, por exemplo, quando um usuário pesquisa por vídeos sobre ciclismo no Youtube, e logo depois os anúncios nos sites que ele visita apresentam ofertas de bicicleta.
“Dessa maneira, os anúncios digitais podem gerar menos vendas e as empresas pequenas terão de investir mais para alcançar o mesmo número de clientes, ou seja, ficará mais difícil para elas prosperarem”, informa o Google.
A medida afetará também os veículos de comunicação, que recebem pelos anúncios exibidos nos sites, e serão privados dessas fontes de receita. “A publicidade personalizada é fundamental para o modelo de negócio dos veículos de comunicação, uma vez que gera uma fonte de receita que lhes permite oferecer conteúdo com baixo custo ou mesmo de graça para seus leitores na internet”, diz trecho da carta.
Mais plataformas já se posicionaram
Em 24 de fevereiro deste ano, um grupo formado pelo Facebook, Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre divulgou uma carta conjunta sobre como a aprovação do PL 2630/2020 pode "acabar mudando a internet como conhecemos hoje".
Em trecho do documento, as empresas dizem que o atual texto da proposta passou a representar "uma potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias."
O relator da proposta na Câmara, o deputado Orlando Silva (PcdoB-SP), reagiu à carta e disse que os temores das companhias são infundados. De acordo com o parlamentar, as reivindicações são, na verdade, de interesses privados das empresas. "Eles são contra a regulação. Essas instituições multinacionais querem tratar a internet como terra sem lei: só querem regulação privada. Acontece que existe um interesse público em jogo, então cabe sim uma regulação pública. A internet não é uma terra sem lei", declarou o deputado ao site Congresso em Foco.
O Google diz que não se opõe ao objetivo proposta pelo projeto de lei, de combater a desinformação, mas que, da forma como o texto está agora, "ele não vai alcançar essa meta". “Ninguém quer que as notícias falsas se espalhem na web e, como plataforma de tecnologia, investimos continuamente em ferramentas de transparência e em ações para combater a desinformação e trabalhamos de maneira incansável com a sociedade civil, governos e empresas jornalísticas para enfrentar esse desafio juntos. Essa é uma prioridade para nós e estamos determinados a ser parte da solução contra a desinformação”, diz a empresa na carta. Clique aqui para conferir a íntegra da carta do Google.
A aprovação do PL é uma das principais apostas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para diminuir o impacto das fake news nas eleições de outubro deste ano. Mas, para valer neste pleito, o projeto precisa estar publicado no Diário Oficial da União até o dia 2 de julho. Para isso, precisa passar por aprovação na Câmara e no Senado Federal, e depois ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
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