Após reunião com o presidente Vladimir Putin, no Kremlin, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse compartilhar valores comuns com o líder russo, a quem chamou de "prezado amigo", afirmou que o chefe de Estado é "uma pessoa que busca a paz" e caracterizou a agenda em Moscou como "profícua".
Em aceno ao eleitorado raiz, Bolsonaro agradeceu a Putin o apoio em relação à Amazônia, frisando que "a Rússia sempre esteve ao lado do Brasil em defesa de nossa soberania". "De forma muito especial, quando alguns países questionaram a Amazônia como patrimônio da humanidade, eu quero agradecer à sua intervenção. Sempre esteve ao nosso lado em defesa de nossa soberania. Muito obrigado."
Bolsonaro sustentou que os dois países continuarão a aprofundar e a expandir a agenda bilateral e concluiu reforçando que "a paz é o interesse de todos".
Putin, por sua vez, destacou que o Brasil é o principal parceiro do país na América Latina. Ao final, ambos apertaram as mãos e posaram para uma foto.
Antes do encontro, Bolsonaro participou da entrega de flores no túmulo do soldado desconhecido, símbolo da comunista União Soviética, regime criticado pelo chefe do Executivo. Ao anunciar que iria à Rússia, ele chegou a enfatizar que Putin é "conservador".
O presidente admitiu que foi pressionado a desistir da viagem a Moscou, mas não revelou de onde partiu a tentativa de dissuadi-lo. Também procurou defender o líder russo. "É uma pessoa que busca a paz, e qualquer conflito não interessa para ninguém no mundo. Mantivemos nossa agenda, por coincidência ou não, parte das tropas deixou a fronteira. E, pelo que tudo indica, o caminho para solução pacífica se apresenta no momento para a Rússia e a Ucrânia", afirmou.
Ao ser perguntado por jornalistas se havia conversado com Putin a respeito da segurança nas eleições, disse que "isso não é assunto para tratar fora do Brasil" e que "se alguém faz qualquer ilação nesse sentido, está extrapolando, no meu entender, a sua atividade".
Na terça-feira, o ministro Edson Fachin, que tomará posse, na semana que vem, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que uma das prioridades da Justiça Eleitoral este ano é a segurança cibernética. Ele citou a Rússia como um exemplo de país que dispara ataques cibernéticos.
Fertilizantes
Na área econômica — motivo alegado por Bolsonaro para a visita à Rússia em meio à tensão internacional —, o presidente reforçou o interesse do Brasil em fertilizantes e ressaltou oportunidades de ampliação de negócios no setor de energia, em exploração de gás, petróleo e derivados. O chefe do Executivo ainda sugeriu interesse do país em trabalhar com os russos em áreas de ponta como nanotecnologia, biotecnologia, inteligência artificial, tecnologias de informação e comunicações e pesquisas em saúde e oceanos.
"Eles têm interesse enorme em vender, e nós temos grande interesse em adquirir. O Brasil é dependente, em grande parte, de fertilizantes de outros países, em especial aqui da Rússia. Essa conversa, tive antes com o presidente Putin, e ele também apoia o empresariado russo. Isso está muito bem encaminhado. O que já sabíamos é que há um grande interesse da Rússia no Brasil e do Brasil na Rússia", sustentou.
Ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa avaliou que, tirando os fertilizantes, são declarações de intenções a serem examinadas pelos respectivos governos e discutidas numa reunião em abril. "Uma das áreas que pode ter desdobramentos é a cooperação na área nuclear; outra, os investimentos nas fábricas de fertilizantes. A entrevista ficou focada no bilateral apenas", disse.
Paulo Roberto Almeida, diplomata e ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), afirmou que Bolsonaro mostrou não ter noção do que seja política externa. "Ele declarou que Putin é uma pessoa que busca a paz. Chega a entrar num terreno de imaginação esquizofrênica fazer uma afirmação desse tipo quando todo o mundo observa concentração de tropas e intimidação exercida por Putin contra a Ucrânia", destacou.
Almeida mencionou que não houve acordo concreto. "E Bolsonaro ainda teve a petulância de agradecer a Putin a posição de apoio dele pessoalmente à soberania brasileira no debate sobre a Amazônia. Ou seja, o que ele quer ressaltar é que Putin é solidário com a obra de destruição que ele faz na Amazônia. Bolsonaro saiu do roteiro, também, ao pregar a paz para todo mundo como um missionário da paz internacional", acrescentou.
O especialista ressaltou que causou surpresa a parte do eleitorado do presidente a visita que ele fez ao túmulo do soldado desconhecido. "Só faltou ele visitar o túmulo do Lenin. Para quem proclamou que 'nossa bandeira jamais será vermelha', ele fez vários cumprimentos ao passado soviético e russo", analisou.
Para Ricardo Mendes, sócio da Prospectiva, a reunião seguiu dentro do protocolo, sem grandes acontecimentos. "A Rússia é um parceiro importante para o Brasil, sobretudo na área agrícola. Dependemos muito de fertilizantes. Na outra ponta, tem o interesse de abrir mercado russo para commodities agrícolas, principalmente para a proteína animal. Acho que devemos ver alguns resultados concretos nessa área", afirmou.