Com a iminente guerra entre Rússia e Ucrânia, que pode impactar o Brasil com a alta de combustíveis, por exemplo, e o consequente aumento da inflação — já em dois dígitos —, o presidente Jair Bolsonaro quer antecipar, para logo depois do carnaval, um pacote de bondades, com o qual pretende criar um clima positivo e turbinar sua campanha à reeleição.
Entre as benesses previstas pelo governo estão liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quitação de dívidas; linha de crédito de até R$ 100 bilhões para micro e pequenos empresários, com possibilidade de renegociação de débitos em atraso; linha de microcrédito, no valor de até R$ 3 mil, para informais; e ampliação dos subsídios ao programa Casa Verde Amarela para famílias do Norte e do Nordeste com renda mensal de até dois salários mínimos.
No pacote de bondades estão, ainda, isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para taxistas e deficientes; e programa habitacional para profissionais da área de segurança, que deve custar R$ 100 milhões por ano em 2022 e 2023. O chamado Habite Seguro foi aprovado pelo Senado no último dia 16 e deve ser sancionado pelo presidente ainda nesta semana.
Integrantes do governo vêm constantemente enaltecendo as pautas sociais do Executivo. Em coletiva, ontem, no Ministério da Saúde — sobre a vacina 100% brasileira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) —, o ministro da Cidadania, João Roma, comentou sobre o Auxílio Brasil e o comparou ao programa anterior, o Bolsa Família, cuja marca era fortemente ligada ao PT. "O Auxílio Brasil zerou a fila do antigo Bolsa Família", frisou.
Primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) ressaltou impactos que uma eventual guerra entre Rússia e Ucrânia podem causar ao Brasil. "Um conflito nessa região fará disparar o preço do petróleo, provocando uma inflação ainda maior em nosso país, que já convive com o descontrole dos preços e uma situação social extremamente grave por falta de decisões eficazes deste governo", criticou.
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Demagogia fiscal
Na avaliação do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), as propostas do governo são eleitoreiras, pois, apesar de eficazes a curto prazo, vão prejudicar, justamente, os mais necessitados no futuro. "Nós já experimentamos isso no final do governo Dilma (Rousseff), às vésperas de sua reeleição. Isso é sempre perigoso. Demagogia fiscal sempre cobra a conta muito mais caro no médio e no longo prazos, e a conta sobra sempre para os mais pobres. Não acho esse um bom caminho para enfrentar este momento difícil", ponderou.
Do lado governista, parlamentares defendem a aprovação das pautas sociais, em especial por causa da crise sanitária, como o deputado federal Bibo Nunes (União Brasil-RS), que rechaçou a pecha eleitoreira do pacote de bondades.
"Nós vivemos um momento muito difícil. O momento é de pandemia, e tudo o que pudermos fazer pelo social temos de fazer. Não tem nada de questão demagógica. Tem de ter competência para ver o equilíbrio fiscal e fazer tudo dentro da lei e da norma", sustentou.
Instrumentos
Diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco afirmou que o chefe do Executivo dispõe de dois instrumentos poderosos, que tem demonstrado usar fartamente para uma eventual reeleição: a caneta e o cofre. "Há um grande segmento da sociedade passando por enormes dificuldades e sensível aos benefícios diretos que lhe favoreçam, como a criação do Auxílio Brasil. É possível que a implantação de novos benefícios tenha forte correlação com a popularidade do presidente", afirmou. "Como o presidente compartilha com o Centrão a caneta e a chave do cofre, as medidas são aprovadas com certa facilidade no Congresso, pois os parlamentares também se beneficiam eleitoralmente do pacote de bondades."
Castello Branco apontou, no entanto, o risco de que a ambição eleitoral passe a andar de mãos dadas com a irresponsabilidade fiscal, fato que vai aumentar a desconfiança dos agentes econômicos, agravar a inflação, elevar os juros e manter alto o desemprego.