POLÍTICA

Análise: Um presidente de partido fraco a partir de 2023

Mais do que os embaraços enfrentados por Doria, chama a atenção a contradição intrínseca do PSDB, que define um pré-candidato, mas está longe de obter a coesão necessária para defender o seu representante para o cargo eletivo mais importante do país

Em seu artigo 3º, o Estatuto do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) estabelece uma série de compromissos a serem seguidos por seus membros filiados. No inciso I, o documento afirma que, "entre as diretrizes fundamentais e princípios programáticos" da agremiação partidária, constam "democracia interna e disciplina, de modo a assegurar a necessária unidade de atuação partidária, máxima participação dos filiados na definição da orientação política do Partido e na escolha de seus dirigentes, inclusive mediante eleições periódicas, livres e secretas em todos os níveis de sua estrutura".

A letra do estatuto tucano não poderia contrastar mais com a realidade. É difícil considerar que os membros da legenda devotam-se aos valores enunciados pela constituição do partido, como "democracia interna", "disciplina" e "necessária unidade de atuação partidária". O governador de São Paulo, João Doria, venceu as prévias do partido em novembro.

Mas, apesar do resultado, enfrenta resistências internas para se lançar pré-candidato à Presidência da República. Pesam notoriamente contra Doria os números revelados pelas pesquisas de intenção de voto. Apesar de administrar o estado mais rico do país e de se tornar antagonista de Jair Bolsonaro na pandemia em razão da CoronaVac, o governador enfrenta dificuldades em atrair a atenção do eleitor — e o apoio dos correligionários. E isso aumenta a pressão interna do partido.

Há outros fatores a considerar no processo autofágico do PSDB. O mais evidente é a divergência entre o vencedor das prévias e outros integrantes ilustres da legenda. Integra essa contracorrente, ainda, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, derrotado na disputa com o colega paulista. Mais do que os embaraços enfrentados por Doria, chama a atenção a contradição intrínseca do PSDB, que define um pré-candidato, mas está longe de obter a coesão necessária para defender o seu representante para o cargo eletivo mais importante do país. Naturalmente, as fragilidades do PSDB têm alto custo para o partido, que integra uma das alternativas para constituir uma terceira via no cenário polarizado de 2022.

Divergências internas são cotidianas em qualquer partido que se preze democrático. O que parece ocorrer no PSDB é uma dificuldade de determinar o momento de deixar as diferenças de lado e unir forças em torno de um objetivo comum. É uma situação distinta do que se vê em outra legenda tradicional, com mais de 40 anos de atividade. Não se observa esse tipo de problema no Partido dos Trabalhadores, que, há décadas, mantém a sua estrela maior, o ex-presidente Lula, em um patamar acima dos demais.

Nenhum petista contesta Lula, ninguém da legenda jamais o confrontará. A estrutura verticalizada mantida pelo lulismo é que permite ao líder das pesquisas eleitorais manter conversas com políticos de praticamente todo o espectro partidário — inclusive o ex-tucano Geraldo Alckmin e integrantes do Centrão. O pragmatismo de Lula se impôs — como de hábito — na diretriz do PT para ganhar a eleição. Tem funcionado até aqui.

O PT não é a única legenda que estabelece uma hierarquia. O caciquismo é uma tradição na política brasileira, é comum observar agremiações partidárias que orbitam em torno de uma figura central. Do PL comandado por Valdemar Costa Neto, passando pelo Centrão sob as rédeas de Arthur Lira e pelo PDT capitaneado por Carlos Lupi, os partidos no Brasil funcionam como uma espécie de clubes fechados. Isso explica a proliferação de legendas e a dificuldade de se formar federações partidárias, que exigem coerência programática e compromissos de longo prazo.

Nesse contexto partidário, há Jair Bolsonaro. O presidente também tem um perfil pragmático. Diz ter convicções fortes, mas se adapta bem às circunstâncias quando necessário. Se em 2018 Bolsonaro se apresentava como o candidato antissistema, em 2022 diz sem corar: "Vocês votaram num cara do Centrão".

Por todas essas razões, pode-se concluir que o próximo presidente da República terá vínculos frágeis com o partido que o elegeu. Essa perspectiva mantém a incerteza política, pois os desígnios do país serão decididos por um mandatário que não tem, necessariamente, uma coalizão partidária para governar.

 

Saiba Mais