Na tentativa de reverter a queda de popularidade e pressionado pela larga vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) investe em medidas consideradas eleitoreiras e que têm provocado crises em diferentes setores.
A mais recente controvérsia deflagrada por Bolsonaro foi a edição de uma portaria que estabelece reajuste de 33,24% para os professores. O novo valor do Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica (PSPN) será de R$ 3.845,63. O chefe do Executivo reconheceu reclamações por parte de prefeitos e governadores — que, na prática, serão os responsáveis pelo pagamento da fatura e têm demonstrado preocupações fiscais com o aumento —, mas alegou "se colocar do outro lado do balcão".
A portaria foi assinada ontem, em solenidade no Palácio do Planalto. Presente ao evento, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, destacou a importância do reajuste à categoria. "A valorização dos professores vai muito além do seu reconhecimento por meio de melhores salários. Nesse sentido, é preciso reconhecer que o aperfeiçoamento pessoal do docente é fundamental", frisou. "A educação básica é um alicerce para que possamos ter uma nação equilibrada, com progresso. Ele destacou que, se 2021 foi "o ano dos profissionais da saúde", 2022 será "o dos profissionais da educação".
De acordo com Ribeiro, "chega de usar os professores e profissionais da educação apenas como uma massa de manobra político-eleitoral". Ele também frisou haver verbas para custear o reajuste. "Os recursos existem, e o governo federal — já há previsão legal — pode, inclusive, de maneira justificada, socorrer eventualmente um gestor que não consiga cumprir esse montante", disse. "Muitos entraves orçamentários que poderiam dificultar esse reajuste foram ultrapassados", acrescentou, emendando que o presidente "teve de ter coragem para tomar essa decisão".
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Repercussão
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirmou que a portaria "não tem base legal". A nota, assinado pelo presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, diz que "o anúncio reforça a falta de planejamento e comunicação dentro do próprio governo, bem como demonstra que a União não respeita a gestão pública no país".
Com o anunciado aumento, os municípios terão um impacto de R$ 30,46 bilhões e, segundo a CNM, a medida coloca os entes locais em "uma difícil situação fiscal". Além disso, conforme Ziulkoski, 90% dos repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deverão ser utilizados para os pagamentos de pessoal.
Na semana passada, a Frente Nacional de Prefeitos emitiu uma nota alertando para o risco de colapso em serviços essenciais e atraso de salários e defendeu a responsabilidade fiscal.
Além do reajuste para professores, Bolsonaro causou crise com outras categorias do funcionalismo ao prometer aumento apenas para integrantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Agora, o governo insinua que, em vez de reajuste de salário, avalia corrigir o valor dos benefícios pagos aos servidores federais, como vale-alimentação, medida rejeitada, sobretudo, pelos aposentados do setor público.
O diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, observou que, focado na reeleição e a cada resultado ruim nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro cogita novas bondades fiscais. "Ao imaginar, por exemplo, um aumento seletivo apenas para profissionais da área da segurança pública, desagradou à enorme maioria das categorias de servidores públicos. Recuou quando foi alertado da possibilidade de esse aumento segmentado ferir a Constituição. Para remediar, imagina ampliar benefícios, o que, dificilmente, atenuará a ira dos servidores públicos, atiçada pela péssima ideia inicial de dar aumento exclusivo para as categorias que, presumidamente, reúnem boa parte dos seus eleitores", ressaltou.
O especialista sustentou que o presidente usa um argumento falacioso ao dizer que as verbas são da União. "Ao declarar que há recursos disponíveis para o pagamento do piso e que os recursos do Fundeb são repassados aos municípios pela União, o governo tenta capitalizar politicamente em cima desse reajuste, deixando de esclarecer que o Fundo é formado, majoritariamente, por impostos de estados e municípios", disse. "Trata-se de um mecanismo de redistribuição composto por receitas dos três entes. Essa nova bondade eleitoral será, certamente, questionada judicialmente, visto que há interpretação de que está amparada em lei já revogada."
Ricardo Ismael, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), afirmou que Bolsonaro, dificilmente, conseguirá dar reajuste apenas para policiais federais, porque os servidores públicos federais vão querer o mesmo benefício. "Aí, complica, porque tem um impacto orçamentário que o governo não previu e não se sabe, exatamente, de onde poderia vir esse aumento linear para todas as categorias do serviço público", afirmou.
Danilo Morais, mestre em ciência política e professor da pós-graduação do Ibmec-DF, apontou que o reajuste dos professores não deve prosperar, "já que o governo federal não proveu os meios para a absorção de tamanho impacto fiscal".