Se a ida de Jair Bolsonaro para Rússia serviu para tentar sinalizar à base eleitoral dele que o Brasil não está isolado internacionalmente, para o presidente russo, Vladimir Putin, o encontro com Bolsonaro foi explorado politicamente para ganhar legitimidade e apoio interno no caso das tensões com a Ucrânia e até mesmo esfriar as tensões e desviar o foco de uma eventual guerra. O próprio presidente brasileiro disse que o russo “busca a paz”.
Na avaliação de Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em relações internacionais, além do recado ao povo russo, Putin possui outros três pontos de interesse nas relações com o Brasil: dois a curto e um a longo prazo. “Se, por ventura, houver uma invasão à Ucrânia, sanções internacionais, qualquer tipo de bloqueio, congelamento de ativos, coisas que possam afetar a economia russa, o Brasil pode ser um aliado para manter a economia deles funcionando. A segunda questão tem a ver com o Conselho de Segurança da ONU, o Brasil é um dos países não permanentes do conselho, portanto, neste ano de 2022, pode ser útil para ajudar a manter o tema da intervenção da Ucrânia fora da agenda do conselho. Então, virou aliado diplomático na ONU também”, explicou.
O interesse no Conselho de Segurança foi confirmado pelo chanceler brasileiro, Carlos França, após reunião com os ministros russos, na quarta-feira (16/2). “Tratamos de temas da conjuntura internacional, sobretudo em nossas regiões e também abordamos questões afetas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas", disse.
Ao construir relações maduras com outros países, principalmente com os que proporcionam alianças comerciais favoráveis ao governo russo, outro interesse importante para Putin é estreitar relações com países da América do Sul. Nesse aspecto, o Brasil é fundamental por ser uma das maiores potências econômicas do continente. “A Rússia já tem dois aliados mais longos: a Venezuela e Bolívia. E se aproximou nos últimos tempos de México e Argentina e o Brasil é importante nessa equação porque é a maior economia, é a potência da América do Sul. Por isso, manter boas relações com o Brasil, independentemente de governo, é estratégico para o país”, conjecturou Casarões.
Além da tentativa de arrefecer e desviar o foco do clima de tensão sobre a invasão ao território ucraniano, a Rússia manifestou outros interesses na relação com o Brasil, como assuntos relacionados à área da defesa. Os ministros das Relações Exteriores, Carlos França, e da Defesa, Braga Netto, se reuniram em Moscou com seus homólogos russos, Serguei Lavrov e Serguei Choigu. O formato da reunião foi classificado de 2+2, por se tratar de um encontro entre quatro ministros, dois de cada país.
"Hoje, com os ministros Serguei Lavrov e Serguei Choigu, discutimos três pontos, basicamente. Em primeiro lugar, discutimos parâmetros para implementar a parceria estratégica Brasil-Rússia no campo da pesquisa e desenvolvimento de projetos comuns na área da Defesa”, explicou.
Interesse eleitoral
Já no lado brasileiro, ter apoio de Vladimir Putin pode ser interessante para a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Desde a derrota de Donald Trump para Joe Biden nas eleições americanas, em 2020, Bolsonaro ficou sem o principal aliado internacional. Sem Trump, Bolsonaro não possui aprovação de chefes de estado das maiores potências do mundo, pelo contrário. O presidente da República acumula rusgas com países como França, Inglaterra, China e até mesmo os Estados Unidos.
Trump foi diretamente beneficiado por uma intervenção russa nas eleições americanas de 2016. Um relatório elaborado por agências de inteligência dos Estados Unidos atribuiu a Putin a ordem de começar uma campanha de desgaste de reputação a Hillary Clinton, candidata democrata, derrotada por Donald Trump à época.
Segundo especialistas, Bolsonaro pode ter tentado negociar algum acordo na mesma linha, em uma espécie de ‘agenda oculta’. Além da forte influência russa para desgastar Clinton e favorecer Trump, o historiador e pesquisador do Observatório da Extrema Direita (OED), Vinícius Bivar, analisa que o presidente brasileiro pode ter interesse no mesmo jogo usado nas eleições americanas em 2016.
“A intervenção russa na eleição americana não foi muito velada, foi até bastante pública, mas no caso do Brasil, não acredito que haja interesse do Putin em fazer o mesmo, porque o Brasil não tem a mesma relevância que os Estados Unidos, mas é possível que o Bolsonaro tenha interesse em apoio da agência russa de notícias nesse processo de desinformação”, explicou.
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